Reforço do PCP

Iniciativa aos Militantes

Por Domingos Lopes


Este não é um tempo fácil para os que querem transformar o mundo. Em primeiro lugar para os comunistas. Não é fácil explicar o colapso dos regimes socialistas, que eram tidos por fortalezas inexpugnáveis. Não é fácil recentrar a acção política sem o contrapoder que era a URSS. E não é fácil fazer frente a uma ofensiva global do capitalismo e de todas as suas forças para "arrumar" com os partidos comunistas e outras organizações de esquerda.

Ao completar 77 anos de vida, o PCP bem se pode orgulhar de todo o seu valioso património de lutas pela liberdade, a democracia, a paz e o socialismo em Portugal. Mas é necessário que o Partido seja capaz, impulsionado por esse passado, de aumentar a sua influência. Na actual situação política é absolutamente imprescindível um partido mais forte. E para isso acontecer é condição "sine qua non" que mantenha a sua identidade comunista, a de um partido da classe operária e de todas as classes trabalhadoras, que luta pela superação do capitalismo através da construção do socialismo.

O PCP tem um programa, ideias e valores com uma grande aceitação. O que faz falta, então, para avançar e se reforçar? As condições de luta em que o PCP participa são profundamente desiguais. O PCP não só é discriminado quotidianamente como a sua política é deturpada e caricaturada sistematicamente. A vitória transitória do capitalismo sobre o socialismo está a ser explorada a fundo pelas forças que dela tiraram proveito. E para além disso, o poder de atracção do capitalismo é ainda muito grande.

Mas é possível, apesar desta situação, o PCP reforçar-se. Para isso o partido deve estar ainda mais virado para o tempo presente e para a sociedade, e desde logo para as massas trabalhadoras.

E um partido enraizado no tempo presente, não pode deixar de conhecer profundamente as características dominantes desse tempo. Há-de tê-las sempre em conta, porque de homens e mulheres deste tempo é feito. Sabe-se como hoje os cidadãos se queixam da falta de tempo e conhecem-se os flagelos que se abatem sobre as famílias pela dificuldade de convívio e comunicação. É um facto que cada vez há menos tempo. Porque é preciso trabalhar mais e às vezes em mais que um emprego. Porque cada vez é maior a distância entre a residência e o posto de trabalho. Porque cada vez é maior o cansaço e o próprio "stress" decorrente do dia de trabalho. Porque se abriram novos interesses. O tempo disponível é bem menor do que existia há vinte ou trinta anos. Ora, nestas circunstâncias, é fundamental que a organização comunista tenha ainda mais em atenção estas características. E os membros do Partido, filhos deste tempo, e vivendo ao ritmo deste tempo, encontrem um estilo de trabalho que facilite mais a participação e, desde logo, com reuniões mais expeditas e mais rápidas. Não é convidativo participar em reuniões em que há quem fale vinte, trinta e quarenta minutos, uma, duas e três vezes... E a participação, sendo um elemento sem o qual não há militância, não é tudo, pois a participação só o é quando também é tida em conta.

Não é pelo facto de haver reuniões que se arrastam que elas são mais democráticas. Nem é pelo facto de haver quem leve conclusões apriorísticas que elas se tornam mais práticas.

Os membros do partido devem sentir mais que o seu partido é sempre o que eles querem que ele seja. A última reunião do Comité Central apontou para um novo impulso organizador, apelando aos militantes do partido para tomarem iniciativa dentro das orientações gerais traçadas e não ficarem à espera que lá cheguem camaradas com as tarefas debaixo do braço.

É por isso que se estão a desenvolver grandes esforços organizativos para responsabilizar mais membros do Partido e para o rejuvenescer.

No fundo, pretende-se que os membros sejam ainda mais capazes, no dia a dia, de integrarem na luta política mais geral do partido os problemas das populações aos mais variados níveis. Nenhuma célula, nenhuma comissão de freguesia ou concelhia precisa de luz verde da direcção do Partido para organizar, potenciar e lutar pelos interesses dos trabalhadores ou das populações sejam pelo aumento de salários, horário de trabalho, pela construção de um centro de saúde, uma biblioteca, em defesa do meio ambiente, dado que todas estas lutas se encaixam perfeitamente na resolução política aprovada no Congresso, bem como no Programa do Partido.

Antes do 25 de Abril, os membros do Partido, apesar de estarem circunscritos às suas células de três membros eram capazes de promover lutas a todos os níveis para derrubar o fascismo. O partido era cada membro do Partido. O partido precisa que cada militante do partido se sinta como se fosse o partido. É preciso que essa iniciativa leve a um impulso interno de reforço da organização e, por outro lado, a um reforço do próprio partido com o alargamento da influência social e eleitoral. É dentro desse espírito que o CC apontou a possibilidade da escolha ou eleição no âmbito do organismo do camarada que coordene ou dinamize o funcionamento do colectivo dentro dos princípios estatuários.

Somos um partido com influência nacional e que é imprescindível para uma alternativa à política de direita. Mas não temos a força necessária para impedir essa política de direita. É porém, necessário que o partido seja mais irrequieto, mais exigente consigo próprio e melhore significativamente não só a sua organização interna, como o próprio relacionamento com a sociedade para ganhar novas influências e assim se poder reforçar e contribuir decisivamente para a alternativa democrática.

Só o PCP se pode apresentar como defensor de um sistema político em que a democracia esteja aliada às vertentes sociais, económicas e culturais. Enquanto o PS e o PSD atacam o próprio regime democrático tal como foi erguido em Abril, o PCP defende uma democracia que vá de encontro às aspirações mais profundas dos cidadãos e das grandes massas populares, isto é, uma democracia com liberdade mas também com direitos sociais, económicos e culturais.

É com valentia que se deve levar aos trabalhadores o nosso programa. É um programa único e ímpar. Não permite confusões com "modelos" de socialismo que conspurcaram o próprio ideal pelo qual milhões de homens e mulheres e jovens deram o melhor que tinham de si próprios. Não pode haver confusões e não se pode permitir que erros do passado empecilhem o caminho de cada dia. De cara voltada para o futuro, armados por um valiosíssimo património de lutas, os comunistas precisam de lutar por acertar melhor o pé com o ritmo do nosso tempo.

Não há projectos cuja validade não precise de ser aferida para ser levada à prática. Às vezes é preciso ir às boxes, reparar, afinar, para sair com o motor em melhores condições. Sempre os homens e as suas organizações se confrontaram com a impiedade do tempo. Já Camões o referia, os tempos trazem sempre mudanças. E nós não precisamos de mudar de princípios, nem de teoria. Apenas precisamos de afinar os métodos, o estilo e dar um forte impulso organizativo que ponha o partido mais no centro da política em Portugal.

Há quem aproveite os "mass media" para pretender fazer confundir um esforço de organização e um determinado estilo de trabalho com a mudança de identidade do partido. Bem sabem que assim não é. Apenas pretendem impedir que se mude o que o partido acha que deve ser mudado. Querem um partido sem rins, sem elasticidade para melhor poder lutar pelos seus ideais. Reparam que o partido pode afinar a máquina e querem impedi-lo lançando as mais vis suspeitas sobre as suas tarefas. É o preço que partido tem de pagar por agir pela cabeça da sua direcção. Certamente que se hão-de escrever mais disparates, que se há-de fazer do debate democrático interno derrotas de uns e vitórias de outros, e que se hão-de querer transformar naturais diferenças em esmagamento deste ou daquele dirigente do partido. O importante é armar os militantes do partido com as grandes questões que animam o partido e levar a cabo as tarefas que se decidem, independentemente do que dizem e escrevem os "mass média".

Apesar das tormentas que este fim de século nos está a fazer viver, dos avanços, das forças do grande capital, é possível construir uma alternativa democrática à actual política. Mas para isso é preciso reforçar o PCP.


«Avante!» Nº 1271 - 9.Abril.98