Delegações do PCP e da Esquerda Unida
condenam Acordo Multilateral de Investimentos


Na passada terça-feira, uma delegação da Esquerda Unida visitou Portugal a convite do PCP, tendo-se realizado um encontro entre delegações das duas forças políticas.

A delegação espanhola, dirigida por Julio Anguita, Coordenador Geral da EU, era composta ainda por Pepe Cabo, Coordenador do Departamento Internacional, Victor Rios, Coordenador da Presidência Federal, e Pedro Marset, Secretário da Política Externa e eurodeputado. A delegação do PCP que durante a manhã manteve conversações com a Esquerda Unida era, por sua vez, dirigida pelo Secretário-geral do PCP, Carlos Carvalhas, e integrava Albano Nunes, membro do Secretariado e responsável pela Secção Internacional, Agostinho Lopes, membro da Comissão Política e do Secretariado, e Domingos Lopes, membro do Comité Central e da Secção Internacional.

As consequências negativas para o emprego e o desenvolvimento dos povos resultantes da construção da moeda única e do Acordo Multilateral de Investimentos (AMI) foram algumas das questões sobre as quais incidiu o encontro e em relação às quais existem opiniões convergentes por parte das duas forças políticas.

À tarde, Carlos Carvalhas e Julio Anguita participaram num encontro com a comunicação social. O Coordenador Geral da esquerda Unida teve então ocasião de referir a periodicidade com que estes encontros se vêm realizando e deu nota da existência «de ideias, projectos, lutas e posições coincidentes em mais de 90 por cento das matérias que preocupam quer o PCP quer a EU».

Uma «agressão à democracia», foi como Julio Anguita classificou o AMI, pelo facto de permitir que acordos entre determinadas empresas sejam colocados acima das decisões dos governos, subordinando estes aos ditâmes do poder económico. Isto, disse Julio Anguita, põe em causa a soberania dos países e a própria Constituição.

Por sua vez, Carlos Carvalhas, referiu a apreciação convergente entre o PCP e a Esquerda Unida sobre a moeda única e o AMI. E, questionado sobre quais as estratégias comuns às duas forças políticas até às eleições europeias, chamou a atenção para a necessidade de dar resposta ao princípio da Coesão Económica e Social - que tem sido «letra morta». Uma resposta que tenha em conta, designadamente, a Política Agrícola Comum, a reforma dos fundos estruturais (Agenda 2000), o desemprego e outras questões em que os países do Norte são beneficiados em detrimento das economias mediterrânicas.

No final da tarde do mesmo dia, a delegação da Esquerda Unida participou num debate com militantes do PCP realizado no Centro de Trabalho Vitória.

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Julio Anguita ao «Avante!»:
«Uma força política que renuncie ao pleno emprego
deixa de ser de esquerda»

Aproveitando a passagem por Portugal de Julio Anguita, coordenador-geral da Esquerda Unida, o «Avante!» colocou-lhe algumas perguntas, designadamente sobre eventuais linhas de acção comum com o PCP.

Como é que a presente visita reforçará a cooperação entre comunistas portugueses e espanhóis, nomeadamente no âmbito do Parlamento Europeu?

—A visita não reforça, manifesta o reforço de um trabalho diário e é resultado de um trabalho anterior. Numa visita como esta analisa-se o trabalho conjunto e comprova-se que foi frutuoso. E a partir dessa comprovação (recorde-se que formamos um grupo desde que houve eleições para o Parlamento Europeu) chegámos a um acordo, que vamos submeter às nossas direcções, para que nas eleições do próximo ano voltemos a formar um grupo.
Neste âmbito, temos uma aspiração que convém ver com prudência, mas que devemos referir: ter algum dia uma entidade europeia muito mais concertada do que a actual. Existem as grandes formações europeias, os populares, os socialistas e as nossas forças políticas são, em geral, a terceira força política de cada país. Por isso seria interessante, com prudência, com grande respeito por cada força política, fazer crescer uma base programática para o Parlamento Europeu. Estamos empenhados nisso.
O que se passa é que, na medida em que haja uma base programática comum, crescente, isso supõe uma aproximação nacional. A política que já se faz na União Europeia tem incidências em quase todas as áreas da política nacional: agricultura, defesa, política orçamental, etc. A construção de uma espécie de acordo programático, que se pretende que seja muito suave no princípio, para que vá depois crescendo, significa a aproximação de interesses das forças políticas. Neste sentido, posso dizer que vou satisfeito com os resultados do encontro.


— O chamado «pensamento único» enquadra hoje as principais políticas da direita e da social-democracia. As preocupações que muitas forças de esquerda colocam em relação aos critérios de Maastricht e ao Pacto de Estabilidade para a concretização da moeda única são partilhadas pela Esquerda Unida?

— Em 1991 já nós denunciávamos, isoladamente em Espanha, o Tratado de Maastricht. E lamento dizer que cumpriu-se inteiramente o que então dizíamos. Para começar, a ideia de construção europeia ficou em nada. Não estamos diante de uma construção europeia. É mentira. Estamos ante a construção de uma moeda única que não tem nada a ver com isso. Senão, observemos como se tem reduzido o âmbito do conceito de «construção europeia»: começou com o que uns chamaram a construção da Europa federal, ou integrada, ou da Europa de pátrias, o que sempre implicou o começo de uma unidade política na medida em que ia haver um parlamento. Chegou-se a falar em 1990 de um projecto de constituição europeia. E existe, mas nem o Partido Socialista nem o Partido Popular quiseram discuti-lo.
De tudo isto, Maastricht ficou reduzido a uma União Económica e Monetária e nada mais. Deitaram fora dois elementos fundamentais: um a unidade política da Europa, o outro foi a política externa genuinamente europeia. Esta foi também rejeitada, como depois se comprovou, quando a Assembleia da NATO, em Berlim, no âmbito da União Europeia, decidiu em plena discussão da política de revisão de Maastricht, que a política externa passaria a ser conduzida pela NATO.
Mas tão pouco quiseram chegar a uma união económica. Uma união económica implica um orçamento - não este de 1,27 por cento do Produto Nacional Bruto que vai quase todo para a política agrícola comunitária -, implica uma política de finanças europeia e uma política fiscal comum. E outras medidas: falo do Parlamento Europeu, de um sector público forte, uma coesão social, uma legislação laboral para todos os trabalhadores... uma luta contra o desemprego que não se fique pelas intenções.
O que ficou então? Uma moeda única, que é um processo muito pobre e apenas serve os interesses do capital financeiro, que se vai virar contra os povos e colocá-los uns contra os outros. Já quando se escreveu o Manifesto Comunista, há precisamente 150 anos, se colocava o problema da luta entre os capitalistas pela conquista dos mercados. É o que se chama hoje competitividade. Isso vai secundarizar as políticas redistributivas. Quem decide a política redistributiva? Não é o Banco Central Europeu, pois a sua missão é conservar a moeda, o euro, em condições sãs segundo os seus critérios; quem decide portanto são os mercados.
Onde está o Governo europeu para tomar decisões de política económica em questões sociais? Não existe. Onde está o Parlamento Europeu, se não lhe dão qualquer papel? Isto é a ditadura dos mercados, a qual necessita da moeda única.
Também nesta apreciação os nossos pontos de vista coincidem.


— O desemprego continua a ser a principal preocupação dos povos europeus. Como é que a cooperação entre a Esquerda Unida e o PCP pode contribuir para o incremento da luta pelo emprego na União Europeia?

— Depois de trabalharmos muitos anos juntos, as forças integrantes do Grupo de Esquerda Unitária realizaram uma primeira acção conjunta de carácter internacional que foi o «meeting» de Paris. O «meeting» de Paris foi muito importante porque pela primeira vez deixou de haver relações bilaterais, por exemplo entre Partido Comunista Português e a Esquerda Unida, ou o Partido Comunista de Espanha; entre Partido Comunista Português e Partido Comunista Francês. Esta iniciativa levou à reunião de Madrid, começando a esboçar-se uma posição que já se perfilou clara no «meeting» de Lisboa e na reunião que tivemos em Espanha. Definimos como objectivo fundamental das nossas organizações a luta contra o desemprego.
Trata-se de uma posição correcta mas puramente defensiva. Para nós a luta contra o desemprego tem um objectivo muito positivo que se chama «sociedade de pleno emprego». Chamo a atenção de que não disse «pleno emprego», disse «sociedade de pleno emprego». Porque o pleno emprego, estável, com direitos e com protecção social só é possível se houver outra política económica e outro tipo de relações laborais. Para a esquerda, o pleno emprego é um objectivo irrenunciável. Uma formação política que abdique, que renuncie ao pleno emprego e admita como um facto definitivo o desemprego estrutural, deixa de ser de esquerda.
Tudo isto se integra num processo histórico que vem desde a redução da jornada de trabalho. Começou com a luta pelas dez horas, foi depois a luta pelas oito horas, ultimamente a luta pelas 40 horas e agora a luta pelas 35 horas. Ou seja, retomamos um fio da História e confrontamo-nos com o facto de a redução da jornada de trabalho, naturalmente sem redução salarial, ser um instrumento para lutar contra o desemprego. Há outros: sector público, supressão das horas extraordinárias, pluri-emprego, etc.
Também aqui coincidimos com o Partido Comunista Português, com os franceses... Quer dizer, neste processo, nós, os que integram o grupo no Parlamento Europeu, temo-nos aproximado muito, potenciando o que nos aproxima. Por isso hoje temos uma base histórica de relacionamento e de propostas acima do normal para iniciar o que disse no princípio: a «aventura», não digo aventura no sentido do risco mas da expectativa, de um programa comum.


«Avante!» Nº 1272 - 16.Abril.1998