Reforma da Segurança Social
PCP disponível para negociar


Em conferência de imprensa ontem realizada, Edgar Correia, membro da Comissão Política do PCP, manifestou a disponibilidade dos comunistas para participarem na negociação proposta pelo Governo para a reforma da Segurança Social sublinhando no entanto que tal não é dissociável do empenho dos comunistas na afirmação pública das suas próprias análises e propostas neste domínio.

Edgar Correia começou por salientar que a reforma dos sectores da Segurança Social e da Saúde deve significar «mais e melhor Saúde, mais e melhor Segurança Social, para todos os portugueses» e alertou para os «equívocos conceitos de pacto ou de Plataforma de Acordo do Regime utilizados pelo Governo na apresentação do seu objectivo negocial.

«Sejamos directos: para o PCP, o grande e único pacto político - social que rege a vida democrática chama-se Constituição da República, que «consagra, explicitamente, o quadro dos direitos sociais dos portugueses e as incumbências do Estado em relação à sua concretização. (...)

«É neste quadro que o PCP manifesta a sua disponibilidade para participar na negociação», a qual não é «dissociável do activo - e simultâneo - empenho dos comunistas, na afirmação pública das suas próprias análises e propostas. E que se estende, igualmente, a um alargado processo de consulta e de diálogo que pretendemos impulsionar, abrangente quer das organizações representativas dos trabalhadores, com destaque para a CGTP-IN, quer de todo um vasto leque de organizações sociais e de individualidades que têm vindo a manifestar-se» sobre esta matéria.


Contra teses neo-liberais

Referindo-se às propostas do Governo, Edgar Correia criticou a «opção por teses e medidas de inspiração neo-liberal nos pontos politicamente mais sensíveis» citando a título de exemplo:

- a adopção de uma filosofia conducente à substituição da segurança social, enquanto direito social universal e enquanto sistema público que lhe serve de suporte, por um sistema assistencialista, confinado na prática ao sector da população de mais baixos recursos, e que desvaloriza fortemente os direitos adquiridos através das contribuições dos trabalhadores;

- a introdução do plafonamento, ou seja, a redução, através de um tecto do sistema público, quer da segurança social, quer do regime da Função Pública, apesar de não ter sido demonstrada qualquer vantagem dessa medida para os activos/beneficiários e para o próprio sistema, e das desvantagens serem evidentes; conjugada com a atribuição de incentivos fiscais à aquisição de produtos de poupança privada para o desenvolvimento de esquemas complementares de reforma acima do plafond;

- a clara tentativa de redução de direitos, a pretexto da "equidade", nomeadamente através da generalização da selectividade (apresentada como uma "renovação do conceito de universalidade" !), da limitação de prestações à "condição de recursos", da sujeição das pensões adquiridas por contribuições ao conceito da regressividade, e da restrição da atribuição de pensões de sobrevivência;

- a redução da Taxa Social Única, a ser compensada por receita fiscal através de uma "contribuição de solidariedade", mas sem quaisquer garantias de que ela não venha a sobrecarregar ainda mais os trabalhadores, em relação aos empregadores, do que sucede actualmente;

- a não assumpção de qualquer compromisso efectivo de pagamento, mesmo a prazo, da elevadíssima dívida do Estado em relação à Segurança Social; e a ausência de qualquer perspectiva temporal, seja a 10 ou 15 anos, de aproximação das prestações sociais ao nível médio que vigoram na generalidade dos países da União Europeia.

Em relação à Saúde, é consensual e positivo o propósito de proporcionar ganhos em saúde aos cidadãos. Mas a estudada opacidade dos enunciados relativos à concretização de alguns dos objectivos para a reforma estrutural do sector, não consegue ocultar a gravidade das orientações propostas pelo Governo no domínio do financiamento.

Trata-se de uma política de redução progressiva do Serviço Nacional de Saúde a fins assistenciais correntes, de forma a condicionar o acesso gratuito à saúde a um pacote limitado de cuidados clínicos essenciais e aos actos de saúde pública. Conjugada com uma política de alargamento do financiamento público da prestação de cuidados de saúde por entidades privadas, e de afectação a essas entidades de mais vastos recursos públicos.

Estas orientações, se viessem a ser adoptadas, não deixariam de conduzir a dois resultados particularmente indesejáveis: ao agravamento do já elevadíssimo nível de despesas de saúde privadas, pagas pelos portugueses directamente do seu bolso (que é de cerca de 40% no nosso país, em vivo contraste com os 25% da média da União Europeia); e à pressão para o aumento das despesas com a saúde determinada pela lógica do lucro do capital financeiro e transnacional ao estenderem o seu domínio no sector».


«Avante!» Nº 1272 - 16.Abril.1998