As propostas do Governo
para a Segurança Social

Por Eugénio Rosa


O Governo apresentou, na Assembleia da República, nos últimos dias do mês de Março, um documento a que chamou "Por uma Segurança Social forte a caminho do século XXI". No entanto, as propostas do Governo referentes à sustentabilidade financeira da Segurança Social, constantes desse documento, não garantem essa sustentabilidade futura; muito pelo contrario, se forem implementadas, só agravarão a situação financeira da Segurança Social, como provaremos.

Uma das razões das dificuldades que começa já a enfrentar o Regime Geral dos trabalhadores por conta de outrém, é o facto de ele ser obrigado a suportar encargos que deviam ser assumidos por toda a sociedade, e que, por isso, deviam ser suportados por receitas de impostos, ou seja, através de transferências do OE para o Orçamento da Segurança Social.
O leitor para poder entender claramente o que está em jogo, e como a solução poderá afectar profundamente a sua reforma, ou seja, a sua vida quando estiver reformado, é necessário que compreenda claramente o que é contributivo e não contributivo ou escassamente contributivo na Segurança Social.


É necessário definir
o que de deve ser pago com impostos

Muito sinteticamente quando se fala em "contributivo" está-se a referir a prestações pagas pela Segurança Social que o beneficiário para Ter direito a elas teve antes de pagar contribuições durante um determinado número de anos; e quando se fala em "não contributivo" o direito à prestação está ligada não ao facto de Ter pago contribuições, mas sim de não Ter recursos para viver, ou então resulta de decisões visando promover, por exemplo, o emprego, a natalidade, etc..
É evidente, que enquanto as prestações dos regimes contributivos devem ser suportadas fundamentalmente pelos futuros beneficiários assim como pelas empresas em que trabalham, em que as contribuições destas são simples salários diferidos, o financiamento dos regimes não contributivos e dos défices dos escassamente contributivos deve ser feito por toda a sociedade sob a forma de impostos, ou seja, através de transferências do OE para o Orçamento da Segurança Social, pois as prestações destes dois últimos regimes devem assentar na solidariedade nacional.
No documento que apresentou, o Governo defende o "financiamento exclusivo através de transferências do Orçamento do Estado dos regimes não contributivos ou escassamente contributivos e dos programas de acção e inserção social", o que é positivo..
No entanto, o que não está claro, é aquilo que o Governo entende por não contributivo e escassamente contributivo, pois a sua política até aqui tem sido o de considerar como contributivo prestações que o não são, e depois obrigar o Regime Geral dos trabalhadores por conta de outrém a suportá-las, o que tem provocado a descapitalização deste regime.

Serve de exemplo, o que tem acontecido com a parte não contributiva da pensão mínima do Regime Geral (diferença entre a pensão regulamentar, ou seja, aquela que o reformado recebe, e a pensão estatutária, aquela que se receberia se fossem aplicado a ele a mesma metodologia de cálculo da pensão que é aplicada à generalidade dos pensionistas deste regime – nº de anos de desconto vezes 2% vezes a média aritmética dos 10 melhores salários revalorizados dos últimos 15 anos); repetindo, a parcela não contributiva da pensão mínima do Regime Geral, que segundo o próprio MTS custou a este regime, só em 1995, 259 milhões de contos ( para o período compreendido entre 1983 e 1998, estimamos em 2.487 milhões de contos), tem sido paga apenas pelo Regime Geral dos trabalhadores por conta de outrém. E isto apesar do próprio Ministério da Solidariedade reconhecer expressamente que "a pensão regulamentar do regime geral, ou seja, a chamada pensão mínima, inclui uma importante parcela não contributiva" (Segurança Social: Evolução Recente: 1992-1995-MS, pág. 65).
O mesmo sucede com o subsidio social de desemprego, não o subsidio de desemprego, que só entre 1986 e 1994 custou ao Regime Geral 337 milhões de contos), com as medidas activas de emprego, que isentam as empresas do pagamento de descontos à Segurança Social durante vários anos (só entre 1987 e 1995, custaram 71 milhões de contos, e o Governo acabou de anunciar mais isenções no âmbito do chamado Plano Nacional de Emprego), etc., etc. , cujos encargos têm sido apenas suportados pelo Regime Geral dos trabalhadores por conta de outrém..

Apesar de tudo isto estar a provocar a descapitalização deste regime, as propostas apresentadas pelo governo não esclarecem se essa situação vai mudar, e é evidente que uma alteração profunda nesta situação contribuiria certamente para garantir a sustentabilidade financeira futura da Segurança Social.


O Governo pretende
impôr o
plafond

Uma outra proposta apresentada pelo governo é " a criação de um limite máximo de base de incidência das taxas contributivas". Isto significa a introdução de um plafond nas contribuições, ou seja, que a parcela do salário que ultrapasse um certo valor, deixa de descontar para a Segurança Social. O Ministro Ferro Rodrigues já defendeu numa entrevista a um jornal diário, que esse limite fosse 300 contos.
Esta proposta é pior do que a da Comissão do Livro Branco da Segurança Social, pois ela defendia que mesmo com um plafond igual a cinco salários mínimos nacionais, as empresas continuariam a entregar contribuições relativamente à parte do salário que ultrapassasse os cinco salários. O que aconteceria é que a parcela referente a parte que ultrapassasse os cinco salários mínimos seria investida num fundos de pensões, público ou privado.
De acordo com a proposta do governo, a entidade patronal deixaria de pagar qualquer contribuição relativa à parte do salário superior a cinco salários mínimos (isto não acontecia na proposta da Comissão), o que determinaria que todas as outras prestações ligadas a salário sofressem as consequências do estabelecimento do plafond, ou seja, seriam reduzidas (subsidio de doença, subsidio de desemprego, etc.).
Como se afirma no próprio Livro Branco da Segurança Social, a introdução do plafond determinaria uma quebra imediata, e em cada ano, de receitas para a Segurança Social até ao ano 2018, por um lado, e, por outro lado, "constituiria uma medida curativa com resultados pouco visíveis no reequilíbrio do sistema" de Segurança Social.


Mais um imposto
para beneficiar as empresas

Para fazer face à inevitável quebra de receitas da Segurança que o próprio Governo reconhece, causada pelas suas propostas e também por diminuição da Taxa Social Única que incide sobre as empresas, que o governo pretende reduzir outra vez, o Ministro Ferro Rodrigues pretende criar um novo imposto, a que chama "Contribuição de Solidariedade", a incidir sobre todo o tipo de rendimentos, portanto, mais uma vez sobre os rendimentos dos trabalhadores, cuja receita serviria apenas para compensar a Segurança Social da quebra de receitas provocada pela redução das contribuições que actualmente são pagas pelas empresas.
Fica assim claro, que as proposta apresentadas pelo Governo na Assembleia da República não melhorariam a sustentabilidade financeira futura da Segurança Social; muito contrário, ao provocar a diminuição imediata de receitas, aumentariam a probabilidade da Segurança Social enfrentar, no futuro, problemas financeiros graves.


Destruição do princípio da solidariedade

A introdução do plafond, que vem ao encontro de uma das reivindicações das companhias de seguros e das sociedades gestoras de fundos de pensões, a maior parte delas pertencentes aos bancos, determinaria o começo da destruição do principio da solidariedade em que assenta todo o sistema público da Segurança Social, já que o valor das contribuições para a Segurança Social, em percentagem do salário, começaria a diminuir a partir do plafond (limite de desconto).
Para além disso, a introdução do plafond seria a porta que permitiria gradualmente reduzir as pensões pagas pela Segurança para níveis cada vez mais próximos de mínimos de sobrevivência levando os trabalhadores a caírem nas mãos dos fundos de pensões privados, ou seja, do capital financeiro.

Esta é uma realidade que os trabalhadores cujos salários estejam distantes do plafond anunciado pelo governo ( 300 contos ) não devem esquecer.

E como mostraremos num próximo artigo, a solução pretendida pelo governo, ao tentar introduzir um plafond nas contribuições, que é a criação de um importante mercado para os fundos de pensões, é uma solução cara e insegura.


«Avante!» Nº 1272 - 16.Abril.1998