SEM TERRA
Reforcemos a solidariedade


O massacre de Eldorado do Carajá - 19 trabalhadores rurais sem terra assassinados pela Polícia Militar que feriu mais 67 trabalhadores - ocorreu há dois anos no estado brasileiro do Pará. A violência desta chacina projectou mundialmente a luta pela reforma agrária no Brasil, e gerou uma ampla solidariedade ao Movimento dos Sem Terra.

A injusta repartição da terra vem de longe. Entretanto o desenvolvimento capitalista nos campos brasileiros, subordinado ao capital industrial e financeiro, conduziu a um dos mais altos indíces de concentração latifundiária do mundo - 1% dos proprietários possuem 46% de todas as terras. E também ao seu abandono - dos 400 milhões de hectares de propriedade agrícola só 60 milhões são utilizados. A actual luta dos sem terra pela reforma agrária entronca-se na luta secular contra o latifúndio no Brasil, tão antiga como a independência do país. Desenvolve-se com a exigência da abolição da escravatura. No nosso século têm lugar várias revoltas camponesas, antes e durante a ditadura militar. Diversos movimentos se constituem e, a partir da década de 70, as ocupações de terra, os acampamentos, as longas marchas, os encontros regionais de camponeses assumem importante expressão. É assim que nasce, em 1984, o Movimento dos Sem Terra.

Desde então o MST, desenvolve a sua actividade numa situação de desapiedada violência social. 30 milhões migraram para as cidades, durante os últimos 20 anos, em busca da sua sobrevivência. Cerca de 5 milhões de famílias vivem à beira das estradas, sem terra e sem trabalho. Incentivando a " invasão" das terras abandonadas e dinamizando os "assentamentos" das famílias - 160 mil ocuparam até ao ano passado 5 milhões de hectares - o MST esclarece e mobiliza ainda os trabalhadores rurais para a exigência de contratos de trabalho e contra a exploração dominante. O confronto com as forças repressivas governamentais tem sido frequente e brutal - cerca de 2 mil camponeses assassinados. A impunidade dos assassinos é garantida através do arrastamento de processos judiciais lentos e inconclusivos.

As notícias das últimas semanas alertam-nos para uma agudização da luta pelo direito à terra. Por um lado crescem as ocupações - 13.118 famílias em Março, contra 1.790 em Fevereiro - e por outro multiplicam-se as intimidações e os assassinatos. Os latifundiários organizam-se à margem da lei e do Estado. As milícias armadas recentemente criadas, pelos latifundiários e a ocupação de vastas regiões, prefiguram organizações " paramilitares" que marcam a história de violência e terror em numerosos países latino-americanos. Fernando Henrique Cardoso, que não cumpre a legislação do seu próprio governo relativa à reforma agrária, ao suspender neste preciso momento as conversações com os dirigentes do MST mostrou, a quem tivesse dúvidas, de que lado está. Eleito presidente como " homem de esquerda" e denunciando o Brasil "como um país injusto ", FHC revelou-se um "esclarecido" servidor do grande capital e acabou por acentuar ainda mais as gritantes e trágicas desigualdades sociais no Brasil.

A luta dos Sem Terra e do seu Movimento contra a miséria, pelo direito à vida e ao trabalho tem na actual situação política e social brasileira, particular significado. Opõe-se objectivamente à política neoliberal de FHC. Em permanente confronto com as classes dominantes e o poder instituído, a luta dos Sem Terra ( pelo direito à terra, contra a exploração e a opressão ) evidencia que as massas, conscientes da sua força e razão, são capazes de se organizar, lutar e avançar na conquista de direitos vitais, democráticos e progressistas. E que a clareza dos seus objectivos e a firmeza na acção do MST potenciou um forte movimento de solidariedade, de massas e institucional. Radicando-nos na grande expressão que assumiu em todo o mundo, exactamente há um ano, por ocasião do 1º aniversário do massacre de Eldorado do Carajá, e da marcha dos Sem Terra para Brasília, reforcemos em Portugal as acções de protesto contra a repressão e de solidariedade ao Movimento dos Sem Terra. — Manuela Bernardino


«Avante!» Nº 1272 - 16.Abril.1998