Fábrica Renault e Lisnave comprovam
as cumplicidades com o grande capital


O Governo continua a revelar sinais de forte cumplicidade com os grupo económicos com vista a restringir os direitos dos trabalhadores e a proporcionar acrescidos aumentos das taxas de lucro e da reprodução do capital à custa do agravamento da exploração do mundo do trabalho. Na semana transacta, em intervenção no período antes da ordem do dia, o deputado comunista Joaquim Matias voltou a demonstrar que assim é, levando a plenário a este propósito os casos da Fábrica da Renault em Setúbal e do sector da construção e reparação naval.

Qualquer deles, de um modo muito simples, testemunha aquela realidade, pondo em evidência não apenas a trama de ligações entre o Governo e o grande capital, como também a sua sujeição aos interesse do poder económico e o modo como as suas opções são determinadas por este favorecimento em detrimento dos trabalhadores.
No que se refere à Fábrica da Renault, em Setúbal, agora denominada Sodia, o que está em causa é nem mais nem menos do que o despedimento colectivo de cerca de 600 trabalhadores. Notificados nesse sentido na passada semana pela administração da empresa, que invoca o encerramento da fábrica em 31 de Julho próximo, os trabalhadores, com uma profissão especializada, com família e com compromissos sociais, vêem-se assim confrontados com um futuro de total insegurança devido à actuação irresponsável do Executivo.
Mais grave ainda, como assinalou Joaquim Matias, este desfecho contraria todas as expectativas criadas e todo os compromissos assumidos pelo Governo. Com efeito, aquando das negociações com a empresa francesa, o Governo afirmou que "o negócio entre o Estado e a Renault visa viabilizar a empresa", tendo acrescentado que "neste processo os empregos de uma ou de outra forma estarão sempre assegurados".
Recorde-se que este compromisso foi assumido na quadro das negociações então entabuladas pelo Governo com a Renault nos termos das quais esta última foi desresponsabilizada dos seus compromissos contratuais e o Estado português desistiu da acção que lhe movera no Tribunal de Genevé por incumprimento desses mesmos compromissos, ao abrigo dos quais a multinacional francesa obtivera benefícios fiscais e fundos comunitários.
"Como pode o Governo desresponsabilizar-se e desresponsabilizar a multinacional Renault de encontrar uma solução que assegure o futuro da fábrica e os postos de trabalho? Como pode o Governo não honrar os compromissos que assumiu perante os trabalhadores ?", interrogou-se Joaquim Matias.
Para o deputado comunista torna-se ainda evidente que o Executivo agiu de má fé em todo este processo, uma vez que só muito tarde - e porque instado a fazê-lo - é que admitiu em comissão parlamentar não terem fundamento as notícias que apontavam a venda daquela unidade fabril a construtores japonesnes, depois americanos e por fim coreanos.
A verdade é que "nunca houve qualquer hipótese credível de venda da fábrica", acusou Joaquim Matias, convicto, do mesmo modo, que o Governo também "não possuía como não possui" respostas para perguntas fundamentais, como a de saber quantos empregos tem para atribuição aos cerca de 600 trabalhadores da Sodia ou como são garantidos os seus direitos individuais e contratuais.
O recrutamento de 400 a 500 trabalhadores estrangeiros para trabalhar de Junho e Setembro na Lisnave foi, por sua vez, o motivo próximo que levou Joaquim Matias a considerar que qualquer coisa de anómalo, servindo interesses obscuros, está em preparação.
Depois de recordar o modo como se processou o último plano de reestruturação da Lisnave - negociata concretizada em Fevereiro do ano passado entre o Governo e o Grupo Mello que lesou gravemente não apenas as populações (Almada e Península de Setúbal) e os trabalhadores da Lisnave, como também os interesses do sector de construção e reparação naval e os interesses nacionais - Joaquim Matias perguntou como é possível que da aplicação desse plano, que conferiu benesses financeiras ao Grupo Mello e decidiu pelo encerramenro a curto prazo do mais equipado estaleiro português (Margueira), tenha resultado o despedimento de mais de 2500 trabalhadores, ao mesmo tempo que se recorre a centenas de subempreiteiros e ao recrutamento de pessoal estrangeiro para cumprir as encomendas.


«Avante!» Nº 1275 - 7.Maio.98