Lixeira nuclear
ameaça Douro


As profundas interdependências, que ressaltam em todas as questões ambientais, afirmam-se agora, de forma bem palpável para todos nós, num momento em que a criação de um cemitério de resíduos nucleares em Espanha poderá pôr em causa a bacia do rio Douro ou o desastre de Doñana ameaçar as águas algarvias.

Num primeiro alerta, o Partido Ecologista "Os Verdes" apresentou um requerimento ao governo português, solicitando informação sobre as notícias vindas a público segundo as quais o Estado espanhol teria retomado o seu projecto de 1987 de construção de um cemitério nuclear em Aldeadavila, junto à fronteira portuguesa.
No requerimento "Os Verdes" sublinham "as gravíssimas consequências no plano ambiental, social e económico deste projecto, já tão contestado no passado" e que "a sua concretização iria constituir uma permanente ameaça e risco para toda a Região, assim definitivamente condenada no futuro".
"Os Verdes" perguntam sobre a informação, na posse do governo português, relativa à "instalação junto à fronteira portuguesa de um cemitério para armazenamento de resíduos nucleares de alta densidade, pela empresa ENRESA" e sobre quais as medidas tomadas no plano diplomático.
O protesto contra este projecto tem vindo entretanto a afirmar-se na região ameaçada. A Associação de Municípios de Trás-os-Montes e Alto Douro promove a 17 de Maio, na margem portuguesa do Douto Internacional, uma marcha a pé contra a eventual instalação de uma lixeira nuclear em Aldeadavila.
A associação de municípios elaborou, numa reunião realizada em Moncorvo na véspera do 25 de Abril, um comunicado em que se repudia "qualquer hipótese de instalação de uma lixeira nuclear na zona de um parque natural internacional".
A posição assumida pelos autarcas surgiu na sequência de uma denúncia feita pelo Comité Anti-nuclear e Ambientalista de Salamanca, de que "a ameaça nuclear regressou a Aldeadavila", na zona fronteiriça.


As razões de uma suspeita

A suspeita do grupo ambientalista baseia-se num anteprojecto, em discussão no Senado espanhol, no sentido de se propor ao governo a aprovação de uma lei que daria plenos poderes à ENRESA, empresa estatal responsável pelos resíduos nucleares, para impor a localização de um cemitério nuclear.
O documento provocou a reacção da Coordenadora Anti-nuclear do Baixo Douro, que convocou de imediato uma acção de protesto em Aldeadavila, temendo que aquela zona seja novamente considerada privilegiada para a instalação da lixeira nuclear.
De notar que os técnicos da empresa ENRESA não consideram a implantação de tal lixeira como incompatível com o facto de estar em causa um parque natural enquanto, por outro lado, se registam atrasos na criação de uma área protegida no Douro Internacional, do lado de Espanha.
Em Portugal aguarda-se apenas pela publicação em Diário da República do regulamento, enquanto em Espanha o projecto continua em fase de idealização.
A ameaça nuclear volta assim a ser denunciada, onze anos depois da primeira tentativa espanhola para a instalação da lixeira naquela zona, o que, na altura, gerou grande revolta e levou a manifestações das populações da zona.
Em 1995, a ENRESA publicou um mapa das áreas geologicamente favoráveis para enterrar resíduos de alta radioactividade, onde constavam Aldeadavile, Hombralles e outras zonas fronteiriças.
Uma questão cuja importância se poderá sintetizar com a afirmação do autor do relatório da UE sobre gestão de resíduos nucleares, o eslovaco Prokes, "não se pode ter uma certeza absoluta num domínio onde as consequências das decisões tomadas se fazem sentir durante milhares de anos".


Alerta no Algarve

O grande desastre ecológico de Doñana, na Andaluzia, poderá vir a afectar a costa algarvia. Uma ameaça cuja eventual concretização está dependente das correntes marítimas e da orientação dos ventos.
A própria responsável regional do Ambiente, corroborando aliás a opinião dos pescadores da zona, admite que, se se levantarem ventos de levante durante um período de tempo prolongado, o Algarve poderá vir a ser afectado.
Uma possibilidade também dependente das correntes marítimas e do grau de diluição dos poluentes em Doñana, ou de uma possível contaminação por via da mobilidade das aves. Questões a que haverá que acrescentar o problema da pesca na foz do Guadalquivir, tornando possível a entrada de peixe contaminado na cadeia alimentar.
Recorde-se que no passado dia 25 de Abril, cinco milhões de litros de águas altamente contaminadas por metais pesados avançaram pelo rio Guadiamar em direcção a Doñana, a maior reserva natural e ecológica da Europa. Calcula-se que o parque demorará algumas décadas a recuperar, assim como os 5.000 hectares de terras de cultivo próximas invadidas pelos lodos contaminados.
O desastre de Doñana é considerado pelos especialistas como um dos maiores desastres ecológicos das últimas décadas em Espanha.


«Avante!» Nº 1275 - 7.Maio.98