Críticas ao Governo na homenagem a Catarina
Os devedores de promessas


Todos os anos em Maio a terra baleizoeira se torna pequena para albergar todos quantos, em memória de Catarina Eufémia e lembrando o seu assassinato pelo fascismo, renovam as suas esperanças e reforçam as suas razões e a sua luta por um Alentejo melhor. Excursões foram aí chegando ao princípio da tarde do passado domingo, antecipando-se ao Secretário-geral do PCP que se dirigiu primeiro ao cemitério, em tradicional gesto de homenagem à comunista que morreu há quarenta e quatro anos lutando pelo pão e pela liberdade.

Uma homenagem que prosseguiu no comício, prestada, como Carlos Carvalhas afirmou na intervenção de que reproduzimos os principais excertos, «não por rotina ou ritual». Nela se prestou homenagem também «aos trabalhadores agrícolas e muito especialmente às trabalhadoras agrícolas alentejanas e às mulheres alentejanas, pela sua intervenção, pela sua coragem, pela sua luta pelo pão, pelo emprego e pelo desenvolvimento económico e social desta bela região».
A preocupação pelo futuro da região estava decerto na mente de todos quantos ali participaram no comício, repleto de bandeiras vermelhas e de vontade de contribuir para uma mudança na política que há décadas vem fazendo do Alentejo uma região deprimida, onde medra o desemprego e a desertificação. Nos comentários que fomos ouvindo antes, pelos cafés, nas parcas sombras onde se abrigavam centenas de pessoas aguardando Carvalhas, o assunto era a visita de Guterres e do Governo, a demagogia das suas promessas e a indignação que estas suscitavam.
Não me obriguem a vir para a rua gritar, era a voz de Zeca Afonso, na aparelhagem sonora montada sobre o tradicional palanque junto ao Centro de Trabalho do PCP, no largo onde pontifica o busto de Catarina, como a sublinhar um estado de espírito. E, entre a muita gente presente, uma promessa para o futuro - os jovens da JCP, a maior parte dali mesmo de Baleisão, que tinham a seu cargo uma banca onde se vendiam T-shirts com os retratos de Marx e de Lénine e se misturavam na multidão que crescia.

Carvalhas chegou acompanhado de José Soeiro, membro da Comissão Política responsável pela Direcção da Organização Regional, por António Vitória, do CC e responsável pela Organização Distrital de Beja, por vários outros dirigentes do Partido e autarcas. Destes recolhemos alguns curtos depoimentos comentando a iniciativa governamental que, em opinião unânime, classificaram de manobra de propaganda.

O momento do comício foi antecedido por um espectáculo em que pudemos ouvir a voz de Luísa Basto e as vozes de um grupo coral de trabalhadores municipais de Beja, após o que subiram aos seus lugares dirigentes do Partido e foi dada a palavra ao camarada Adolfo Bexiga, da Comissão de Freguesia de Baleizão. O primeiro orador daria o tom da crítica à «distribuição de promessas» governamentais e, como manifestação de confiança no reforço do Partido e no futuro, deixou o anúncio do início, para breve, das obras do novo Centro de Trabalho do PCP. Sérgio Delgado, da JCP, com a juventude a sublinhar-lhe as palavras com aplausos, referiu-se à identidade dos ideais que animaram Catarina e animam hoje os jovens comunistas. Finalmente, antes do discurso de Carlos Carvalhas, interveio o camarada Manuel Camacho, da DORB e do Comité Central, que falou sobre a situação social e política na região.

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Carlos Carvalhas:
O Alentejo tem futuro com outra política

«Prestamos hoje, não por rotina ou ritual, homenagem a Catarina Eufémia. Com ela estamos também a prestar homenagem aos trabalhadores agrícolas e muito especialmente às trabalhadoras agrícolas alentejanas e às mulheres alentejanas, pela sua intervenção, pela sua coragem, pela sua luta pelo pão, pelo emprego e pelo desenvolvimento económico e social desta bela região.
O Alentejo não está condenado às injustiças sociais, às promessas sem realização e ao não aproveitamento dos seus recursos. O Alentejo não está condenado a alimentar com os seus filhos a força de trabalho na Área Metropolitana de Lisboa, os campos da Suiça, as terras da Europa.
Com outra política, com outra orientação, o Alentejo tal como em geral o interior do nosso país poderia estar noutra situação.

Mas alguns só se lembram do Alentejo quando se começam a aproximar os actos eleitorais, quer eles sejam referendos, europeias ou legislativas.

Esta semana, PS e PSD descobriram o Alentejo!

Foi um fartote de desvelo e de manifestação de preocupações. Marcelo Rebelo de Sousa, sabendo da deslocação do Governo, foi direito a Beja, com guia de marcha apresentar meia dúzia de medidas tiradas do baú de um qualquer manual de localização de indústrias (meia dúzia de benefícios fiscais, um Fundo e já está...).
O país ficou com respostas certeiras para combater a desertificação e o envelhecimento do seu interior! É caso para perguntar porque é que o PSD quando foi governo em vez de atenuar as diferenças regionais as agravou substancialmente, porque é que não fixou actividades para o interior, porque é que nunca cumpriu a Lei de Finanças Locais.
Por sua vez o primeiro-ministro depois de ter metido na gaveta o Plano de Emergência e o Plano Integrado de desenvolvimento, visitou pela "quinquagésima quinta vez" o Alqueva, distribuiu meia dúzia de sorrisos, fez uma sessão de diálogo, prometeu alguns milhões e aviou mais um plano de emprego lá para Outubro.

Mas o que não deixa de ser curioso e sintomático é que tanto o Secretário-geral do PS, como o Presidente do PSD, ambos católicos declarados e militantes anti-IVG, não tenham visto os hectares e hectares subaproveitados ou abandonados, ou não se tenham dado conta dos milhares de trabalhadores que querem trabalhar a terra e que não a têm, porque os sem-terra não existem só no Brasil. Ou que ainda não tenham ouvido ainda a voz da Igreja que também no Alentejo tem defendido uma Reforma Agrária para a região - o que independentemente do processo, passa sempre pela entrega de terra a quem quer trabalhar!

Marcelo e Guterres deviam saber que a Reforma Agrária não é pecado nem está proscrita nos dez mandamentos. E o problema das estruturas fundiárias, da água e da agro-indústria são questões essenciais para a agricultura alentejana e para o seu desenvolvimento. Não deixa de ser também curioso e sintomático que estes dois dirigentes se tenham esquecido das negativas consequências da PAC, que ambos apadrinharam no seu apoio à construção europeia neo-liberal. PAC que tem arruinado a agricultura do Alentejo e que tem estrangulado financeiramente muitos agricultores.

Para os Alentejanos são sempre bem vindas as preocupações governamentais quando sinceras e as medidas quando são efectivas, concretas e calendarizadas, visando juntar-se aos esforços das autarquias e dos agentes económicos, com o objectivo do desenvolvimento e da criação de emprego.

Mas olhando para o concreto o que mais sobra destas visitas é a propaganda, é a operação mediática.
Como diz o aforismo popular, com o rotativismo entre o PSD e o PS "temos tudo como dantes e o quartel general em Abrantes".
Com os governos do PSD foi o que foi. Com este governo PS, o interior do país incluindo o Alentejo continuou a perder população.
Os programas e as verbas do II Quadro Comunitário de Apoio não foram reforçados nem reprogramados.
Sobram as promessas faltam as realizações.
Não tem havido falta de promessas mas o que a realidade nos mostra é a continuação do desemprego estrutural com a mais elevada taxa de desemprego do país, é o envelhecimento e a diminuição da população, é a falta de médicos de família e as bichas para uma simples consulta, são as limitações horárias dos Centros de Saúde, são as Pirites Alentejanas sem laborar, são os baixos salários e reformas.
Não tem havido falta de promessas pela parte do PSD e do PS, mas a verdade é que o Alentejo recebe menos dinheiro do Orçamento do Estado e dos programas comunitários que o resto do País. E os oito milhões agora anunciados pelo primeiro-ministro foram arrancados pelas reivindicações, protestos e denúncias claras que temos feito, da mesma maneira que à sua escala, em Santiago de Cacém arrancou uma maternidade no mesmo dia em que estava marcada uma manifestação da população. Vale a pena lutar!

E no entanto, graças ao esforço das populações e em geral dos eleitos autárquicos o Alentejo pode orgulhar-se de ir à frente nos principais indicadores que dizem respeito às atribuições e competências do poder autárquico.

Mas, naturalmente que o desenvolvimento, a política orçamental, fiscal, monetária e financeira, agrícola e industrial é determinada pela Administração Central.
O Primeiro-ministro sabe, de viva voz, como ainda se verificou nesta última reunião que "o objectivo mais importante a definir e a implementar de imediato é a dinamização, expansão e a diversificação da base económica da região, com relevo para a criação de emprego; que sejam identificadas e implementadas estratégias sectoriais claras, na agricultura, com a criação de condições de acesso à terra, conforme o recomendado no Estudo da Base Económica para o Alentejo, encomendado pelo Governo; que se programe e orçamente as cerca de quinze barragens e perímetros de rega autónomos do Alqueva; que se apoie a criação de indústrias regionais que transformem e incorporem valor acrescentado às matérias primas aqui existentes; que se vença a estagnação do sector da olivicultura e se apoie o seu desenvolvimento; que se reavalie todo o sector das pirites e as metalurgias do cobre e estanho e se incremente com a transformação na região do sector das rochas ornamentais; que se elabore e se dê vida a um Plano integrado de desenvolvimento do Turismo do Alentejo e se apoie as actividades comerciais e industriais já existentes.

O Alentejo tem recursos e meios para fixar os seus e lhes dar um nível de vida digno. (...)

Em Dezembro o Alentejo foi vítima de terríveis temporais. O país mobilizou-se. A solidariedade popular teve uma expressão de grande significado.
Mas passados estes meses pode-se dizer que as respostas dadas e o que está feito deve-se no essencial ao esforço das autarquias locais. É altura de dizer basta de burocracia, basta de blá-blá, basta de visitas ministeriais com pompa e circunstância.
Há que levantar o que foi derrubado pelas enchurradas, há que realojar as famílias que ainda estão sem habitação e não esperar por novo Inverno. As populações estão fartas da luta de galos e de disputas pela ribalta entre o Secretário de Estado da Administração Interna e o Presidente de Ourique. (...)

Outra grave questão diz respeito às reformas de miséria. É sabido que uma das principais causas de pobreza reside nas muito baixas reformas. Pensamos que é necessário elevá-las. Pela nossa parte vamos apresentar na Assembleia da República um projecto de lei para que se verifique um aumento extraordinário de 3000$00 para as pensões mais degradadas.

Quando se deitam foguetes por termos entrado no clube do Euro não nos podemos esquecer que ocupamos o último lugar na tabela da União Europeia em relação aos salários e ao salário mínimo, em relação às reformas e às despesas do Estado com a Segurança Social. nem podemos apagar que temos o maior nível de pobreza da União Europeia e que simultaneamente ocupamos os lugares cimeiros em relação à concentração da riqueza. E tudo isto com um governo do Partido Socialista! (...)»

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Medidas anunciadas
vêm tarde e são insuficientes

Num «primeiro balanço político» da «Semana do Governo no Alentejo», a Direcção da Organização de Beja do PCP já havia considerado, em nota divulgada na passada sexta-feira, que «se tratou, no essencial, de mais uma grande operação de relações públicas destinada a compensar com propaganda a falta de investimento e a inexistência de medidas concretas para o desenvolvimento da região, há muito exigidas pelo PCP e por forças económicas e sociais». Aproveitando a presença de dirigentes do Partido e de eleitos comunistas em Baleizão, o «Avante!» solicitou alguns breves comentários.


António Vitória:

«Esta visita não vai servir para a resolução dos problemas do Alentejo», afirmou António Vitória, membro do Comité Central e responsável pela DORBeja. «Os problemas do Alentejo são bem conhecidos do Governo, mas este não mostra vontade de os resolver.» Este dirigente comunista referiu-se, classificando-a de menobra de propaganda, à inauguração da barragem do Enchoé, «desde há muito reivindicado pelos comunistas», mas que «só daqui a um ano é que vai poder vir a beneficiar as populações. Os 100 hectares anunciados para o regadio são manifestamente insuficientes - a barragem tinha capacidade para cerca de 2000. Falando ainda dos 7,8 milhões de contos anunciados para investimento, comparou-os com com as propostas avançadas pelas autarquias, que somam 25 milhões apenas para projectos autárquicos. «As propostas do Governo para o Alentejo não só são insuficientes como vêm com atraso. Em 1996, este Governo também realizou no Alentejo uma iniciativa a que chamou de "diálogo". Passados dois anos, a situação é a mesma de hoje e mais agravada - continua o desemprego e a desertificação, o envelhecimento da população, agravam-se os problemas no campo da saúde, o ensino superior e politécnico continua sem instalações...» E acrescentou: «O Governo nada disse sobre a posse e uso da terra, uma questão importante para o desenvolvimento da região; nada disse sobre o investimento do Alqueva para a transformação das culturas de sequeiro em regadio - se será para encher os bolsos de meia dúzia de proprietários ou se, como o PCP propõe, será para entregar a terra a quem a quer trabalhar, agricultores e trabalhadores agrícolas. Finalmente, o Governo nada disse sobre as Pirites Alentejanas, mantendo-as encerradas.»


Manuel Neto:

Para o Presidente da Câmara de Mértola, Manuel Neto, a visita do Governo ao Alentejo também se resumiu a mera manobra de propaganda. E aponta o exemplo flagrante da Ministra do Ambiente, que veio para inaugurar a Barragem do Enchoé. «Só daqui a largos meses é que as populações de Mértola e Serpa poderão vir a beneficiar desta barragem», disse. Quanto aos milhões anunciados: «Trata-se de um reforço insignificante que não contempla as reivindicações das autarquias e, ao mesmo tempo, é o reconhecimento do falhanço dos anteriores programas. Todas as promessas e propaganda de há dois anos falharam. E mesmo quanto a estes programas nada foi discutido com as autarquias e as outras entidades interessadas no desenvolvimento da região.»


João Oliveira:

«O que posso dizer é que vieram a Serpa inaugurar uma barragem que ainda não está pronta», comentou João Oliveira, vereador em Serpa. «Pensamos que estão a juntar o dinheiro de vários fundos e programas no sentido de o atribuir ao plano de desenvolvimento do Alentejo, criado pelo Governo sem ter em conta as propostas das autarquias. Estas não vão beneficiar em nada com estes anunciados 8 milhões de contos, nem vão ver as suas propostas contempladas, que requeriam 25 milhões de contos para o desenvolvimento. Esta promessa do Governo é apenas para fazer andar projectos seus.»


«Avante!» Nº 1277 - 21.Maio.98