Ser mais comunista

Por Domingos Lopes


Parece que voltamos a ser notícia, a propósito de uma reunião do órgão máximo do PCP. Há curiosidade acerca do PCP, do que é, e sobretudo do que vai ser.

Ao contrário do que alguns têm afirmado quanto à falta de futuro do PCP, se se mantiver comunista (entrevista de Mário Soares ao DN), entendemos, nós comunistas, sujeitos do PCP, que o futuro passa pelos comunistas serem mais comunistas e não por deixarem de ser comunistas. Entendamo-nos: ser mais comunista significa neste contexto fazer um esforço para que a nossa prática esteja mais perto do nosso ideal. É nesse sentido que o PCP deverá ser mais comunista.

Para enfrentar os detractores da política do PCP e defender que o projecto de sociedade do PCP se funda, tal como está defendido no Programa aprovado no X Congresso, no respeito pela soberania popular expressa em eleições livres e democráticas.

Para intervir mais lucidamente na luta pelo ideal socialista onde os homens e mulheres serão cidadãos livres, iguais, sem padecerem da exploração que marca o actual sistema capitalista.

Para se demarcar dos que em nome do ideal socialista e comunista, onde quer que seja, levam a cabo práticas políticas totalmente contrárias àqueles ideais, tendo consciência que, apesar da grandeza dos ideais da Revolução de Outubro, nem sempre os comunistas no poder agiram de acordo com esses ideais, tendo muitas vezes pisado aos pés esses ideais conspurcando-os e criando acrescidas dificuldades àqueles que por eles lutam.

Para compreender melhor o tempo presente e agir no sentido da transformação social política que vá de encontro a uma democracia participativa nas vertentes política, económica, social e cultural.

Para congregar, unir e mobilizar trabalhadores, cidadãos, homens, mulheres, jovens para conjuntamente pôr de pé uma nova política que ponha termo ao situacionismo de rotatividade de poder entre PS e PSD.

Para melhor convencer os portugueses que é necessário, desejável, possível e benéfico para Portugal que os comunistas reforcem as suas posições políticas, tanto a nível social como a nível eleitoral.

Para denunciar mais firmemente que uma democracia que menospreze a vontade de centenas e centenas de milhares de portugueses é uma democracia limitada. E que os projectos adiados do PS e PSD visam retirar representatividade à democracia portuguesa.

Para estar permanentemente mobilizado e disponível para encontrar meios e formas de organização que lhe permitam reforçar a sua influência social, política e eleitoral.

Para valorizar ainda mais o enorme esforço e entrega que é hoje militar contra a corrente do situacionismo num partido que proclama corajosamente que é possível mudar de política e encontrar uma alternativa de esquerda.

Para reforçar o Partido de homens e mulheres livres cuja acção política só pode ser eficaz se assentar em bases e pressupostos profundamente democráticos em que aos mais diversos níveis os militantes participam e vêm a sua participação e opinião transformar-se em orientação política tendo em conta as regras democráticas do Partido.

Por tudo isto, ser mais comunista implica uma acrescida responsabilidade cívica e política. Os comunistas e outros homens de esquerda exigem ao PCP um combate sem tréguas ao poder do dinheiro, à exclusão social, à limitação das liberdades democráticas, à luta contra o desemprego e a precaridade, à deterioração do meio ambiente, à proliferação da droga, ao culto do obscurantismo e do individualismo.

É evidente que o governo da moeda única, dos cortes nas despesas sociais, das privatizações, da falta de clareza quanto à despenalização do aborto e da criação das regiões, dos pactos com o PSD e o PP, não é um governo de esquerda, nem governa à esquerda, antes realiza uma política que conta com elogios do grande capital e dos grandes grupos económicos. Governar à esquerda não é receber os elogios das organizações patronais e a crítica e o combate das organizações sindicais.

É por isso que é necessário ser mais comunista para melhor lutar por uma alternativa, seguro que nada é eterno e é possível alcançar o objectivo por que se luta.

É ainda, por isso, que qualquer mudança no PCP deverá para ser mais comunista, para estar mais próximo do ideal comunista. Que ninguém se iluda sobre o futuro do PCP. Um PCP que não fosse comunista seria uma perda para o regime democrático, seria uma enorme perda para potenciar a capacidade dos portugueses de criarem uma sociedade mais justa e melhor e uma democracia mais avançada onde os cidadãos contam a todos os níveis e não apenas no dia de votar.

Nada é eterno a não ser própria eternidade. Tudo é relativo. Eterna é a fome de justiça e liberdade dos homens. É esse sentimento vindo do tempo passado e que se projecta para o tempo futuro que os comunistas encarnam. Por isso vale a pena ser comunista. Mais comunista. Mais próximo desse ideal humano. O Manifesto de Marx tem 150 anos. Ao lê-lo sentimos o pulsar das sociedades passadas e o caminho do futuro. Eterna é essa fome e sede dos homens de justiça e liberdade. E só o socialismo, no tempo presente, responde a essa vontade. E por ele lutam os comunistas. E vale a pena sê-lo por muito que os corifeus do situacionismo queiram "liquidar" o PCP e o seu futuro. Um Partido Comunista mais forte faz falta aos trabalhadores, ao povo português, à democracia, a Portugal.


«Avante!» Nº 1277 - 21.Maio.98