A TALHE DE FOICE

A voz dos ricos


O famoso «G-7» - «Grupo dos Sete» países capitalistas mais desenvolvidos – foi uma invenção da Guerra Fria e juntou durante décadas os EUA, o Japão, a Grã-Bretanha, a França, a República Federal da Alemanha, o Canadá e a Itália num clube restrito de pressão capitalista, a juntar a outros organismos com iguais objectivos (e integrando mais ou menos os mesmos protagonistas), como o FMI, o Banco Mundial ou a OCDE. Nesse tempo, o «G-7» reunia com um duplo propósito: o de contribuir, na sua qualidade de cimeira capitalista ao mais alto nível, para acertar agulhas na rapina dos povos e recursos mundiais, e o de articular estratégias na luta ideológica contra o campo socialista.

Com a derrocada a Leste a luta ideológica deixou de ser uma prioridade, pelo que o «G-7» se pôde entregar tranquilamente à sua actividade preferida – a de acertar agulhas na exploração concertada dos povos e dos recursos do planeta. Foi o que mais uma vez aconteceu durante três dias na cimeira de Birmingham, realizada esta semana na Grã-Bretanha, mas com uma novidade: a oficialização da entrada da Rússia como membro de pleno direito do «clube», que por isso se passou a chamar «G-8».

Por coincidência, um dos pontos da agenda do encontro foi «a luta contra o crime organizado e o desemprego». Como a Rússia dos Ieltsins, desfraldada sobre os escombros da União Soviética, se transformou, em meia dúzia de anos, no maior palco mundial do crime organizado e do desemprego, está explicada a sua admissão neste «clube dos ricos»: entrou como «especialista» na miséria.

Quanto à fantástica qualidade de «país rico» do novel membro do clube, a coisa também se arranja com umas adaptaçõezinhas: apesar de ter mergulhado o seu povo na mais vertiginosa miséria de que há memória no pós-guerra, a Rússia dos Gorbatchoves, Ieltsins e derivados tornou-se, sem dúvida, um país de muitos «ricos», sem perder uma coisa fundamental para os seus parceiros do «G-8»: recursos naturais incomensuráveis e mão-de-obra absurdamente numerosa, barata e qualificada, para todos explorarem à vontade...

Curioso, entretanto, é o comunicado final apresentado pelos agora «oito mais ricos» do planeta no final da reunião de Birmingham. Entende o «G-8» que os dirigentes dos países asiáticos afectados pela actual crise devem tomar «medidas sociais» nos seus países, explicando que «a reforma económica e financeira deve ser acompanhada de acções e medidas da parte dos países envolvidos tendo em vista proteger os mais pobres e mais vulneráveis dos efeitos da crise».

Pois claro. Agora que estalou na boca a castanha da exploração desenfreada dos povos asiáticos levada a cabo nos últimos anos pela malta do «G-7» (perdão! «G-8») em conluio com os regimes corruptos desses países, os responsáveis locais que se desembrulhem e não pensem que os ricos, que deles se têm aproveitado como autênticos «homens de mão», estão dispostos a abrir os cordões à bolsa (aliás cheia com a exploração desses e doutros países), nem sequer para os safar neste aperto e manter, assim, a «teta» a correr.

Citando António Botto, o mais que lhes dão é conselhos...

Todavia, registe-se um pormenor: o conselho que dão é o de «proteger os mais pobres», na presunção de, assim, retirar alguma vapor ao panelão de revolta que fervilha na região. Reformas sérias, que aliviem as monstruosas desigualdades e injustiças sociais, eis o que jamais passará pela cabeça do capitalismo, quer na expressão imperial que dá conselhos, quer nas suseranias bárbaras que os mendigam e aceitam.

É por isso que o tal germe da sua própria destruição continua lá bem dentro de si mesmo...

E essa é que é essa. Henrique Custódio


«Avante!» Nº 1277 - 21.Maio.98