Jugoslávia/Kosovo
MÃOS FORA !


Logo após o desmoronamento da URSS e outros regimes socialistas do Leste Europeu, um processo de "normalização" capitalista dependente desses países tem seguido o seu curso, com variações, visando colocá-los numa situação que chamaríamos de neo-semi-vassalagem. Sobre os recalcitrantes, que não aceitam a perda (não formal mas) real da sua soberania, as pressões são mais que muitas. Se necessário vai-se para a aberta ingerência de todo o tipo, num esforço porfiado para os fazer "entrar na linha".

Assim a antiga Jugoslávia foi destruída . Espezinhando o direito nacional e internacional, forçou-se a secessão da Eslovénia e da Croácia primeiro, significativamente as mais ricas repúblicas, processo em que a Alemanha, ex-potência dominante da região, teve papel destacado. Seguiu-se, contra o que os mais avisados estadistas preveniam, o sangrento processo da Bósnia, essa manta de retalhos étnica que todavia, convivera até então sem dificuldade de maior. Dos horrores da Bósnia, descontando os exageros e retendo as reais tragédias, muito já foi dito. Importa é sublinhar a sucessão de crimes de ingerência estrangeira e diktats militares, incluindo a primeira grande operação externa da NATO, e as duras sanções unilaterais que atingiram gravemente todo o povo sérvio, convenientemente demonizado. Para se desembocar na injusta e ainda não pacífica paz de Dayton , com que os EUA firmaram posição nessa importante região geoestratégica dos Balcãs (mais a sua presença na Albânia, na Macedónia, etc.).Mas a Jugoslávia sobrante ainda se mostrava e mostra recalcitrante às imperiais potências que também a querem reduzir à neo-semi-vassalagem . Vá pois de interferir no Montenegro e fazer deflagrar a "bomba" de reserva do Kosovo. E sempre aos gritos contra o nacionalismo da Grande Sérvia, enquanto se calam os da Grande Croácia ou da Grande Albânia, e o fundamentalismo integrista bósnio - muçulmano de Izetbegovic. Nisto do acirrar dos "nacionalismos" nos Balcãs, estamos a ver em reprise o acirrar dos "tribalismos" pelo colonialismo em África. Costas largas para ocultar os reais interesses em jogo e dividir para reinar ...

Não temos que analisar aqui erros e desvios de Milosevic e sérvios, ou quaisquer outros, que todos cometeram. Porque o que de fundamental está em causa não são erros e desvios de políticos ou povos da Jugoslávia , mas sim deliberadas e reiteradas provocações e ingerências externas em questões internas dum Estado soberano, cuja integridade territorial todos publicamente afirmam, mesmo quando subversivamente actuam para a fazer implodir. Uma vez mais agora no Kosovo. Esta sanha contra a Jugoslávia revela bem a sua raíz imperialista. Só é de estranhar a miopia de alguns. Uma dúzia de vezes, altos dirigentes sérvios e jugoslavos esperaram em Pristina que dirigentes locais "kosovares" se sentassem à mesa para negociar. Em vão. Com que direito e justiça entidades estrangeiras infligem "sanções" à Jugoslávia, a pretexto de forçá-la a negociações com os "kosovares"? Para mais quando são estes que, com as costas quentes e mal disfarçados incitamentos , recusam as negociações enquanto intensificam o terrorismo e mesmo agressões a partir da Albânia! Falar de hipocrisia e duplicidade, é bem pouco neste caso. A estratégia de "internacionalização" da questão do Kosovo por parte dos EUA esconde mal, sob a capa do "bombeiro" humanitário, o plano de submissão total desta estratégica região à NATO e ao imperialismo norte-americano. Cegos são os estadistas europeus que se prestam a ser acólitos do Tio Sam, que também a eles se pretende impôr.

Mas os povos, estranhos aos interesses imperialistas em causa, esses não podem ser cegos nem míopes. E por isso, agora que finalmente Rugova foi a Belgrado encontrar-se com Milosevic e parece ter-se aberto caminho para se iniciarem negociações em Pristina para a solução pacífica da questão do Kosovo, no quadro da soberania da Jugoslávia - apenas temos que desejar vivamente paciência, determinação, bom senso e honestidade às duas partes, únicos protagonistas legítimos. E simultaneamente reclamar com vigor, a todos os que se arrogam de mandões em terra alheia, mãos fora da Jugoslávia e do Kosovo! — Carlos Aboim Inglez


«Avante!» Nº 1277 - 21.Maio.98