Indonésia
Suharto
sai, o regime permanece
A mudança na continuidade registada na Indonésia, após a demissão de Suharto na passada quinta-feira, parece agradar à classe política do país, mas está longe de corresponder às aspirações nacionais a que os estudantes têm dado voz. «Não a Habibie» e «Julgamento de Suharto» foram as palavras de ordem mais ouvidas na manifestação estudantil de sexta-feira junto ao Parlamento indonésio.
Os universitários
continuam a exigir «uma reforma total, porque esse é o desejo
do povo indonésio», enquanto o «novo» governo vai fazendo
promessas vagas que reforçam a ideia de que está em curso uma
operação de cosmética cujo objectivo é mudar o mínimo
necessário para manter intacta a estrutura político-económica
do regime de Suharto.
O governo do novo presidente da Indonésia, Jusuf Habibie,
formado por 36 membros, é a própria imagem da continuidade, já
que mantém nos postos-chave os ministros do antigo presidente,
excepção feita à filha de Suharto, Titi Hardiyanti Rukmana, e
do magnata da exportação de madeiras, Mohamed Hassan, velho
amigo da família, cujas saídas se tornaram inevitáveis por
motivos óbvios.
O mesmo se pode dizer em relação ao genro de Suharto, general
Prabowo Subianto, que apesar de afastado do comando da Reserva
Estratégica, que conta com as unidades de elite e intervenção
imediata das forças armadas (ABRI), foi colocado em Bandung, no
Leste de Java, onde passa a dirigir a Escola do Estado-Maior das
forças armadas .
Juntamente com Prabowo foi substituído no comando das Forças
Especiais o general Mucchi Purwopranjono, que comandava os
«kopasus», a unidade operacional com mais capacidade do
exército indonésio.
Quanto ao resto, o que mudou foi a linguagem, e mesmo essa de
forma mais do que moderada. Veja-se o caso do ministro da
Justiça, Muladi, que afirma agora a intenção de libertar
alguns presos políticos, mas exclui os comunistas, esses
«criminosos» que em 1965 tentaram levar a cabo um golpe de
Estado. Na sequência dessa acusação, recorda-se, Suharto
desencadeou uma vaga de repressão que provocou mais de 500.000
mortos e levou à prisão ou ao exílio de milhares de pessoas e
respectivas famílias que ainda hoje sofrem as consequências
dessas acusações; muitos foram condenados a prisão perpétua.
É lá que o «novo» governo indonésio se propõe mantê-los,
apesar da maioria se encontrar velha e doente. A libertação de
dois presos políticos, cujas penas estavam praticamente
cumpridas, dificilmente pode ser classificada como exemplo de
abertura do regime.
Mudanças?
Caricatas são
igualmente as promessas do novo ministro indonésio da
Informação, general Yunus Yosfiah, a quem são atribuídas as
mortes de cinco jornalistas em Timor-Leste. Yosfiah diz-se agora
disposto a defender a liberdade de imprensa, desde que os meios
de comunicação social pratiquem «uma informação
responsável».
E que dizer das posições do ministro para a Economia, Finanças
e Indústria, Ginandjar Kartasasmita, que garante apoiar as
exigências dos estudantes para a realização de eleições
antecipadas? Segundo Kartasasmita, que tem a responsabilidade de
levar a cabo as negociações com o Fundo Monetário
Internacional (FMI), a reforma do sistema politico é crucial
para a recuperação económica do país, a pior nas últimas
três décadas. Uma posição interessante, não fora dar-se o
caso de Ginandjar ser justamente o mesmo que já ocupava o cargo
no anterior governo de Suharto.
Neste contexto, a manifesta compreensão de Amien Rais, o
dirigente muçulmano que cada vez mais se assume como líder da
oposição, face à alegada «boa vontade» do «novo» governo
não deixa de ser intrigante. Em declarações à imprensa após
um encontro com o sucessor de Suharto, Rais disse acreditar que
Habibie compreendeu «as aspirações do povo» e está disposto
a implementar reformas, incluindo a realização de eleições
«realmente democráticas». Para isso, diz, Habibie necessita de
«pelo menos seis meses».
Curioso é que o governo não tenha tomado nenhuma decisão nesse
sentido, apesar de cinco ministros do novo executivo e o próprio
governador do Banco Central terem apelado no final da semana
passada à realização de eleições, juntando assim ao ministro
Ginandjar Kartasasmita. Mais curioso ainda se se tiver presente
que, nos termos da Constituição indonésia, o mandato de
Habibie dura até ao ano de 2003.
«Os
Estados Unidos continuarão a fazer aquilo que pensam
poder ajudar os que, na Indonésia, militam a favor da
democracia, da tolerância e do direito» - as palavras
são da secretária de Estado norte-americana, Madeleine
Albright, num discurso pronunciado há dias na
Universidade de Maryland, em College Park. Sem
especificar o papel de Washington, que nas últimas três
décadas sempre manteve estreitas relações com a
ditadura de Suharto, a chefe da diplomacia
norte-americana deixou claro que, neste caso concreto, os
EUA consideram que o futuro dos indonésios deve ser
determinado por eles próprios. |
PCP
solidário
A propósito
da situação na Indonésia,
o Gabinete de Imprensa do PCP divulgou a seguinte nota
- Suharto, o ditador que chegou ao poder em 1965 na sequência de um golpe militar que assassinou largas centenas de milhares de comunistas e outros democratas e patriotas indonésios, foi obrigado a deixar o poder na sequência de grandiosas lutas populares e estudantis que abalaram a ditadura. Para este fim contribuiu sem dúvida a heróica luta do povo maubere em Timor Leste.
- A estrutura do poder da ditadura foi abalada mas mantém-se. A saída de Suharto e a chamada para o cargo de Presidente do vice-presidente Habib significa, por um lado, a incapacidade do regime em se manter sem alterações e, por outro, uma nova tentativa de prolongar a ditadura com novas roupagens. Trata-se ainda de uma derrota da política neoliberal que à escala planetária visa impor aos trabalhadores e aos povos um insuportável fardo com o qual engorda algumas centenas de transnacionais que governam o mundo através do FMI e BM.
- O PCP reclama o fim da repressão sobre o povo indonésio, e a libertação de todos os presos políticos - incluindo em Timor Leste, Xanana Gusmão e todos os resistentes timorenses - o reconhecimento das liberdades democráticas e a consequente instauração de um regime democrático onde o povo indonésio decida livremente o seu futuro.
- Neste momento histórico, de derrota do ditador Suharto, que causou a dor e a miséria do povo indonésio e o sofrimento do povo timorense, não pode esquecer-se que a ditadura se manteve durante 33 anos, graças ao apoio a todos os níveis dos EUA e outras grandes potências capitalistas.
Denunciando tal apoio o PCP considera que a escandalosa cooperação militar e as vergonhosas negociatas com armamentos devem imediatamente cessar.
- O PCP apela ao povo português para intensificar a sua solidariedade para com a luta do povo indonésio pela conquistas da democracia, e para com o povo timorense na luta pela sua libertação.
- O PCP considera que, nas novas circunstâncias criadas na Indonésia, se torna ainda mais premente que os órgãos de soberania de Portugal se empenhem num impulso diplomático e político no sentido de dar maior visibilidade e alcançar maior apoio para a justa causa do povo maubere.
Em articulação com a Resistência Timorense o Governo Português deve adoptar novas e urgentes iniciativas, nomeadamente junto da ONU e do seu Conselho de Segurança (de que Portugal é actualmente membro) e da União Europeia, com vista a assegurar o exercício efectivo pelo povo timorense do seu direito à autodeterminação e independência.
Como sempre o PCP está disponível para considerar iniciativas que visem este objectivo consagrado constitucionalmente.