Referendo sobre a despenalização da IVG
O PCP pelo SIM

Por Fernanda Mateus
Membro da Comissão Política


No próximo dia 28 de Junho, os(as) portugueses(as) serão chamados(as) a expressar a sua posição face à seguinte pergunta: Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada por opção opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?
É o Sim ou Não a esta pergunta que está no centro do debate a realizar nesta Campanha do Referendo e sobre a qual os portugueses serão chamados a pronunciar-se.

É uma campanha que impõem uma importante intervenção de debate e esclarecimento baseada em argumentos sólidos e que deverá decorrer de forma séria e serena envolvendo o conjunto dos eleitores: mulheres e homens, adultos, jovens e reformados.
É com este objectivo que o PCP irá intervir com a sua campanha própria e autónoma, pelo Sim à despenalização, apesar de ter estado contra a realização deste referendo, por considerar que a Assembleia da República tem legitimidade para finalizar o processo legislativo que foi desencadeado pelo PS e que levou à aprovação, a 4 de Fevereiro de uma lei de despenalização da IVG em prazos e circunstâncias bem definidos.
Ao mesmo tempo, militantes do PCP integram com outros cidadãos os três grupos de cidadãos que se constituíram para intervir a favor do Sim convergindo no Movimento Sim, Pela Tolerância. É um movimento, que congregando cidadãos e cidadãs, independentes e com posicionamentos político-partidários diferenciados deverá basear-se na leal cooperação e cuja pluralidade deve ser potenciada como factor de enriquecimento do movimento de opinião pelo SIM na sociedade portuguesa.
A intervenção própria do PCP, assumindo com coerência as suas responsabilidades, com uma posição clara neste referendo, não é concorrente com a intervenção própria de outros cidadãos, em movimentos de expressão unitária pelo Sim.
Os Partidos, como os movimentos de participação dos cidadãos desempenham papeis importantes e complementares, que não devem ser minimizados.


Como se comportam
os promotores deste referendo?

Como sabemos o PS e o PSD entenderam-se para a realização deste referendo e no espaço de dois meses ele foi decidido e convocado. Como se comportam, entretanto, os promotores deste referendo?
O Partido Socialista, autor do projecto de despenalização do aborto aprovado na Assembleia da República a 4 de Fevereiro, e responsável pela realização deste referendo não tem posição oficial sobre o mesmo.
O facto de militantes e dirigentes seus participarem, nalguns casos empenhadamente no Movimento Sim pela Tolerância não poder levar à minimização da responsabilidade do PS, quando abdica de assumir uma posição a favor da despenalização do aborto nos termos da pergunta deste referendo.
O PSD por seu turno, como era de esperar assume uma posição oficial pelo Não.
Entretanto, os promotores deste referendo não contemplaram na sua Lei Orgânica a possibilidade dos mandatários dos diversos grupos de eleitores que se constituíram com o objectivo de intervir na campanha, poderem obter licença nos seus locais de trabalho que lhes permita participar a tempo inteiro no período oficial de campanha. De igual modo inviabilizaram a possibilidade da Assembleia da República encerrar os seus trabalhos no período da campanha do referendo, como acontece nos actos eleitorais.


Movimentos pelo não:
a estratégia do choque da mistificação

O PCP respeita e defende as convicções religiosas ou ideológicas sobre o aborto e considera que elas não estão em causa, nem estarão em "julgamento" neste referendo. Consideramos que campanha em curso não deverá transformar-se em palco de mistificações ou de argumentações "fundamentalistas". Quem o fizer assume as consequências das sequelas que podem abrir-se na sociedade portuguesa.
Em causa não está o direito que todos deveremos ter, para exprimir as posições sobre a matéria sujeita a referendo. Mas, merece reparo as formas de acção e de argumentação que estão ser utilizadas pelos dinamizadores da Campanha pelo Não à despenalização.
À medida que se aproxima a data da realização do referendo torna-se evidente que, algumas forças conservadoras pretendem dilacerar a sociedade portuguesa numa dicotomia absolutamente falsa: ser a favor ou contra o aborto, utilizando a estratégia do "choque", da crueldade de argumentos e de imagens visando criar um clima de dramatização e culpabilização, baseada na mistificação, visando impor as suas opiniões.
A distribuição massiva de uma espécie de "mascote" que, segundo os seus promotores, pretende reproduzir um feto de 10 semanas é de muito mau gosto e não abona sequer na seriedade das suas intenções.
Segundo notícias que vieram a público, na opinião de alguns especialistas, o boneco apresentado corresponde a feto comis tempo de gestção do que as 10 semanas. Não se está perante, nada de novo. Na nossa memória ainda está presente a polémica a propósito da intenção do "Juntos Pela Vida" de publicitarem em jornais, a quando do debate na Assembleia da República de uma imagem de um feto que correspondia no seu grau de desenvolvimento a 18 semanas e não a 12 como os seus promotores afirmavam.
Ao contrário do que afirmam ser o seu objectivo " trazer cá para fora tudo o que se passa dentro da mulher...", esquecem deliberadamente o que se passa dentro das mulheres: desde logo, as razões pessoais e sempre penosas que levam algumas a decidir interromper uma gravidez. Partem do principio, que as mulheres que recorrem ao aborto, o fazem por leviandade, ou por incapacidade de saberem o que está em causa. Recusam o direito que a cada cidadão e cidadã, deve caber de decidir sobre questões pessoais, que só cada um, cada uma é capaz de avaliar. Fecham os olhos à realidade e evidenciam uma enorme falta de sensibilidade para com as consequências do aborto clandestino: as suas sequelas no corpo da mulher, e muitas vezes a morte: complicações que motivam intervenções cirúrgicas por perfuração do útero, infecções ou hemorragias graves. Sequelas que podem marcar, irremediavelmente o futuro reprodutivo de muitas.
As linhas de argumentação que estão a ser utilizadas nesta campanha pelos que estão pelo Não à despenalização persistem em culpabilizar as mulheres que por razões socio-económicas têm de recorrer ao aborto, ajuizando das razões pessoais e íntimas com uma arrogância e intolerância desmedida. Teimam em culpabilizar as mulheres, como se não fosse já suficiente a insegurança e culpabilização decorrente do aborto ilegal e inseguro a que as mulheres se sujeitas por razões socio-económicas. Objectivamente acusam-nas de criminosas.
Afinal que alternativas deixam às mulheres, quando omitem deliberadamente que o planeamento familiar não é cem por cento seguro? Que os métodos que alguns propõem são 100% inseguros(métodos naturais e coito interrompido?
É inquestionável a importância do planeamento familiar e é positivo que hoje as forças que estão contra o aborto, defendam pelo menos o planeamento familiar. Esperamos que constitua um avanço. Mas não é aceitável, nem corresponde à verdade histórica, que se assumam agora como protagonista do planeamento familiar como meio de reduzir o número de abortos quando muitos assumiram na década de 80 uma posição frontalmente contra a iniciativas legislativas neste domínio.
Registe-se que o recente relatório do Parlamento Europeu declarava "a melhoria nos programas de planeamento familiar reduziu o número de gravidezes, mas não as eliminou totalmente. As razões que levam à procura do aborto incluem-se: a ineficácia do método anticoncepcional, a família ter a dimensão desejada circunstâncias socio-económicas. É muito raro haver complicações nos abortos realizados em boas condições médicas."
Sucedem-se inúmeras Conferências Internacionais como a Conferência Mundial dos Direitos Humanos (Viena, 1993), a Conferência Internacional sobre a população e desenvolvimento (Cairo, 1994), a Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Social (Copenhaga, 1995) e a Conferência Mundial sobre a Mulher (Beijing, 1995) que assumem o compromisso de encarar as questões da sexualidade e da família e o aborto seguro como questões sociais e de saúde.

É uma conquista do nosso tempo o direito a uma maternidade-paternidade como um acto livre e responsável e não encarado como um acidente ou uma fatalidade, implicando como primeira condição o acesso a consultas de planeamento familiar em todos os centros de saúde do País e em último recurso a possibilidade de interromper uma gravidez, caso a mulher o decida.


Esclarecer
desmistificar
combater a intolerância

O PCP que inquestionavelmente está pelo Sim neste referendo não pretende ajuizar das opiniões pessoais de cada um em matéria de planeamento familiar nem sobre o aborto.
É essencial uma aposta clara no esclarecimento, na desmistificação, no combate à intolerância.
A posição que defendemos de aprovação de uma lei que despenalize o aborto, a pedido da mulher, até às 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado não levará a que ninguém se violente nas suas convicções pessoais, já que a aprovação desta lei não obrigará ninguém a abortar.
O Não neste referendo tem como consequência o acordo com a manutenção das penas de prisão que hoje a lei prevê, com a continuação do aborto cladenstino e com o negócio que alimenta.
Pelo Contrário, o Sim neste referendo respeita as convicções pessoais de cada um (a) criando novas e melhores condições para que uma mulher que tenha que recorrer ao aborto, e como último recurso, o possa fazer em condições de segurança e acompanhamento médico.

É disto que se trata a 28 de Junho.


«Avante!» Nº 1278 - 28.Maio.98