TRIBUNA

O Alentejo
a mediatização da política
e as respostas necessárias

Por Lino de Carvalho


António Guterres foi ao Alentejo. E como os fariseus da bíblica histórica tocou bem alto as trombetas para anunciar que "o Alentejo precisa de ajuda". Aliás, todas as formulações usadas pelo Primeiro Ministro mais parecem inscrever-se numa gigantesca operação de caridade (e, obviamente, de propaganda) com a região.

O pároco de Alcácer do Sal terá dito que o povo alentejano "é um povo resignado, virado para a terra e para o céu". António Guterres terá completado o espírito de caridade e resignação com a afirmação de que "é imperiosa a solidariedade nacional com o Alentejo".
Nem o povo alentejano é resignado (como a História já o provou) nem o Alentejo necessita de "solidariedade" dos mais ricos. O que todo o País necessita e reclama é uma política de desenvolvimento equilibrado, de ordenamento territorial e de coesão nacional. O que o interior do país - e, portanto, também o Alentejo - exigem é uma política que termine com a crescente litoralização dos investimentos e de afectação de recursos públicos.
O que o Alentejo necessita é de políticas estruturantes que rompam com os principais factores de bloqueamento ao desenvolvimento da região.
Desde logo orientados para a terra e para a água e tendo em vista a criação de uma política agro-industrial. Continua hoje a ser verdade que a enorme concentração fundiária da região assente numa economia agrícola extensiva e predominantemente de sequeiro não cria emprego, não cria riqueza, não dinamiza a estrutura económica regional. A área regada que Alqueva vai permitir tem que ser integrada com a recuperação dos perímetros de rega existentes na região e com a finalização da rede de pequenas e médias barragens, num sistema articulado.
E tudo isto tem de assentar num novo ordenamento cultural, num novo sistema de concentração e escoamento da produção, numa preparação da população activa agrícola para as exigências de um novo sistema agro-comercial.
Mas se tudo isto não for acompanhado de uma modificação radical da estrutura fundiária, numa alteração das condições de acesso à terra que permita a entrada como agentes dinâmicos de uma nova geração de jovens agricultores, pequenos agricultores e assalariados sem terra, então as potencialidades abertas por um novo sistema agrícola misto - sequeiro extensivo/regadio - perder-se-ão; as mais valias resultantes dos volumosos investimentos públicos serão embolsados no essencial pela classe dos grandes proprietários em resultado da valorização fundiária das suas terras; o assalariamento e empobrecimento manter-se-ão e agravar-se-ão; a perda da população continuará. A esta questão nuclear e estratégica para o futuro da região António Guterres e o Governo disseram nada.
Em contrapartida o Primeiro-Ministro exibiu sorrisos, um discurso envolvente e simpático e anunciou os mesmos milhões permanentemente repetidos, agora com uma nova roupagem visual e denominado ProAlentejo.
Mas mesmo neste terreno do pontual e do disperso é preciso sublinhar a distância que vai entre as promessas e as necessidades. Na oposição o PS criticava o baixo volume de verbas afectas ao Alentejo, pelo Governo do PSD, no II Quadro Comunitário de Apoio (cerca de 500 milhões de contos); agora exibe-os diariamente.
Antes de ser Governo o PS criticava a ausência de um Plano Integrado de Desenvolvimento para o Alentejo. Agora pegou em todos os programas dispersos e sem qualquer lógica integrada previstos no II QCA e envolve-os numa capa a que chamou ProAlentejo. A partir deste cenário clama que já existe um Programa Integrado de Desenvolvimento.
Os municípios têm projectos pendentes para aprovação no âmbito do Programa Operacional do Alentejo que rondam os 20 milhões de contos e para os quais, face à exiguidade de verbas disponibilizadas no II QCA, não há cobertura orçamental. O Primeiro Ministro anuncia que, quanto muito, pode disponibilizar 8 milhões de contos.
A política de saúde para a região exige que se rompa com critérios economicistas e neo-malthusianos que levam ao encerramento de extensões de saúde, à diminuição de horários de centros de saúde e dos respectivos serviços de urgência, à falta de meios humanos. Vendas Novas, Mértola, Odemira são alguns dos exemplos vivos. A esta questão essencial para a população alentejana a Ministra da Saúde responde com sorrisos.
O aparelho da administração central na região e a própria comunicação social (com relevo para a RTP-Regiões) está, mais do que nunca esteve, enxameada por quadros políticos do PS e ao serviço das operações mediáticas do Governo.
São só alguns exemplos. Muitos mais poderiam ser dados.
Estas - e outras - são as grandes e pequenas questões para as quais não encontrei respostas nesta campanha eleitoral antecipada. Não se desvaloriza a resposta a tal ou tal questão concreta em determinado município. Contudo a árvore não pode esconder a floresta.
A verdade é que o charme (não discreto) desta operação (a somar à de 1996) é o resultado de um investimento estratégico do PS e de António Guterres com vários objectivos: por um lado fazer passar a mensagem ao País, nas vésperas da abertura da Expo98 e quando crescem os sinais de crescente litoralização dos investimentos (sobretudo nas grandes áreas metropolitanas), que o Governo também se preocupa com o interior. Por outro lado, nesse interior, o Alentejo foi o eleito porque tal permite transmitir uma certa imagem de esquerda (face à associação subliminar entre a região e as opções comunistas e de esquerda) e capitalizar simpatias com vista a inverter a relação de forças políticas na região tendo em conta (mas não só) as várias eleições que se aproximam.

Não estou certo que todos tenhamos compreendido o alcance estratégico desta operação. E temo que a ilusão faça caminho.

A verdade é que a arte de governar do PS assenta muito - sem prejuízo de respostas pontuais positivas - na arte da propaganda que enquanto não é desmontada pela própria realidade vai fazendo o seu caminho.


Que respostas?

É preciso, por isso, encontrar antídotos e respostas.

Em primeiro lugar afirmando claramente (e com demonstração concreta) a distância que vai entre as operações mediáticas e a realidade das soluções. Neste terreno, e no que toca ao Alentejo, compete ao PCP preparar ele próprio, no momento adequado e com eficácia o balanço desta semana do Governo.

Em segundo lugar compete ao poder local na região despojar-se e libertar-se da carga institucional rotineira, administrativa e burocrática que muitas vezes tolhe os movimentos dos eleitos e rumar direito às populações, valorizando a obra feita, dando resposta a problemas existentes dependentes da intervenção do poder local, criando um novo entrosamento entre eleitos e população (sem prejuízo das adequadas relações institucionais com a administração central).


A hiper valorização mediática

Em terceiro lugar temos de saber articular o conteúdo de que dizemos e propomos com a forma como transmitimos.

Eu discordo de quem hiper-valoriza a prestação mediática. A procura incessante de protagonismo e de um certo cosmopolitismo institucional conduz a óbvias distorsões nas atitudes e comportamentos políticos, individuais e colectivos.
E conduz, em muitos casos, à procura, qual candeia acesa, de um novo discurso e de temas da moda (mediaticamente consumíveis) perdendo de vista o discurso directo (e as propostas concretas), a vontade determinada, dirigida aos problemas de sempre (e aos problemas novos) das classes, dos grupos sociais, dos territórios, que constituindo a maioria da sociedade, são a razão de ser da identidade comunista e o seu valor acrescentado, a diferença, para a definição de uma política de transformação social e não social-democratizante, para uma política de esquerda. Os aparelhos ideológicos do pensamento dominante (e, em particular os aparelhos da comunicação social), em relação ao PCP, sabem exactamente o que estão a fazer e qual é a sua função: criar a ilusão de um pluralismo promovendo o "fait-divers", o inócuo, alimentar narcisismos e sedes de imagem pública e simultaneamente contrapôr a "modernidade" de uns à "ortodoxia" e "cinzentismo" de outros, explorando diferenças, ocultando ou desvalorizando o que se relaciona com questões ideológicas fundamentais ou com as propostas comunistas para áreas fundamentais da sociedade.
A este propósito nada há de mais elucidativo do que o editorial do Expresso de 1 de Maio de 1998 apelando ao PCP para que mude o discurso, o estilo, os símbolos, as causas e os nomes e, simultaneamente acusando-nos de quase não falarmos de temas como a droga, o primeiro emprego dos jovens ou a defesa dos consumidores que o próprio Expresso (e outros órgãos) silenciam sempre que o PCP os aborda. O recente e importante colóquio sobre a droga e o branqueamento de capitais ou a questão da fraude do novo seguro automóvel e da Lei Sócrates (que o PCP foi o único que abordou) são só dos dois mais recentes e vivos exemplos.


Mais agilidade nas respostas

Mas, dito isto, é preciso também dizer que, neste terreno, e sem cedências nos conteúdos, é necessária mais agilidade, mais eficácia e mais sentido de oportunidade na transmissão do que se propõe e do que se diz.

É necessário que as orientações da reunião do Comité Central de Fevereiro de 1991 se traduzam, antes de mais, numa "confiante intervenção política e de massas junto dos trabalhadores e das populações".
É necessário que por motivo de legítimos e sérios cuidados de credibilização e aperfeiçoamento das nossas propostas não fiquemos tolhidos ou paralisados na apresentação de soluções socialmente justas, necessárias e populares e que têm sustentação teórica numa outra concepção da afectação global dos recursos da sociedade e da mais-valia produzida pelos trabalhadores, numa outra repartição do rendimento nacional. É, aliás, neste quadro que seguramente concebemos a participação do PCP num projecto de esquerda e de poder.
Todo este combate exige clareza, determinação e o concurso de todas as gerações do PCP com as suas diferentes experiências, sensibilidades e contributos. Não há comunistas dispensáveis no complexo caminho que temos pela frente nem o caminho é só delimitado por Cila e Caribdis.


«Avante!» Nº 1278 - 28.Maio.98