Comunistas da TAP não desistem
Parar a privatização em pleno vôo

Por Domingos Mealha


Definido em Março pelo Governo o quadro em que seria feita a venda a privados da transportadora aérea nacional, as negociações com a Swissair e o Grupo Espírito Santo vão avançando, por entre a falta de informação pública que caracteriza este processo.

O PCP persiste em combater esta evolução, denuncia as suas graves consequências e aponta alternativas para um são desenvolvimento da TAP - posições que são tratadas nestas páginas, numa entrevista com camaradas do sector de transportes da Organização Regional de Lisboa do Partido: Luísa Ramos, que faz parte do executivo do sector, é também dirigente do SITAVA e trabalha na TAP há 28 anos, como técnica de tráfego; Alberto Lemos, do secretariado, é empregado de escritório e tem 29 anos de TAP; Manuel Candeias, do organismo de direcção do sector de transportes, faz parte da Comissão de Trabalhadores da TAP, é técnico de manutenção de aeronaves e está há 30 anos na empresa.


«Avante!»:
Em torno da abertura da Expo'98 houve quem se mostrasse preocupado com possíveis conflitos laborais que afectassem o evento. Acham que vai haver greves na TAP até ao fim de Setembro?

Luísa Ramos:
— Nunca a luta dos trabalhadores e as greves na TAP foram determinadas em função de acontecimentos nacionais. Se os trabalhadores tiverem que defender postos de trabalho ou direitos, tendo em conta até o cenário da privatização, recorrerão à luta, independentemente da Expo'98. Mas não vão desencadear processos de luta só porque está a decorrer a Expo.

Manuel Candeias:
— Os sindicatos estão atentos, nomeadamente o SITAVA, que é maioritário e tem tomado posições correctíssimas ao definir formas de luta, sem aventureirismos. Os trabalhadores da TAP já deram provas de que sabem recorrer à luta nos momentos mais adequados e com resultados, ao ponto de ainda não terem permitido que se concretizassem os vários projectos que previam o desmantelamento e fragmentação da empresa. Também nesta fase, que no tempo coincide com a realização da Expo, saberão dar uma resposta no momento que considerem oportuno e através da normal actividade democrática dos sindicatos.


A instabilidade laboral na TAP não é, portanto, encarada como um problema em si?

MC:
Há muito tempo que dizemos que uma empresa não pode singrar se não houver harmonia e estabilidade nas relações laborais. Mas a estabilidade laboral não se cria à cacetada, exige diálogo com os trabalhadores e a satisfação de algumas reivindicações que, em muitos casos, nem sequer têm sido de carácter pecuniário, mas de organização. As pessoas sentiam o seu trabalho ser desfeito pela desorganização da empresa.

LR:
O que provoca a instabilidade na TAP são medidas concretas da administração ou do Governo. E é toda uma campanha que aproveita qualquer facto negativo da vida da empresa, por muito normal que seja e muito semelhante a outros sectores, para denegrir a imagem da TAP e criar condições de bom acolhimento aos arautos da «boa gestão privada».


Até que ponto a privatização da TAP é uma exigência da UE ou da liberalização do transporte aéreo?

Alberto Lemos:
Tal como noutras empresas, a opção de privatizar a TAP não resulta de exigências da União Europeia. Tem a ver, isso sim, com a necessidade do Governo de arranjar fundos para cumprir os critérios de convergência nominal.
Não somos contrários à privatização tout court, mas entendemos que uma empresa estratégica como esta deve manter-se no sector público. Empresas como esta podem servir de alavancas para a economia do País.

MC:
A privatização não é um objectivo novo, só não foi ainda concretizada porque não houve condições para isso. Privatizar a TAP não é o mesmo que vender uma cimenteira ou uma cervejeira. E mesmo ao nível do poder foi notória a conveniência de ter à mão uma empresa como a TAP como instrumento de uma política, e que serviu, por exemplo, para obter empréstimos no estrangeiro.
Há agora uma conjuntura diferente, com novas regras. Mas a TAP tem que continuar a prestar o serviço que lhe compete - e este mercado da TAP é motivo de interesse por parte de outras empresas que, só por si, não entram facilmente em África ou nas comunidades emigrantes.


É um facto que se vive uma crise no sector?

LR:
O transporte aéreo está em crise devido à desregulamentação e à liberalização total e completa (desde Abril do ano passado), importada dos EUA e que começou em 1990-91.
Contrariámos esta política, que tinha por objectivo manter duas ou três grandes companhias europeias, passando as restantes a meras companhias regionais. E defendemos que os estados-membros deviam preservar as suas companhias aéreas nacionais. Também neste caso os governos portugueses - do PSD, antes, como agora do PS - foram uns «bons alunos» e não fizeram muita coisa para evitar que a TAP fosse apanhada na onda desregulamentadora.
Mas nem antes, nem agora, a Comunidade impõe que as empresas sejam privatizadas.


E as alianças estratégicas?

LR:
Estamos de acordo com a necessidade de criar parcerias com outras empresas, para a complementaridade dos mercados e rotas, para melhor satisfazer os passageiros. A TAP pode fazer alianças com a Swissair ou outros grupos, sem que eles entrem para o seu capital social. As alianças estratégicas podem servir para manter e alargar o mercado da TAP, para manter e alargar os postos de trabalho, para manter e reforçar a TAP como empresa de bandeira nacional. Mas isto é contraditório com a privatização.
Um grupo ou uma companhia que tome posições na TAP há-de querer retirar-lhe o que tem de bom, como sejam as linhas onde outras companhias não voam. Nesse caso, corre-se o risco de a TAP diminuir a sua identidade e a sua dimensão.


Passados anos e anos de resistência, ainda há força e unidade que permitam aos trabalhadores da TAP reagir, em caso de necessidade?

MC:
Mesmo antes do 25 de Abril, os trabalhadores da TAP sempre souberam encontrar formas de unidade e acção para enfrentarem os problemas, por vezes de formas quase espontâneas.
Hoje em dia, como noutras empresas, também há uma menor participação nos plenários, e devemos continuar a discutir esta questão. Mas, quando os temas são atractivos ou a situação é mais grave, os trabalhadores participam mais.
Nas eleições para os sindicatos mantém-se uma boa percentagem de votantes, apesar de haver uma grande fragmentação e termos sindicatos com muito poucos sócios. Tivemos recentemente um exemplo concreto de boa participação, nas eleições para a CT. A lista que integrava comunistas - e apesar de todas as campanhas de partidarização em que terá sido o PCP o único partido a não se envolver - acabou por conquistar a maioria absoluta dos mandatos.
Os trabalhadores souberam distinguir as posições tomadas pelos comunistas e pelos mais destacados membros de outros partidos na empresa. Enquanto estes alinham sistematicamente e até de forma cega na defesa das posições do Governo e da administração, só porque são da sua cor partidária, os comunistas e as listas onde estão integrados não têm problemas em aplaudir medidas correctas, mas têm sempre a coragem e a frontalidade para denunciar e combater o que está mal.

LR:
Estejamos nós onde estivermos - nos órgãos de soberania ou nos organismos representativos dos trabalhadores - só temos um compromisso: resolver os problemas das pessoas, defender os interesses dos trabalhadores e do povo. Não temos outras ambições e não queremos o poder para nos servirmos dele.
Para defender interesses partidários ou de outro tipo, que não os interesses dos trabalhadores, não contam connosco. Por isso surgem contradições, quando nos órgãos representativos as pessoas dos partidos que têm estado no poder se mostram atentos não à defesa dos trabalhadores, mas a defender e a fazer aplicar as políticas dos seus partidos e dos governos.
Nós, comunistas, não passamos a ser insensíveis aos problemas dos trabalhadores para defender interesses partidários. Lamentavelmente, o PS - quer na administração, quer através de alguns nossos colegas - não percebe que a melhor forma de defender a TAP e os trabalhadores não é explicar uma má política, mas criar condições para a alterar.

AL:
Há um reconhecimento de que o trabalho dos comunistas em unidade é suficientemente credível e abnegado, para merecermos a confiança dos trabalhadores e continuarmos a ser os principais defensores dos seus interesses e da empresa. O resultado eleitoral para a CT foi tão importante que levou o conselho de administração e o Governo a alterarem a sua estratégia, pois perceberam claramente que a maioria dos trabalhadores não está de acordo com a sua política, a qual foi defendida no período eleitoral pela lista conotada com o PS.

LR:
Acreditamos que podemos contribuir para travar a privatização ou, no mínimo, para evitar que seja feita com prejuízos graves para os trabalhadores, para os passageiros e para o País.

 

Quem desdenha
...quer comprar

«Avante!»: A TAP, tal como existe hoje, não suscita o interesse de grupos económicos privados?


LR: Está delineado o processo de privatização da TAP e surge, para já, um grupo, liderado pelo Banco Espírito Santo, interessado em tomar posição no capital social da empresa.
Todos os processos que conduziram a privatizações (e a TAP não é excepção) passaram por um período de retirada de direitos, diminuição do emprego... procurando criar condições para tornar as empresas apetecíveis ao capital privado. Mas esta gente nunca fica satisfeita e, por isso, aparecem estas pressões, para que a empresa se vá moldando já aos objectivos dos grupos privados, e não em função das necessidades do serviço ou dos trabalhadores.

MC: Várias vezes os órgãos dos trabalhadores pressionaram a administração para reagir contra atoardas e para esclarecer a opinião pública. A TAP, tradicionalmente prestigiada pela alta qualidade do serviço, começou a ser denegrida, sem um esforço do CA para combater esta tendência. Se calhar, não é por acaso, tal como não é por acaso que o primeiro-ministro, quando vai à China em visita oficial, já não faz questão em ir na TAP; o Presidente da República vai numa empresa privada em deslocação oficial a Marrocos. A verdade é que tudo isto contribui para desvalorizar a TAP. No processo de privatização, os grupos interessados poderão comprar a empresa abaixo do seu valor real.
Este problema da desvalorização da empresa foi também referido com preocupação pelo secretário-geral do Partido, quando há tempos visitou a TAP.

AL:Não somos ingénuos e compreendemos perfeitamente que a campanha de desvalorização da TAP faz parte de uma estratégia e agudiza-se conforme os interesses em campo. Como qualquer companhia de aviação, a Portugália não tem menos problemas de funcionamento do que a TAP, mas é curioso observar que eles não são falados na comunicação social.
Numa altura em que se nota por aí tanta preocupação com os interesses públicos, também seria bom que alguém se preocupasse em investigar os acordos feitos entre a TAP e a Portugália, quem beneficia e quem perde. Do que nós conhecemos, a TAP nunca ganha.


Quem assume a responsabilidade pelas perdas da TAP?

MC: Nestes anos todos não sabemos de um administrador que tenha sido responsabilizado pelos resultados negativos da empresa. E a verdade é que os governos foram nomeando para a TAP indivíduos que não são da empresa e não conhecem o ramo, que utilizam para interesses particulares os meios da TAP, que entram e saem sempre pela porta alta... enquanto os trabalhadores vão ficando e, com o seu esforço e sacrifício, vão mantendo a empresa a funcionar, apesar de tudo, com elevados padrões de qualidade de serviço.
Este processo de privatização da TAP dura há anos, e nós desde o princípio tomámos uma posição clara, o que não sucedeu com outras forças políticas e grupos. Houve sempre a ideia, defendida não só por comunistas, de que uma empresa com a importância da TAP deveria manter-se no sector empresarial do Estado, deveria ser apoiada e deveriam ser traçadas medidas para a sua afirmação e desenvolvimento.
Não se pode cair no erro da Inglaterra de Thatcher, com as privatizações. Não há que fazer contas só ao que o Estado deixa de pagar, também é preciso contar o que o Estado deixa de receber, fazer contas ao impacto social e económico da destruição de uma empresa como a TAP.

LR: Pensamos que a TAP deve manter-se no sector público e deve ser bem gerida. A empresa sempre teve conselhos de administação em função dos partidos do Governo, os lugares sempre foram ocupados por pessoas escolhidas em função do seu cartão partidário e não da sua capacidade como gestores. E, claro, deve ser mudada a política dos últimos governos para a TAP.

MC: A TAP tem viabilidade operacional, comercial, económica e financeira, sem os boicotes e as incapacidades de gestão que tem sofrido. Os bilhetes acompanham os preços das outras companhias, mas os custos da TAP, nomeadamente salariais, são mais baixos, o que bastaria para obter resultados positivos.

AL: O processo de privatização da TAP não tem nada de claro nem de transparente. Tudo o que se sabe refere acordos entre o Governo e entidades que foram contactadas pelo Governo, e nem sequer passa por um processo como a OPV na Bolsa. Temos sérias reservas quanto a este processo representar um «dar a mão» a alguns grupos económicos - concretamente, o grupo Espírito Santo -, para que se possam projectar também neste ramo de actividade.


O grupo Espírito Santo toma posição porque já tem interesses no transporte aéreo?

AL: É evidente. Como se sabe, tem 80 por cento do capital da Portugália. E esta é uma transportadora que tem vindo a sobreviver à custa de acordos com a TAP. Houve outras empresas portuguesas que tentaram caminhar neste negócio e acabaram por morrer.


A CT, num comunicado do princípio de Maio, sugeria uma intervenção da Procuradoria-Geral da República na TAP. Já foi concretizado o recurso?

MC: Essa possibilidade está a ser estudada. Já seguiram cartas para os órgãos de poder, o ministro dos Transportes já foi posto a par da situação. Vamos esgotar todas as hipóteses, na denúncia destas situações. São processos difíceis, mas nós não desistimos de exigir o respeito pelo direito constitucional de sermos informados, não nos demitiremos nunca do direito de dar pareceres exigidos por lei, e queremos que as nossas opiniões sejam consideradas.


Como analisam o processo de avaliação, que está agora a decorrer? Há alguma semelhança, por exemplo, com a Telecom, em que participou na avaliação um grupo interessado na aquisição?

MC: Não é dito nada. A CT queixa-se constantemente de que há falta de informação sobre os dossiers e os acordos. Mesmo obrigações legais e constitucionais não são respeitadas pela administação: há património da empresa que é vendido e a CT só tem conhecimento disso pelos jornais, como no caso da ESTA, vendida à Teixeira Duarte.

AL: É curioso verificar como as administrações, de tempos a tempos, têm vindo a alienar património, argumentando que a TAP não está vocacionada para esta ou aquela actividade. Mas o que se vê é que a «perda de vocação» da TAP coincide sempre com o surgimento de interesses privados, que acabam por se sobrepor aos interesses nacionais. Só que no nosso país a culpa é solteira e os responsáveis não são penalizados.


«Avante!» Nº 1278 - 28.Maio.98