O Governo de Bicesse


O Governo PS reuniu em Bicesse, em 17 de Maio, cerca de 50 titulares e "decisores" de pelo menos uns 20% do PIB nacional, para apontarem "desígnios", "estratégias de mudança" e "práticas reformadoras" para a "fase pós-euro" da economia do país. Tratou-se, "sem gravata", de um concílio de sumo sacerdotes da dogmática neo-liberal, para decidir do que é fundamental, nas costas dos portugueses e marimbando-se para a democracia.

Do pouco que se vai sabendo de Bicesse, transpareceu que a intervenção do Primeiro Ministro pôs tónicas numa "economia mais competitiva", em "práticas reformadoras adequadas" e "numa justiça ajustada às actividades económicas"(Exp.23.05.98), o que, traduzido da semântica do "pensamento ùnico" para português corrente, significa, mais precarização, desregulamentação e regressão social.
Das 42 intervenções produzidas, cuja síntese vai ser distribuída pelos membros do Governo, conhece-se a reivindicação dos "empresários" de "não perder mais tempo" nas (contra-)reformas "consensuais", coincidente desde logo com a rectificação de anteriores declarações pelo "cardeal" Moura, porque afinal "a intenção não é adiar" as "reformas" que "são um processo contínuo" e cabem todas no mesmo saco (neo-liberal) - a reforma fiscal e as da segurança social, saúde, e administração pública.
Assim, ao traçar as opções políticas essenciais de curto/médio prazo, o concílio de Bicesse tornou claro que, também em Portugal, conforme os cânones da "modernidade", o Governo, para além de cumprir pouco o seu programa e não governar segundo os interesses dos seus eleitores, aliena de facto as suas responsabilidades a outras instâncias de decisão ilegímas e obscuras.
Este Governo, colocando-se, como os do PSD, ao serviço de lobbies e grandes interesses financeiros, não está em condições de fazer prevalecer a política face ao "mercado", ou os interesses nacionais face aos ditames das transnacionais e dos seus organismos internos ou supranacionais.
E o PSD, a este respeito, fez e fará, se tiver oportunidade, o mesmo ou pior que o PS de Guterres.
E se vem a público denunciar os favorecimentos do Governo do PS a alguns grupos económicos é porque visa assegurar o seu próprio lobbing e fazer uma pequena chantagem para que não seja só o PS a "abichar".
No Portugal do "rotativismo" do "centrão" e das políticas de direita, como noutras democracias da dogmática "globalitária", as decisões essenciais são tomadas, ou pelo menos preparadas de forma imperiosa, pelas conexões dos grandes senhores do dinheiro.
Por isso, onde de facto se decide o essencial é no concílio de Bicesse, ou no Seminário que Champalimaud organiza amanhã em Belém ("Euro: nova moeda no mundo") e por onde vão passar o actual e dois ex Primeiros Ministros e alguns "colegas" da UE, ou ainda nas chamadas "Jornadas Empresariais" de Vidago, versão caseira do Forum de Davos, que também decorrem este fim de semana.
A "coincidência" de tantas reuniões de "decisores" e da reunião do Governo em Alcácer do Sal para questionar formalmente as opções para o resto do respectivo mandato, não se explica apenas para que avancem as "reformas" - e já não seria pouco - há também as centenas de milhões do novo Quadro Comunitário de Apoio que, segundo se diz que disse o próprio Guterres (Pub.18.05.98), "será elaborado levando em conta os resultados do debate" de Bicesse. Nada mais claro.
E é disso que decidem, dos seus interesses, como lá fora, nos "briefings" de Bruxelas, da Organização Mundial de Comércio, ou do FMI, nos "brain storming" dos "Thinking Tanks", Fundações e Maçonarias.
Cá como lá, despudorados "super-boys", enquanto saltam das altas esferas do Estado para os Conselhos de Gestão das transnacionais. vão decidindo em causa própria e em detrimento do bem comum, tornando o poder político-económico cada vez mais secreto e arrogante, despido de responsabilidade e legitimidade democráticas.
E, neste quadro, já se nem estranham as gabarolices de Guterres. "privatizámos em dois anos tanto quanto foi privatizado em dez" e "achamos que os grupos económicos devem ter dimensão" (Exp.25.04.98).
O Primeiro Ministro expressa apenas o que lhe vai na alma - o orgulho de melhor servir os dogmas do pensamento único e o seu Governo de Bicesse.
Como qualquer (futuro) "super boy". — Carlos Gonçalves


«Avante!» Nº 1278 - 28.Maio.98