Uma certa
angústia
Na passada segunda-feira, a manchete do
«Público» trazia-nos a importante informação de que «apesar
da crescente riqueza das várias economias /Pobres aumentam na
Europa social», podendo ler-se logo abaixo que «57
milhões de europeus vivem abaixo do limiar de pobreza».
Sabendo-se que todos estes dados foram colhidos no terceiro
relatório sobre a protecção social elaborado pela Comissão
Europeia e aprovado em finais de Abril passado, é de registar
com perfeita candura este oportuníssimo «timing» que nos
roubou a possibilidade de lermos esta manchete do «Público»
não em 25 de Maio mas três semanas antes, em plena «festa do
euro».
E dizemos que a culpa é do «timing» da Comissão Europeia,
porque como toda a gente sabe a generalidade dos órgãos de
comunicação social não se deixa condicionar e submergir por
festejos e maremotos de propaganda e, por isso, não teria
hesitado um segundo sequer em trazer para primeiro plano estes
dados sobre a pobreza na rica UE, ainda que isso pudesse ofuscar
o brilho das cerimónias do «euro».
De qualquer forma, deve ser por causa de
dados como estes que até a António Pinto Leite lhe deu, no
último «Expresso-revista» para escrever sobre «a angústia
do capitalismo» que define assim: «não há alternativa
melhor, porque não há (o que é que se esperava que o autor
dissesse?), mas o ser humano não se esgota, nem se resolve
nesse modelo de sociedade».
Segundo A.P.L., «trinta anos depois, o capitalismo passa
a uma nova fase , uma fase «hard-core»; a globalização» e
«ideologia triunfante do fim do século, aparentemente
solitária, quase sem consciência crítica, a angústia do
capitalismo é maior que nunca, Um Maio de 68 pode surgir num
momento qualquer, por um motivo qualquer».
Não se trata de concordar com tudo o que diz António Pinto
Leite. Trata-se é de sublinhar que até um confesso defensor do
capitalismo julga não poder dispensar, nos tempos que correm, um
módico de inquietação, de lucidez e de prevenção.
E tem muitas e boas razões para isso. É
que, como mero e acessório exemplo, talvez queira dizer alguma
coisa que uma recente sondagem «CSA-Opinion/LHumanité»
tenha revelado que, à pergunta sobre que sentimento ou atitude
lhes suscitava o sistema económico capitalista tal como funciona
actualmente, 30% dos inquiridos franceses tenha respondido «o
medo», 23% «a revolta», 3% «o entusiasmo», 19% «a
esperança» e 19% «a indiferença» .
Ou que, perguntados sobre o que esperam prioritariamente da
política, 63% tenham respondido que espera «que ela proponha
aos cidadãos um outro projecto de sociedade», para 26% que
responderam preferir «que ela seleccione os melhores
representantes dos cidadãos». Ou ainda que, embora num
quadro global de opiniões ambivalentes, haja uma nítida maioria
de inquiridos que identifica o sistema capitalista actual com o «egoísmo»,
a «desigualdade de oportunidades», a
«desvalorização do trabalho», a «insegurança»,
a «exclusão».
Tudo convidando a outro tipo de reflexões. Mas permitindo
desde já perceber porque é que tanta gente, em vez de falar
honestamente de capitalismo, prefere quase sempre recorrer ao
suave e enganador eufemismo da «economia de mercado».
Vítor Dias