Expo'98
parque sem merendas
O que é a liberdade? para o saber é
preciso entendê-la, senti-la, vivê-la. Festejá-la com a
alegria de quem a conquistou. E fruí-la com ânimo sorridente de
quem está seguro de que o planeta, terra e mar, é um bem que
fomos elaborando ao longo de milénios, e que queremos continuar
a elaborar, com a inteligência e o carinho de perceber que é
nosso o que vamos construindo.
Este ano em Lisboa a Expo'98 oferece-nos a possibilidade de olhar
os grandes oceanos e rever as grandes viagens dos navegadores de
há mais de cinco séculos. É evidente que quem puder - quer por
força do bolso, quer por disponibilidade de tempo - irá visitar
a magia dos altos mares do mundo, que tantos pavilhões adoptaram
como tema.
E é aqui que, três dias antes da solene abertura, o povo
visitante ouve, estupefacto, o aval do 1º ministro à decisão
draconiana tomada pelo comissário da Expo: Lanche, nem pensar!
será tudo confiscado à entrada!
O cúmulo do ridículo pode causar pena, mesmo
daqueles com quem não concordamos. Uma exposição como esta
não merecia uma medida deste nível. É uma decisão tacanha,
mesquinha, ignorante e ineficaz, que mancha de forma grosseira
uma grande festa, olhada com legítima expectativa pelo povo
português, que a pagou e a continuará a pagar por alguns anos.
É uma medida tacanha e mesquinha porque desconhece a maioridade
cívica do povo português, que não é apenas uma ficção para
elogios em época pré ou pós eleitoral - é um facto real. É
ignorante porque não compreende a liberdade dos cidadãos e a
alegria da festa. E é ineficaz porque não pode resultar com o
nosso povo, cordial e hospitaleiro, sempre pronto a repartir uma
merenda com quem não a pôde trazer.
Aprenda a conhecer melhor o povo que pretende governar, sr. 1º
Ministro. E não o envergonhe perante o mundo.
Com esta medida, sr. 1º ministro deu pior patada do que Maria
Antonieta quando, vendo o povo de Paris a gritar por pão,
comentou com desdenhosa calma: «Não têm pão? Comam
brioches»...
Esteja descansado que não é por esta que o vamos decapitar, mas
cometeu patada mortal, a merecer em confissão severa
penitência.
E sabe? Ouvindo os sus pomposos argumentos anti-lanche, podemos
também concluir que, tal como suspeitávamos, o sr. nunca
poderia ter descoberto o caminho marítimo das Indias: a frota de
vasco da Gama levava quatro naus - e a quarta era, precisamente,
a dos mantimentos...
Espero que o sr. 1º ministro, que quer ensanduichar,
durante o período da Expo, um novo pacote anti-laboral, não
venha agora acusar-nos de «miserabilismo». Até por que a moda
de comer pipocas e beber coca-cola nos cinemas vem precisamente
dos Estados Unidos. O senhor, tão admirador dos grandes, quer
continuar a ser pequeno, ou aventura-se a crescer mais um pouco?
E para terminar, parafraseando Boris Vian, dir-lhe-ia: Senhor 1º
ministro, avise os vigilantes: eu vou levar merenda. Aurélio
Santos