INDONÉSIA
Fim à ditadura!


Há uma semana, a ditadura de Suharto sofreu um duro golpe. O afastamento do próprio ditador que construiu um regime de terror, iniciado com o assassinato de centenas de milhar de patriotas – comunistas e outros democratas – e se prolongou por mais de trinta anos através duma feroz repressão e de uma impiedosa exploração e opressão dos trabalhadores e do povo, é em si mesmo um importante acontecimento. E confirma, uma vez mais, que os povos, cedo ou tarde, acabam por derrotar os ditadores. E que as ditaduras terão também o seu fim. Ao contrário do que pretendem fazer crer os defensores do "pensamento único", do "fim da história" e do "fim da luta de classes". Foi assim nas Filipinas, com Mobutu no Zaire e será assim na Indonésia. As contradições, divisões e dificuldades que crescem ao nível do poder não porão, só por si, fim à ditadura. Tal dependerá essencialmente da luta dos trabalhadores, dos estudantes e do povo indonésio, que entretanto prossegue.

A Indonésia é um país rico e com uma posição geoestratégica ímpar. No seu território coexistem enormes recursos energéticos –petróleo, carvão, gás natural – valiosas madeiras e dos mais remotos vestígios de vida humana. Ocupa hoje o 4º lugar no mundo em população. Desempenhou um destacado papel no processo da luta de libertação nacional afro-asiática. O seu movimento nacionalista pela independência, dirigido por Sukarno, associou a luta anti-colonial à luta pela soberania nacional. Sukarno nacionalizou o petróleo e implementou outras importantes transformações progressistas. Teve o apoio do PC da Indonésia que, com os seus 3 milhões de membros, era dos mais numerosos e influentes ppcc da época. A Indonésia constituiu, então, um dos pilares do Movimento dos Não Alinhados que foi força e expressão de vias inéditas de desenvolvimento progressista.

A enorme tragédia que foi o golpe militar de 1965 na Indonésia, activamente apoiado pelos EUA, interrompeu o seu processo independente de desenvolvimento. Com Suharto instalou-se o despotismo, o nepotismo e a corrupção. Usurpou as riquezas do país para si e os seus filhos que se tornaram os "testas de ferro" dos principais grupos económicos. Finança, indústria, agricultura, imobiliário, auto estradas, telecomunicações e comunicação social, a tudo deitaram mão. O seu clã reuniu uma das maiores fortunas mundiais e o seu regime contou sempre com o empenhado apoio do imperialismo norte-americano. Criaram-se assim condições para que a Indonésia se tornasse uma importante peça da actual fase de desenvolvimento capitalista. Para aí se transferiram indústrias e alta tecnologia. À custa de mão de obra barata e sem direitos e da exploração do trabalho infantil, a Indonésia alcançou elevados índices de crescimento económico que a tornaram num dos mais famosos "tigres asiáticos". Duramente atingida pela crise bolsista do mercado de valores asiático de finais de 97, com a rupia em queda abrupta e a subida em flecha da inflação, com numerosas falências de empresas e com o Estado à beira da bancarrota, o governo teve que negociar com o FMI. As imposições draconianas recaíram, naturalmente, sobre os trabalhadores. Em seis meses triplicou o número de desempregados (segundo o próprio ministro do trabalho) e a precaridade instalou-se (os sindicatos indonésios tolerados pelo regime calculam que apenas 4,7% da população activa tem emprego assegurado, com horário completo de trabalho). A crise social sucedeu à crise económica , como corolário duma "globalização" que só tem em conta o máximo lucro no mais curto período possível. A "experiência" indonésia revela-nos os limites do capitalismo e a sua crise sistémica.

São grandes as expectativas quanto à evolução da situação política na Indonésia. Em Portugal há razões acrescidas para acompanharmos com empenhada solidariedade a luta do povo indonésio pela democracia. A sua acção vitoriosa será um importante contributo à justa causa do povo Timor-Leste pela sua libertação, tal como a resistência timorense, ao longo de mais de duas décadas, tem constituído um importante estímulo à resistência do povo indonésio. O enorme potencial de luta que os trabalhadores, os estudantes e outras camadas populares têm evidenciado forjarão e fortalecerão, por certo, as forças políticas necessárias para pôr fim à ditadura e impor as mudanças de fundo que a crise na Indonésia exige. — Manuela Bernardino


«Avante!» Nº 1278 - 28.Maio.98