Referendo sobre a
despenalização da IVG
25 perguntas uma conclusão
SIM à despenalização
Uma grande campanha de desinformação e manipulação
dos sentimentos dos portugueses tenta lançar a confusão sobre o
objectivo do referendo do próximo dia 28 de Junho.
Através de 25 respostas a 25 perguntas, o «Avante!» tenta
repor a verdade e desfazer dúvidas que eventualmente persistam.
O referendo não é sobre ser a favor ou contra o aborto? |
O que está em causa não é ser contra ou a favor. Mas, sim, entre o aborto em condições precisas - assistência, segurança, higiene, protecção da saúde de forma gratuita e com informação e prevenção para evitar no futuro o possível recurso ao aborto; ou o aborto clandestino sinónimo de isolamento, desamparo da mulher, com consequências gravíssimas para a sua saúde física e psíquica. O aborto é sempre um último recurso e não um método de Planeamento Familiar. |
Qual é a diferença entre liberalizar e despenalizar? |
Se
a pergunta do referendo fosse «Concorda com a
despenalização da interrupção voluntária da gravidez
nas primeiras 10 semanas?», estar-se-ia a propor a
liberalização do aborto nas primeiras 10 semanas.
Deixaria de ser crime e poderia ser feito em quaisquer
condições e por qualquer pessoa. Mas não é isso que se pretende, até porque isso poderia significar que hospitais ou estabelecimentos de saúde negassem às mulheres o acesso à prática da IVG. Ou seja, continuaríamos a ter graves problemas de saúde causados pelo aborto (que já não seria clandestino mas seria feito em condições de insegurança). Excepto, naturalmente, para as mulheres com possibilidades económicas, que o fariam em clínicas privadas. É, pois, a última parte da pergunta do referendo - «em estabelecimento de saúde legalmente autorizado» - que marca a diferença entre liberalização e despenalização/ legalização, significando legalização o reconhecimento dos meios de efectivar aquele direito. |
A despenalização do aborto favorece a sua prática? |
Não,
não vai ser a despenalização do aborto que levará
à sua prática. Ele existe e pratica-se todos os dias. O
que se pretende é tirá-lo da esfera clandestina para o
campo da legalidade e da segurança médica. E criar
todas as condições possíveis nos serviços de saúde
para que o recurso ao aborto venha a diminuir, através
da informação e do acesso das mulheres ao Planeamento
Familiar. A despenalização valoriza a liberdade e a responsabilidade da mulher. A actual situação que prevê a cadeia paras as mulheres cria sujeição, clandestinidade e culpabilização. Fazendo-se por ano, em Portugal, milhares de abortos, tem de concluir-se que a lei que ameaça as mulheres com penas de prisão não é adequada à salvaguarda do embrião e do feto, pois os abortos continuam a fazer-se. Não alterar a actual lei, não alargar a exclusão da ilicitude em alguns casos da IVG, é permitir continuar o aborto clandestino. |
A despenalização do aborto vai banalizá-lo? |
Obviamente que não. Quem recorre ao aborto num estabelecimento de saúde, será obrigatoriamente melhor acompanhado pelos respectivos serviços de saúde e a tendência será para diminuir o número de recursos ao aborto, como aliás se tem verificado noutros países europeus. A organização dos serviços é determinante para que tal aconteça. Além do esforço dos profissionais envolvidos nesta área na informação e no esclarecimento das mulheres terá de haver vontade política do Ministério da Saúde que terá de se traduzir também em dotações financeiras de forma que a valência do Planeamento Familiar seja reforçada. |
É verdade que a despenalização conduz a um aumento do recurso ao aborto? |
Não.
Esta afirmação não é séria. Nos diversos países
onde o aborto foi despenalizado não havia, como aliás
não há hoje em Portugal, estatísticas seguras sobre o
número real de abortos clandestinos. E não havendo
torna-se, pois, impossível fazer qualquer comparação
fundamentada. A OMS - Organização Mundial de Saúde - dedicou o passado dia 7 de Abril, Dia Internacional da Saúde, à maternidade sem riscos. A este propósito fez sair um documento onde a dado passo se afirma: "contrariamente ao que se pensa geralmente, a legalização do aborto não acarreta necessariamente um acréscimo das taxas de aborto". |
Que repercussões pode ter nas pessoas que estão contra ele? |
Nenhumas. A despenalização do aborto não cria qualquer obrigação aos que pelas suas convicções religiosas, ideológicas ou filosóficas não pretendam usufruir dessa possibilidade legal. Cada um(a) pode e deve decidir de acordo com a sua consciência e vontade e, tal como agora, os que não querem a ele recorrer não o fazem. Mas para as mulheres que decidem fazê-lo, a alteração da lei garantirá assistência médica e segurança. |
É verdade que os estabelecimentos de saúde não terão capacidade para atender as mulheres, caso ganhe o SIM no referendo? |
Não é verdade. Essa é outra ideia falsa que se procura incutir. Os estabelecimentos de saúde, isto é o Serviço Nacional de Saúde gasta muito dinheiro nas urgências e no tratamento (incluindo a ocupação de camas por vários dias nos hospitais centrais) de graves doenças provocadas directa ou indirectamente pelo aborto clandestino, nomeadamente casos de graves infecções ou de infertilidade. Todas as instituições e organismos de saúde estrangeiros têm-se referido a estes custos e chamado a atenção para a sua prevenção. É completamente falso que estes serviços vão aumentar as listas de espera de outras especialidades nos estabelecimentos de saúde, nomeadamente nos hospitais. |
Com a utilização do planeamento familiar, justifica-se haver gravidezes não planeadas? |
Não é uma questão de justificação. Elas acontecem de facto a um número significativo de mulheres que fazem Planeamento Familiar, porque todos os métodos anticonceptivos, incluindo a pílula e o DIU, não são 100% seguros. Apesar das mulheres, por indicação médica os seguirem, há situações em que eles falham. Há medicamentos que são prescritos pelos médicos para o tratamento de diversas doenças que anulam o efeito dos métodos anticoncepcionais, permitindo que a mulher engravide apesar de estar a seguir Planeamento Familiar. Estas situações, bem como a deslocação do DIU estão longe de serem raras. Por outro lado, é de sublinhar que as consultas de Planeamento Familiar nos Centros de Saúde estão longe de responder às necessidades da população. Ao contrário do que a lei estipula, as consultas não dispõem em muitos casos de métodos gratuitos e a capacidade de resposta dos médicos de família a esta questão da saúde da mulher é limitada. |
Porque falam agora tanto de Planeamento Familiar e de Educação Sexual? |
Por absoluta hipocrisia ditada unicamente por razões tácticas que visam apenas e só proteger e disfarçar o seu real empenhamento na manutenção do aborto clandestino e por desprezo para com as nefastas consequências do aborto clandestino para a saúde das mulheres. São as forças que estão contra a despenalização, que hoje falam de Planeamento Familiar e de Educação Sexual e, exactamente, as mesmas que estiveram contra a implementação dos métodos anticoncepcionais (pílula e DIU, nomeadamente) porque, diziam, geravam permissividade dos costumes. São as mesmas forças que apenas defendiam os chamados métodos naturais (método das temperaturas, coito interrompido). São, também, as mesmas forças que sempre se opuseram que a Educação Sexual constasse dos currículos escolares e se insurgiram com grande violência contra a abertura de consultas de Planeamento Familiar para jovens. |
Se todos os médicos de um hospital são objectores de consciência o que se passa quando há um pedido de IVG? |
Já hoje está regulamentado por diploma da Ministra da Saúde, Maria de Belém, que o pedido da IVG deve ter seguimento imediato para outro estabelecimento de saúde onde haja equipas não objectoras e os custos deverão ser suportados pelo 1º estabelecimento, salvaguardando sempre os prazos previstos na lei. |
Este assunto só interessa às mulheres? E só às de idade fértil? |
Não.
Os homens como parte integrante da relação sexual e da
concepção deverão estar também interessados na defesa
da saúde das mulheres e no direito a ter filhos
desejados. Quanto às mulheres que já passaram a idade fértil, sabe-se pelos seus próprios depoimentos que muitas, ao longo da sua vida, recorreram ao aborto clandestino. E muitas há, também que não desejam que filhas, netas, sobrinhas ou amigas fiquem sujeitas ao aborto clandestino, com todas as graves consequências que ele acarreta. Trata-se, de facto, de pensar e sentir para além de nós e agir como tal, solidariamente. |
O homem deve ser ou não ouvido, na tomada de decisão sobre o aborto? |
A lei actual não exige que o homem seja consultado. Deverá estar fora de questão fazer depender a decisão do consentimento do homem. Porque nesse caso, havendo discordância, teria de se prever o recurso ao Tribunal para dirimir o conflito. Devido à limitação do prazo, isso seria inviabilizar o recurso à IVG e aumentar-se-ia a conflitualidade na família. Ele será seguramente ouvido pela mulher no caso de haver entre ambos um bom relacionamento. Nos casos de relacionamento difícil, a obrigatoriedade de ser ouvido o homem seria passível de fazer avolumar a violência doméstica, como o Supremo Tribunal Federal dos EUA decidiu sobre a legislação de um dos Estados. |
Quais são as principais razões que levam uma mulher a abortar? |
Muitas e variadas certamente. Todas do foro íntimo das mulheres e dos casais e, por isso, difíceis de enunciar. Além das falhas dos métodos, são sobretudo as razões económicas e sociais as que mais pesam. Poderá, haver ainda um número elevado de mulheres em que a componente social e familiar em determinada altura, não seja favorável à vinda de um filho com todas as responsabilidades que ele representa para o agregado familiar. |
Pode-se ser cristão e votar o SIM? |
Evidentemente que sim. Muitos cristãos, na área da saúde materno-infantil e do planeamento familiar, não seguem as orientações da Igreja, aliás matéria não dogmática. Até há um ano, o catecismo contemplava a pena de morte em determinadas situações. Há muitos cristãos inclusive, que não pensam recorrer à lei mas não deixam de ser solidários para com as mulheres que se vêem obrigadas a ele recorrer, com perigo da própria vida. |
Porque não têm os filhos e não os dão para o orfanato? |
Isto, além de chocar qualquer pessoa de bom senso, continuaria a não resolver o problema: os milhares de abortos clandestinos (que são decididos individualmente); o problema de saúde pública. É de uma violência inqualificável para as mulheres transformá-las em meras «barrigas de aluguer». |
Por que razão as forças contra a despenalização do aborto não chamam claramente «criminosas» às mulheres? |
Porque
sabem que há mulheres que o praticam, independentemente
das convicções que têm e do estrato social a que
pertencem. É de salientar que estas forças só surgem nas épocas em que este assunto é discutido pela opinião pública. Só, nesta altura, se lembram e falam do «direito à vida», quando desmanchos/abortos todos os dias são praticados. Hipocritamente desejam a manutenção do aborto clandestino, do negócio que o envolve e das suas dramáticas consequências. Desejam que a lei continue subordinada às suas concepções e que o flagelo social continue com tudo o que ele acarreta para a saúde das mulheres. |
Onde está a defesa da dignidade humana? |
Por contraponto, podemos dizer que são exactamente naqueles que estão a favor da despenalização do aborto (no período previsto na lei) que residem os valores da vida, pois defendem a saúde e a dignidade das mulheres, a sua responsabilidade. Defendem o direito da mulher e do casal decidirem o número de filhos bem como o direito da criança a ser desejada, amada e assumida responsavelmente em todas as fases da sua vida pelos pais. Defendem o bem-estar da família. |
Qual é a situação noutros países da Europa? |
Em todos os países da Europa Comunitária - salvo Portugal e Irlanda - fazem-se legalmente IVG.s em estabelecimentos de saúde legalmente autorizados, inclusive em Espanha, onde a lei é semelhante à nossa. |
Porque esteve o PCP contra a realização do referendo? |
O PCP considera que a AR tem legitimidade bastante para aprovar um quadro legal que permita a IVG em determinados prazos e circunstâncias numa unidade de saúde. Com base neste entendimento, o PCP tomou, desde 1982 várias iniciativas legislativas visando este objectivo. |
Não é contraditório que tendo o PCP estado contra o referendo nele participe com campanha própria? |
Não.
Desde 1982 que o PCP, na AR, tudo tem feito para acabar
com o aborto clandestino, exigir um Planeamento Familiar
eficaz e defender uma maternidade-paternidade
responsável. Não poderia, face às circunstâncias
actuais, deixar de participar activamente para a vitória
do SIM. Contraditória é a posição dos proponentes deste referendo que aliás a ele recorreram para resolverem problemas internos. O PS não terá posição oficial. Militantes seus integram movimentos cívicos pelo SIM e pelo Não e os tempos de antena do PS serão divididos entre os favoráveis ou não à despenalização. |
O referendo é vinculativo? |
O referendo só é vinculativo se votarem mais de 50% dos recenseados. Isto significa que impõe mobilizar activamente para o voto, todos os que apoiam o SIM, combatendo qualquer tendência para a sua abstenção. De igual modo, pode haver quem, apoiando a despenalização, pensa erradamente que já foi aprovada a Lei e portanto o referendo é inútil. |
Se ganhar o SIM, automaticamente o aborto é despenalizado dentro do prazo que a pergunta refere? |
Se
ganhar o SIM, não tendo porém entrado nas urnas
votos mais de 50% dos eleitores, a Assembleia da
República deverá acabar o processo legislativo,
aprovando a lei na especialidade e em votação final
global. Se ganhar o SIM, tendo entrado nas urnas votos (sim e não) de menos de 50% dos eleitores, a Assembleia da República pode terminar o processo legislativo, também aprovando a lei na especialidade e em votação final global. Para qualquer destas situações será necessário que haja vontade política do PS. Tendo em conta o que sucedeu este ano, dificilmente isso poderá ocorrer. |
Se ganhar o Não o que é que acontece? |
Se ganhar o Não tendo entrado nas urnas votos (sim e não) de mais de 50% dos eleitores, encerra-se o processo legislativo. E só pode ser apresentado novo Projecto na próxima legislatura, ou depois de aprovada a despenalização em novo referendo. |
A lei actual não é suficiente? |
Não. A actual legislação contempla o aborto eugénico até às 24 semanas, isto é, as mal-formações do feto e quando a gravidez põe em perigo a vida da mãe (comtempla as situações detectadas durante a assistência médica à gravidez). Contempla os casos de violação da mulher. Deste modo não abrange os casos de aborto clandestino que diariamente ocorrem. O SIM à pergunta do referendo permitirá que a mulher possa solicitar a interrupção voluntária da gravidez, nas dez primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado, sem ter de indicar as causas e sem estar sujeita a ser punida com três anos de prisão. |
Foram justas e oportunas as iniciativas que o PCP tomou sobre este problema desde 1982? |
Pensamos que sim. Sempre que o problema foi discutido na Assembleia da República, as posições mais retrógradas têm sido contestadas por um número cada vez mais amplo de sectores da sociedade portuguesa. |
Tendo em conta os resultados de algumas sondagens, é verdade que a vitória do SIM está garantida? |
Esta é uma ideia errada e terrivelmente perigosa porque conduz directamente à desmobilização e à não compreensão que a vitória do SIM é inteiramente possível mas não está garantida. Não é aliás de excluir que, mais à frente, possam aparecer sondagens com resultados diferentes e, depois, com eles chegue a perturbação e o susto, mas então já pode ser tarde para fazer o que devia ter sido feito antes. Confiança baseada no trabalho, sim! Excesso de confiança baseado em sondagens, Não! |
SIM à despenalização |