A
legalização do aborto na Europa
Por Fátima Garcia
Esta
questão há muito que é discutida em vários foruns
internacionais: Conselho da Europa, Parlamento Europeu,
Conferência das Nações Unidas. O Parlamento Europeu,
já na sua resolução de Fevereiro de 1981, alertava para as
graves consequências do aborto clandestino e para a necessidade
da promoção de educação sexual para jovens e adultos.
Em 1990, o PE
exprimia mais uma vez o desejo de que os Estados-membros que
ainda não tivessem legalizado a interrupção voluntária da
gravidez tomassem essa decisão e que se empenhassem na
concessão de uma assistência ao aborto segura, financeiramente
custeável e acessível a todas as mulheres.
Também em 1995, o PE afirmava numa sua resolução que «as
decisões respeitantes ao facto de terem ou não filhos, ao
momento da respectiva concepção e ao seu número cumpre apenas
às mulheres, devendo estas ter, numa base voluntária, um acesso
cabal ao aconselhamento e à informação em matéria de saúde
reprodutiva, incluindo planeamento familiar e educação sexual e
em matéria de aborto...».
O Conselho da Europa, no relatório de Fevereiro de 1993
(elaborado pela deputada Halonen), considerou que os
«Estados-membros do Conselho da Europa têm a obrigação de
reconhecer o direito fundamental de todas as mulheres, ao abrigo
da lei, à sua própria decisão e à sua integridade psíquica
(incluindo durante o período de gravidez) e de fundar ou não
uma família segundo o seu desejo». Considerou ainda que «o
reconhecimento do direito fundamental de uma mulher, em última
análise e no quadro da lei, de interromper uma gravidez não
desejada impõe aos Estados-membros a obrigação de permitir o
exercício desse direito em boas condições: serviços médicos
apropriados e aconselhamento profissional».
Na Plataforma de Acção aprovada em Pequim na 4ª Conferência
das Mulheres em 1995 consta que «os Direitos Humanos da Mulher
incluem o seu direito de controlar e decidir livre e
responsavelmente em matérias relacionadas com a sua sexualidade,
incluindo a sua saúde sexual e reprodutiva, livre de coerção,
discriminação e violência». Diz ainda que «abortos não
seguros ameaçam a vida de um vasto número de mulheres,
representando um grave problema de saúde pública, e que são
prioritariamente as mais pobres e as jovens que correm os mais
altos riscos».
Situação nos Estados-membros da UE
Ora bem, vejamos
então o que se passa em alguns dos outros países desta União
Europeia a que tantos se orgulham de pertencer, sempre no
pelotão da frente.
O único país onde o aborto é completamente ilegal é na
Irlanda (incluindo a Irlanda do Norte). Em Espanha, a IVG está
legalizada apenas em determinadas situações (em caso de perigo
de vida da mulher ou da sua saúde física ou psíquica, em caso
de violação ou de perigo de mal-formação). Em todos os outros
países da UE o aborto está legalizado, com prazos mais ou menos
dilatados, com consultas prévias ou não.
De uma forma geral, a luta pela legalização do aborto vem já
dos finais dos anos 60. A exigência de reformas democráticas,
por maiores direitos individuais, abriram caminho para uma larga
mobilização em torno desta questão. A introdução da pílula
permitiu à mulher assumir o contrtolo da sua sexualidade que,
progressivamente, deixou de ser controlada pelo homem. As
organizações femininas assumiram a luta pela legalização da
IVG e desempenharam um papel fundamental na mobilização e
esclarecimento das populações exigindo junto do Poder Central
as medidas necessárias.
É assim que, a partir dos anos 70, em vários países (Itália,
Suécia, Finlândia, entre outros), os parlamentos respectivos
aprovam a legalização da interrupção voluntária da gravidez.
É evidente que a decisão não foi unânime. Por todo o lado as
forças de direita e conservadoras e a igreja se movimentaram de
modo a impedir esta medida. De tal modo que, por exemplo, em
Itália, no ano de 1981, conseguiram fazer marcar um referendo
para revogação da legislação existente. Ora, os italianos,
nesta altura, conheciam já os resultados da implementação
desta lei e, por isso mesmo, mais de 60% votaram contra a sua
anulação.
Um dos últimos países a adoptar a legalização da IVG foi a
Bélgica. Esta, apenas em 1990, foi adoptada em seguimento de uma
resolução aprovada no Parlamento Europeu. Caso curioso foi o
facto de o Rei Balduino, que era contra esta lei, ter abdicado
por um dia para permitir assim a sua passagem.
Evolução do aborto
nos Estados-membros
Alguns afirmam que
com a legalização do aborto o seu número vai aumentar.
Esta não é a experiência em alguns dos Estados-membros.
Em França, e segundo um artigo publicado em «Problemas
Económicos», de Dezembro de 1997, o número de abortos
calculados por cada 100 concepções passou de 22,8 em 1980 para
20,0 em 1989. Por outro lado, baixou a taxa de mortalidade devido
ao aborto. Nos anos 60, a média era de 1 por dia e de dois por
mês nas vésperas da adopção da lei de 75 (legalização),
hoje a média é inferior a duas por ano.
Na Suécia, a taxa de aborto em relação a 1000 nascimentos
passou de 359,4 em 1980 para 289,2 em 91. Na Finlândia, esta
taxa passou de 238,4 em 1980 para 165,9 em 92 e na Dinamarca
passou de 407,3 em 80 para 306,5 em 1991.
Esta redução não terá sido permamente ao longo deste
período. Houve subidas e descidas mas, segundo as informações
fornecidas, as subidas verificam-se quando se abrandam as medidas
de informação e esclarecimento.
É pois desonesto dizer que os números vão disparar depois da
legalização. Quem faz estas afirmações ou tem uma péssima
consciência e quer-nos convencer que a decisão de abortar não
é extremamente difícil e dolorosa, ou tem grandes interesses na
manutenção da situação actual, ou ainda, tem os meios
necessários para o fazer em boas condições.
Não é metendo a cabeça na areia que se revolverá o problema
do aborto. É impossível «fazer de conta» de que nada se
passa. O aborto é praticado em Portugal e milhares de mulheres
são obrigadas a fazê-lo anualmente em situações humilhantes e
de grande insegurança. Perante esta realidade, onde fica a moral
que alguns/algumas querem impor a todas as mulheres?
Este não é um problema que se levante apenas às mulheres
portuguesas. Esta mesma situação é vivida pelas mulheres de
toda a Europa.
Então por que é que elas viram o seu problema de
«clandestinidade e insegurança» resolvidos, desde há anos, e
em Portugal se torna ainda tão difícil? Com a legalização do
aborto não se impõe a ninguém que o faça. Apenas se dá a
possibilidade às mulheres que o decidam fazer, de o poderem
fazer com dignidade, no nosso país.
A questão da IVG é um problema de sociedade mas que se
repercute apenas sobre as mulheres. Não podemos aceitar que nos
tentem impor um comportamento único. A sociedade portuguesa
saberá resistir a fundamentalismos que, como sabemos por
experiências alheias, são sempre perigosos.