A vida é uma festa... para alguns


A afluência à Expo está aquém do que os seus organizadores haviam previsto. Haverá naturalmente razões que o expliquem. A fuga aos primeiros dias, as aulas que tolhem a deslocarão de famílias, o não se estar em período de férias são algumas das razões que têm sido avançadas para explicar o fosso entre as previsões e a afluência verificado. Quero acreditar que cada uma delas terá algum fundamento. Mas a que se deve somar aquela que urna família, entrevistada nos relvados de Belém pela televisão, cruamente adiantou. A constatarão de que para os quatro membros daquela família ir à Expo e dela usufruir significaria quase metade do seu rendimento pelo que contra o facto não tinham argumento.
Vem este facto a propósito sobretudo pelo enfado manifestado pelo Primeiro-Ministro quando confrontado por um jornalista quanto à hipótese da eventual relação entre o poder de compra dos trabalhadores portugueses e a afluência à Expo.

Convenhamos que o «Engenheiro» tem razão. Esta de em altura de festa um jornalista vir lembrar coisas tristes só de forças de bloqueio. Ainda por cima com tanta coisa importante para perguntar. Sobre o «pelotão da frente» em vésperas de uma nova época velocipédica; sobre o número de pratos lavados por uma conhecida marca de detergente na maior feijoada realizada na maior ponte da Europa; sobre o peso da garoupa «Susana» estrela maior do novo oceanário; sobre o índice da Bolsa e a futura cotação da Optimus...
Em verdade, uma injustiça. Tudo preparado a pretexto. Nem fumo de sardinhadas, nem o cheiro das tripas, nem esse deplorável espectáculo das merendas e piqueniques. Ainda por cima tudo com preços de nível europeu, e depois, a paga é esta ingratidão.

Contendo o enfado, o nosso Primeiro, que tudo sabe e nunca se engana, foi peremptório. Está tudo num problema de calendário.
Isso do poder de compra serão inventonas. Os dados de que o Engenheiro dispõe não enganam. Ainda num destes últimos fins-de-semana, em Bicesse, num deleitado convívio com esforçados e sacrificados «investidores», pôde constatar que todos os presentes e as respectivas famílias dispõem do passe para três meses. A estatística recompor-se-á. A vida é mesmo uma Festa. Para quem pode.


«Avante!» Nº 1279 - 4.Junho.98