TVisto

A história repete-se?

Por Francisco Costa



Como eu gostaria de ser hoje mais positivo. Mas reparem que, apesar de tudo, tive o cuidado de colocar, no final do título acima, um ponto de interrogação. Quer dizer: não tenho propriamente certezas, apenas sinto dúvidas e, ao contrário do outro, certamente que estou enganado.

A propósito de quê? Bem, a propósito da sensação que desde há algum tempo me assalta (quiçá, até, ideia fixa) de que, afinal, bem vistas as coisas, nada de substancial parece ter-se modificado, em termos de orientação, nos já muitos meses que até agora leva de serviço efectivo a nova equipa de responsáveis pela RTP. Minto: atenuaram-se, de certo modo, as manchetes sensacionalistas no arranque do Telejornal; também é verdade que a já tradicional qualidade da RTP 2 não baixou (obrigado! o contrário é que seria de estranhar!) ou que se notam algumas iniciativas de pormenor com algum impacte positivo, designadamente a flagrante melhoria no formato do Jornal 2. Mas, no fundo, a impressão que nos fica, na generalidade, é a de que praticamente nenhuma medida de fundo terá sido tomada em termos de filosofia de programação quanto ao sector que mais interessaria sofresse radicais modificações: o canal generalista, aquele que poderia ser a «pedra de toque» de uma verdadeira mudança de estratégia face aos operadores privados, finalmente garantindo um serviço público inequívoco, que não continuasse a ser escorraçado para o gueto da RTP 2 e a ser ao mesmo tempo subvertido na RTP 1 – pelo abuso do mau gosto, da piroseira e da incultura, mesmo e sobretudo em termos de puro divertimento. Entretanto, como a restante crítica televisiva institucional não deve andar distraída e eu não tenho lido nada sobre esta matéria, querem ver que estou enganado? Ou será que, mais uma vez, vai passar-se aquilo que aconteceu com a anterior equipa de Joaquim Furtado, adormecendo-nos com promessas e adiamentos e reestruturações, nunca se chegando a perceber, afinal, quando era para levar a sério a tal «nova programação» para a RTP, acabando tudo como acabou?

Vendo bem, o único gesto corajoso de Maria Elisa de que consigo recordar-me foi o de ela ter feito constar que iria fazer desaparecer (como fez) essa coisa abjecta que, se bem me lembro, dava pelo nome de «Obrigado Por Tudo» – iniciativa que até parecia augurar bom futuro. Afinal, ao debruçarmo-nos agora sobre a programação que nos chega ao jornal, aliás confirmada pelo frenético zapping em busca de alguma coisa que se veja no pequeno ecrã, a experiência demonstra-nos a continuada presença de produtos televisivos tão primários como «Nico d’ Obra» ou «Nós os Ricos» ou o recentemente regressado «Reformado e Mal Pago» - quase todos, é curioso, da mesma origem em termos de produção externa e alguns deles em reposição (a pedido de quem?) – ou esse repositório de «flagrantes do real» em jeito de mundo-cão que é «Isto Só Vídeo» ou o lugar de encontro de todos os nacionais-cançonetismos-vertente-pimba em que se tornou «Made in Portugal», para já não falar dessa «pérola» da ficção portuguesa que dá pelo nome de «As Lições do Tonecas» e sem esquecer, claro, «novidades» tão absolutamente estonteantes e indispensáveis como «Assalto à Televisão»!... Seria até mesmo injusto não reconhecer que a eliminação do tal «Obrigado Por Tudo» (cuja especificidade em termos de baixa qualidade não se consegue lobrigar, se comparada com a de alguns produtos agora mencionados e que continuam no activo) permitiu a tão ansiada projecção das obras completas de Louis de Funès, subordinadas à bela temática «O Gendarme...», etc., etc.

Entretanto, parecendo alheia a isto tudo e dando a ideia de que vive noutro planeta e até nem tem responsabilidades especiais na orientação e direcção de uma instituição com tanta responsabilidade como é a televisão pública, a mesma Maria Elisa não deixa de surpreender-nos, por exemplo, pelo tempo que ainda arranja para continuar a produzir o seu programa (é obra!) ou para escrever semanalmente as suas tão mundanas crónicas para o «Diário de Notícias». Crónicas nas quais, entre outras assinaláveis vivências, tanto nos dá conta (31.05.98) do deslumbramento que foi a sua visita ao Museu Getty (em Los Angeles) como, a propósito da estadia entre nós de Bernard Pivot com o seu «Bouillon de Culture», não deixa de também sublinhar (10.05.98) a sua afadigada passagem pelo seminário «Europa e Cultura», não deixando de se mostrar tu-cá-tu-lá com figuras como Lourenço, Lopes, Seixas, Barreto, Correia - até Borges, há muitos anos em Buenos Aires (!) - tendo a lata de acrescentar à citação que faz de Carrilho («a cultura é o que Portugal tem de mais exportável no sentido de afirmação do País») o «distanciado» comentário: «Provavelmente terá razão. Mas que caminho percorrer até que essa afirmação seja visível!».

Que caminho, Maria Elisa? Para já não falar da importante missão que por si poderia ser desempenhada, neste campo, aproveitando a RTP Internacional, porque não começar, para já, pelo caminho que medeia entre os emissores da RTP 1 e as nossas casas? Ou, posto de outra maneira: até quando é que continuarão a gozar connosco?!


«Avante!» Nº 1279 - 4.Junho.98