EDITORIAL

A caravana da solidariedade



Partindo de vários pontos do país chegou a Vigo a caravana de solidariedade com Cuba. Resultado do esforço colectivo de um vasto conjunto de activistas (tendo como polo impulsionador a Associação de Amizade Portugal-Cuba e contando com a acção dinamizadora de vários dos seus Núcleos, nomeadamente o de Almada) a caravana comporta um significado que deve ser sublinhado. Com efeito, neste tempo de inversão fraudulenta de valores, de imposição de antivalores como se dos mais nobres valores humanos se tratasse, a noção de solidariedade é com frequência subvertida e posta ao serviço de objectivos situados nos seus antípodas. Neste caso, todavia, trata-se de Solidariedade no rigoroso e sério sentido da palavra e, por isso, claramente distinta da caridadezinha travestida que o discurso e a prática da política de direita pretendem impor-nos todos os dias. (Distinta também, óbviamente dessa outra «solidariedade» contida na monstruosidade jurídica e política hipócritamente baptizada de «Lei para a liberdade e a solidariedade democrática com Cuba», mais conhecida por Lei Helms-Burton - autêntico programa de acção contra revolucionária com o objectivo expresso de «restaurar o capitalismo em Cuba sob o controlo absoluto do Estados Unidos da América«). Trata-se do concreto apoio fraterno, da concreta palavra amiga, do concreto gesto feito de sensibilidade e de dignidade - apoio, palavra, gesto que não se ostentam nem se agradecem, que são, apenas e só, Solidariedade.


As toneladas de equipamentos e bens recolhidos nos últimos meses, provenientes de empresas diversas e de milhares de cidadãos anónimos, expressam concludentemente a grande disponibilidade solidária existente no nosso País para com o povo de Cuba e a sua heróica resistência. Essa disponibilidade é visível igualmente no exemplo do conjunto de activistas que concretizou esta iniciativa, composto certamente por pessoas de diversas opções políticas e partidárias mas convergindo na vontade de expressar solidariedade activa a um povo que dela necessita e que a ela tem direito.


O cerco a Cuba, promovido pelo mais poderoso país do Planeta há quase quatro décadas, tendo como objectivo essencial a integração da Pátria de Martí no subserviente rebanho ao mando e às ordens dos Estados Unidos da América, evidencia de forma clara a essência do imperialismo norte americano. Por outro lado, o inêxito deste cerco mostra que, ao contrário do que nos querem fazer crer os difusores do pensamento único, é possível resistir e que, resistindo é possível vencer. Por tudo isto, Cuba é um exemplo e um símbolo que muito justamente preocupa o imperialismo norte americano. Resistindo a invasões e tentativas de invasão; resistindo a leis iníquas e violadoras do direito internacional e de elementares direitos humanos; resistindo a tentativas de assassinato dos seus dirigentes; resistindo ao famigerado bloqueio; resistindo, enfim, às violentas e permanentes pressões no sentido de deixar de ser o que é e quer ser e se transformar no que os sucessivos governos dos Estados Unidos da América querem que seja - o povo de Cuba não se encaixa na visão do Mundo concebida pela Casa Branca e é possível, até, que os computadores do Pentágono já tenham decidido que tal país e tal povo não existem. Pela simples razão de que nesse computador não é possível introduzir quaisquer dados sobre o valor da firmeza de princípios e da coerência revolucionária. Pela simples razão de que essa visão do Mundo não abarca a força que têm a determinação, a coragem e a dignidade de um povo. A pequena Cuba, resistindo ao gigante imperialista, é David lutando contra Golias tornando actuais as palavras de José Martí: «Vivi no monstro e conheço-lhe as entranhas; e a minha funda é a funda de David».


É certo e é sabido que Cuba tem vivido nos últimos anos, e vive ainda hoje, momentos particularmente difíceis. As consequências do bloqueio norte americano, avolumadas com o desaparecimento da União Soviética e dos restantes países socialistas do Leste da Europa, traduziram-se num brutal agravamento da situação económica do país e das condições de vida do povo cubano. Um mar de problemas e de dificuldades invadiu a pequena ilha e ameaçou submergir os sonhos, os projectos, os objectivos do seu povo. Por esse mundo fora, muitos foram os que duvidaram da capacidade de Cuba para resistir a essa situação. E não foram poucos os que, peremptórios, anunciaram o dia e a hora do fim de Cuba socialista. A realidade mostrou como estavam iludidos. E essa realidade decorre essencialmente da determinação com que os dirigentes e o povo cubano encararam a situação e lhe fizeram frente, deixando bem claras as suas intenções logo na primeira decisão tomada na sequência da avaliação da nova situação: «resistir, resistir no caminho socialista da revolução». Essa realidade decorre, também, de forma significativa das múltiplas iniciativas de solidariedade com Cuba levadas à prática em todo o Mundo. Na verdade, milhões de homens, mulheres e jovens souberam perceber nesse momento que a luta do povo cubano era, agora mais que nunca, uma luta que dizia respeito a todos os que não desistiram de lutar pela construção de uma sociedade justa, fraterna, solidária, sem exploradores nem explorados; que a luta do povo cubano constitui, ela própria, por isso mesmo, um acto de solidariedade para com a luta pelo futuro travada em cada país; e que a luta do povo cubano precisava da sua solidariedade e do seu apoio.


Entre os que veem as coisas nesta perspectiva estão, concerteza, muitos dos activistas que concretizaram a caravana de solidariedade com Cuba, este magnifico exemplo a que importa dar a continuidade que a solidariedade exige.


«Avante!» Nº 1281 - 18.Junho.98