Toxicodependência
Fazer
recuar o flagelo
Na passada sexta-feira, o PCP apresentou, em conferência de
imprensa, um conjunto de propostas de medidas de prevenção da
toxicodependência, e divulgou a sua apreciação da Sessão
Extraordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o
controlo de drogas, num documento que aqui publicamos.
Na mesa da conferência estiveram Francisco Lopes, da Comissão
Política do PCP Carlos Gonçalves, do Comité Central e da
Comissão Nacional para as Questões da Toxicodependência e
Narcotráfico António Filipe, do Comité Central, deputado do
PCP na AR e da Comissão Nacional para as Questões da
Toxicodependência e Narcotráfico.
No momento em que encerra a Sessão Extraordinária da Assembleia
Geral da ONU destinada aos problemas da Droga, o PCP entende ser
oportuno divulgar uma posição sobre as suas resoluções e
anunciar algumas medidas a adoptar no nosso país para enfrentar
e fazer recuar o flagelo da toxicodependência.
A Sessão
Extraordinária da Assembleia Geral da ONU é uma realização de
grande amplitude, que chama a atenção para a droga como
problema mundial de enorme gravidade, que a partir de uma
avaliação global e multidisciplinar adianta orientações e
medidas, define processos, estabelece compromissos e calendários
e que, independentemente de observações críticas a fazer,
revela uma maior abrangência e profundidade na observação e
resposta ao fenómeno da droga.
São de destacar, pela abordagem inovadora ou pela prioridade
atribuída, aspectos como: a redução da procura; a atenção
particular ao problema dos estimulantes tipo anfetaminas; os
compromissos de controlo dos percursores químicos; o apoio ao
desenvolvimento alternativo; a ideia de que não estão de um
lado os países ditos produtores ou de trânsito e do outro os
ditos consumidores; o reforço da cooperação judicial; a
atenção ao combate contra o branqueamento de capitais e a
recomendação para que o segredo bancário não sirva de
protecção aos branqueadores.
Identificar causas
Há no entanto
aspectos decisivos para enfrentar com êxito estes problemas, em
relação aos quais a Assembleia Geral da ONU passou ao lado.
É o caso da identificação das causas sociais que estão na
base da explosão do consumo de drogas nas últimas décadas e do
seu alargamento a cada vez mais países. Nessa identificação
encontram-se características essenciais do capitalismo: a
exploração, as injustiças sociais, a miséria, o lucro que
cilindra valores fundamentais, uma sociedade que em muitos
aspectos se organiza de forma cada vez mais nociva para o ser
humano. A redução da procura não passa assim apenas por
programas de informação ou controlo das drogas, exige
alterações profundas na própria organização da sociedade.
No mesmo sentido se coloca, para além do anunciado apoio a
países produtores para a substituição de culturas, a
necessidade de uma nova ordem mundial, de travar e inverter
orientações dominantes de desregulamentação e liberalização
da actividade económica, de pôr fim às trocas desiguais e à
dependência, de penalizar os capitais especulativos e de
privilegiar a actividade produtiva, de perdoar a dívida externa
dos países em vias de desenvolvimento e promover decididamente
as suas produções tradicionais e o seu desenvolvimento global.
A Sessão Extraordinária da Assembleia Geral da ONU é um
contributo para uma acção mais alargada e mais eficaz. Mas,
evitando políticas de ingerência e dominação de povos e
países, é absolutamente vital que as resoluções agora
aprovadas tenham uma efectiva implementação e que, vencendo
hipocrisias e cumplicidades, algumas a alto nível no plano
financeiro, económico e político, seja garantida uma
intervenção com real vontade política, para atacar o coração
dos interesses da droga, para confiscar lucros e bens ilegítimos
e eliminar o poder dos que beneficiam do tráfico de droga.
Em Portugal, face à dimensão alarmante da toxicodependência e
à insuficiência de meios e de resultados, é indispensável
acompanhar o alerta e a dinâmica da acção que resulta da
Sessão Extraordinária da Assembleia Geral da ONU, para definir,
aprofundar e concretizar orientações que permitam o salto
qualitativo necessário na resposta à toxicodependência.
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Mais eficácia na
prevenção primária
Associada à exigência de orientações políticas globais que intervenham para alterar os factores de organização e degradação social que conduzem à toxicodependência, o PCP considera que uma das principais prioridades de uma política integrada é a adopção de orientações e medidas para o substancial alargamento e reforço da eficácia da prevenção primária, em geral e dirigida a sectores de risco.
É com este objectivo que o PCP anuncia a próxima apresentação na Assembleia da República de um projecto de lei sobre a definição dos princípios gerais da prevenção primária da toxicodependência e a aprovação de medidas de intervenção em situações de risco e de reinserção social e laboral de toxicodependentes em recuperação.
Do vasto conjunto de orientações e medidas que o projecto de lei contém destacamos quatro aspectos:
1. A generalização, aprofundamento e reforço da prevenção em meio escolar com: a introdução generalizada, nas actividades curriculares e extra - curriculares dos ensinos básico e secundário, da temática dos estilos de vida saudáveis e da perigosidade do consumo de substâncias tóxicas; a criação de equipas de apoio à prevenção em meio escolar; a designação, em cada escola do 2º e 3º ciclo do ensino básico e do ensino secundário, de um professor que assuma as funções de coordenação e dinamização das acções de prevenção da toxicodependência em articulação com toda a comunidade escolar.
2. A superação da quase completa ausência de formação em áreas relacionadas com a toxicodependência no ensino superior preconizando-se a inclusão de formação específica em matéria de toxicodependência na definição dos conteúdos curriculares dos cursos superiores, nomeadamente de medicina, enfermagem, psicologia, ciências sociais e de formação para a docência.
3. A determinação das áreas, bairros, situações ou grupos de risco de expansão epidémica da dependência de drogas, medida da maior importância para dar eficácia à prevenção primária da toxicodependência. Nesse sentido o PCP propõe não apenas o conceito de "situação, área ou grupo de risco de expansão da toxicodependência" mas igualmente a adopção de medidas específicas de intervenção: declaração de risco, tipificação da situação; designação de uma equipa técnica responsável pela resposta; elaboração do plano de intervenção global e a dotação dos meios humanos, técnicos e financeiros para uma acção eficaz nesse âmbito.
4. A criação de um dispositivo nacional de centros de apoio em situações de risco confirmado de expansão da toxicodependência, baseado em centros de apoio fixos ou móveis. Medida de grande actualidade e urgência, dado que certas áreas e bairros se têm vindo a transformar em hipermercados de droga, e em autênticos guetos onde toxicodependentes se vão aglomerando em condições infra-humanas, numa situação que exige medidas de excepção no plano da assistência, do apoio social e médico-sanitário, de redução de riscos, sempre com o objectivo de encaminhamento para soluções de tratamento e recuperação. A detecção destas situações de risco confirmado e a adopção de estratégias de intervenção coloca-se como exigência antes de a situação atingir os níveis dramáticos que atingiu no Casal Ventoso.
No quadro de uma política integrada e entre outras iniciativas, este é um contributo a somar ao de outros, num combate que é essencial travar para enfrentar e fazer recuar a toxicodependência em Portugal e no mundo.