Direitos dos militares
PCP quer acabar com restrições injustas


O regime de exercício de direitos fundamentais pelos militares esteve em debate no Parlamento. A discussão foi suscitada por um projecto de lei do PCP visando alterar, designadamente, a limitação vigente quanto ao direito de associação dos militares. O diploma baixou à comissão, sem votação, onde aguardará por uma proposta de lei do Governo sobre a matéria.

Em causa está, sobretudo, o polémico artigo 31º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, aprovado em 1982, o qual, no entender da bancada comunista, impõe "excessivas, injustas e desproporcionadas" restrições. Essas restrições incidem no plano dos direitos de associação, petição colectiva, expressão, reunião, manifestação e capacidade eleitoral passiva.

Foram várias as razões invocadas por João Amaral para justificar as "reformulações urgentes" propostas pela sua bancada. Desde logo, assinalou, está o facto de o legislador do artigo 31º não ter observado, no plano material, "dois princípios jurídicos fundamentais". Em sua opinião, esquecido foi que o "princípio que rege a ordem jurídica portuguesa quanto ao exercício de direitos é o da plenitude desse exercício". Significa isto que a Constituição e o regime democrático "não desconfiam dos direitos fundamentais, assumem-nos pela positiva, com confiança", ao contrário de toda a lógica do artigo 31º que, sustentou, "é o da desconfiança, a do temor, a da negação".
O segundo princípio que na perspectiva de João Amaral foi também esquecido diz respeito ao artigo 18º nºs 2 e 3, segundo o qual "as restrições de direitos não podem ser excessivas, devem limitar-se ao necessário, devem ser proporcionais e não devem nunca descaracterizar o conteúdo essencial dos direitos que restrigem". Ora. lembrou João Amaral, "estes princípios têm expressão no próprio artigo 270º, que só permite restrições «na estrita medida das exigências das suas funções próprias»".
Resulta claro, pois, que as restrições impostas pelo artigo 31º "não podem deixar de ser consideradas excessivas", no entender de João Amaral, que, entre os vários exemplos por si citados, referiu a proibição pura e simples de apresentação de petições colectivas, quando é certo que o artigo 270º da Constituição só permite restrições e não proibições de exercício de direitos.
Recordado por João Amaral foi ainda o contexto político em que se deu a aprovação do artigo 31º e que ajuda a compreender as razões pelas quais este é, do seu ponto de vista, um artigo que traduz "uma espécie de «vingança servida a frio», um acto de revanche, de profunda desconfiança dos militares, particularmente dos que mantinham vivos os ideais do 25 de Abril".
É que, lembrou, estava-se em 1982, quando o poder político resolveu extinguir o Conselho da Revolução e acabar com a intervenção dos militares e mandá-los para os quartéis. "O artigo 31º nasce de um confronto político, com o poder político determinado em calar os militares, impondo-lhes mesmo um estatuto diminuído de cidadania", sublinhou João Amaral, explicando assim por que é que em sua opinião ele "nasceu torto".

Passados 16 anos sobre a aprovação do artigo 31º , quando o tempo se encarregou já de apagar as "razões conjunturais de política" que estiveram na sua génese, quando "o mundo é outro" e Portugal também mudou profundamente, é, por conseguinte, mais que tempo, como sublinhou o deputado do PCP, "para acabar com o seu carácter anti-direitos e dar-lhe uma feição mais democrática e mais consentânea com os nossos tempos".
Tanto mais que, desde então para cá, acrescentou, foram ainda aprovadas duas resoluções no quadro das instituições europeias, recomendando, qualquer delas, a consagração nas legislações nacionais da permissão de os militares terem o direito de criarem associações profissionais.
É, pois, nesse sentido que vai a alteração proposta pelo PCP, ao preconizar não apenas associações profissionais com competência deontológica - como hoje a lei só admite -, mas a constituição de associações profissionais com poderes de representação.

Desmontado por João Amaral foi ainda, por último, o argumento dos que acusam a proposta comunista de ser uma fonte de indisciplina. Considerando-o "caricato e imjurioso", explicou porquê: "caricato, porque a proposta do PCP corresponde a uma realidade de outros países da NATO, que não conta que tenham Forças Armadas pouco eficazes; injurioso, porque isso é fazer dos nossos militares uns irresponsáveis, é querer amarrá-los a um estatuto de cidadãos de segunda".


«Avante!» Nº 1281 - 18.Junho.98