Guiné-Bissau
Militares
contra «Nino» Vieira
Cerca de duas mil
pessoas saíram do país a bordo do navio português «Ponta de
Sagres», chegando a Dacar na sexta-feira à noite. A bordo
viajaram muitos portugueses, mas também cidadãos de outras
nacionalidades.
A água e a comida escasseiam, e as associações humanitárias
chamam a atenção para o perigo de se espalhar uma epidemia de
cólera ou de se agravar a situação da malária.
Bissau está irreconhecível, com muitas casas destruídas,
soldados em quase todas as artérias e, segundo o bispo Settimio
Ferrazetta, «centenas de mortos espalhados pelas ruas». As
embaixadas da França, dos Estados Unidos, da Rússia e o
edifício da representação da União Europeia foram também
atingidos.
Aparentemente, o
cenário político não será alterado a curto prazo. Os
revoltosos liderados pelo brigadeiro Ansumane Mané afirmaram na
televisão, na segunda-feira, que «caso não haja negociações
vamos continuar». «Temos tropas por todo o país: temos
mísseis terra-ar, temos canos especiais de anti-aérea, temos
mísseis do tipo Stinger prontos a abater qualquer
avião», anunciou o porta-voz do grupo.
Apesar desta atitude ofensiva, o major Melcíades Gomes Fernandes
declarou que «nunca pretendemos mandar neste país. Nem ser
directores-gerais, quanto mais ministros!». Nas suas palavras,
«não se trata de um golpe de Estado», mas de uma acção que
procura «restabelecer a justiça no país e garantir eleições
livres».
No sábado, as instalações militares de Brá, onde os revoltosos se concentraram, foram tomadas pelos soldados de Bissau, de Conacri e de Dacar. As forças de Mané deslocaram-se para outras instalações do exército próximas daquele local. Fontes oficiais anunciaram a acção como uma importante vitória, mas poucas foram as alterações consequentes.
Os objectivos dos revoltosos
Os soldados
rebelaram-se no domingo, um dia depois de o seu líder, o chefe
do Estado Maior-General das Forças Armadas Ansumane Mané, ter
sido demitido do seu cargo, devido ao seu alegado envolvimento
num caso de tráfico de armas para Casamança. Segundo os
revoltosos, o próprio Presidente teria sido o «mentor» do
polémico caso, pelo que defendem que «devia comparecer»
perante a justiça.
Num comunicado manuscrito enviado ao delegado da agência Lusa na
Guiné, no dia 9, a Junta Militar revoltosa apresenta como
principais objectivos a demissão do Governo e do Presidente
«Nino» Vieira e a realização de eleições «livres e
transparentes» em Julho próximo.
«Não somos ambiciosos e nem estamos interessados em assaltar o
poder, porque somos militares e, como tal, o nosso lugar é o
quartel», lê-se no documento, onde acrescentam que «as forças
que se encontram sob o poder do Governo não são suficientes
para fazer face às forças de que dispomos. Podíamos há muito
lançar uma ofensiva generalizada, mas não queremos atingir a
nossa população inocente».
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Comunidade
internacional condena rebeldes
A comunidade internacional não hesitou em condenar o levantamento rebelde guineense e aceitou sem comentários a ingerência de tropas estrangeiras no conflito. As forças da Guiné-Conacri e do Senegal continuam no país, apoiando «Nino» Vieira. Este facto foi comentado por Albano Nunes, membro do Comité Central e do Secretariado do PCP, na quinta-feira passada. Em nome dos comunistas portugueses, Albano Nunes congratulou-se com a retirada dos portugueses da Guiné, mas manifestou preocupação em relação às ingerências estrangeiras no conflito.
O Presidente
português Jorge Sampaio enviou uma mensagem ao seu homólogo
guineense, manifestando-lhe a sua «solidariedade» e
«preocupação». «Faço sinceros votos para que o rápido e
indispensável restabelecimento da legalidade constitucional e
democrática se possa lograr com os mens custos humanos e
materiais», acrescenta.
Por seu lado, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama,
apelou à rápida conclusão da questão «para que a
Guiné-Bissau normalize a sua vida política, como país
democrático, no respeito pelos Direitos do Homem, prosseguindo a
experiência que o Presidente «Nino» Vieira iniciou há alguns
anos».
A União Europeia condenou «a tentativa de golpe militar» e
pediu o «rápido restabelecimento da ordem constitucional e da
segurança», numa posição adoptada durante uma reunião do
Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros dos Quinze.
A OUA condenou «com firmeza» as acções do grupo chefiado por
Mané e «expressa a sua solidariedade ao Presidente, ao Governo
e ao povo da Guiné-Bissau».
O primeiro-ministro cabo-verdeano, Carlos Veiga, classificou a
situação como «extremamente grave» e afirmou tratar-se «de
uma tentativa de alterar a ordem constitucionalmente estabelecida
por meios violentos, portanto nós repudiamos e rejeitamos em
qualquer circunstância uma tal tentativa».
O presidente moçambicano também partilha esta opinião. «O que
se passa é mau. Toda a África já tinha chegado a consenso de
que todas as mudanças que tenham que ocorrer devem ser de forma
democrática, todos os problemas que existem devem ser resolvidos
pela via do diálogo», afirmou Joaquim Chissano.
Para o presidente de São Tomé, Miguel Trovoada, «não será
pela via das armas que os nossos países podem resolver os seus
problemas».