Diferenças significativas

Por Jorge Pires
Membro da Comissão Política do CC do PCP


Nos dias 6 e 7 de Junho reuniram na cidade de Setúbal em Congresso da respectiva federação os socialistas do distrito. No mesmo dia em que este congresso foi encerrado com pompa e circunstância, mas onde não se ouviu uma única referência ao Referendo do próximo dia 28, tanto na intervenção do ex-ministro António Vitorino, como do actual responsável distrital eleito uns dias antes do congresso, decorreram nos Concelhos de Setúbal, Moita e Montijo as respectivas Assembleias das Organizações do PCP.

Não é minha intenção imiscuir-me na vida interna do PS no Distrito de Setúbal, mas não posso deixar de nesta fase da vida nacional em que se fala muito na democracia interna dos partidos, e da abertura destes à sociedade, e que muitos dos analistas que sobre esta temática escrevem sobre o PCP, são pessoas directa ou indirectamente ligados ao PS, mas também porque hoje insistentemente se questiona a forma como se faz política e os seus protagonistas, chamar a atenção dos menos atentos para alguns aspectos das práticas deste partido comparando-as com as do PCP e desta forma mostrar não serem os partidos e os políticos todos iguais, bem como deixar claro que nestas como noutras matérias o PCP não recebe lições do PS.
Nestas quatro iniciativas de grande significado político, com âmbito e responsabilidades diferentes, podemos apesar disso encontrar duas diferenças fundamentais na forma de estar e fazer política, que sublinhamos com justificado orgulho.

A primeira é que enquanto na reunião magna dos socialistas do distrito, a questão central do debate se centrou, a avaliar pelas várias moções de estratégia, em aspectos relacionados com o poder (o poder conquistado, como mantê-lo hoje, e como vir a reforçar nos actos eleitorais até 2001), sem o mínimo de autocrítica, face às fortíssimas responsabilidades que partilham com o governo do seu próprio partido na não concretização dum conjunto vasto de promessas eleitorais não cumpridas e procurando através dum conjunto de generalidades, fugir à discussão concreta dos problemas que afectaram o distrito e a sua população, nas três assembleias das organizações concelhias do PCP, a prioridade do debate centrou-se nas pessoas que habitam ou apenas têm a sua actividade profissional nos respectivos concelhos, nos problemas que as afectam, nos níveis de qualidade de vida e na satisfação de necessidades fundamentais, na dignificação do trabalho e do trabalhador e sobretudo na procura de soluções para resolverem os seus problemas, que em grande medida são consequências das políticas seguidas pelo governo do PS nestes quase 3 anos de governação.

A segunda, que marca de forma inequívoca uma diferença substancial na participação democrática dos militantes na vida interna dos partidos, está no envolvimento de muitas centenas de camaradas, apesar de ainda insuficiente, tanto na fase preparatória como na realização das assembleias das organizações do PCP, envolvimento a partir do qual é possível construir, já com a integração de muitas opiniões vindas de vários sectores da vida económica, social e cultural do meio onde estas organizações estão integradas, as propostas e as medidas que melhor servem os interesses colectivos.

Ao contrário, no congresso distrital do PS discutiu-se à volta dum conjunto de propostas genéricas apresentadas por alguns (poucos) que através das suas moções de estratégia procuraram acima de tudo posicionarem-se face aos lugares em aberto na estrutura partidária, mas sobretudo nas estruturas do poder público local, regional e nacional, leitura que nos é confirmada a partir das próprias moções de estratégia como são exemplo dois parágrafos que passo a citar: "É bom não esquecer que muitos dos que hoje ocupam lugares no aparelho de Estado em nada contribuíram para essas vitórias, porque nada fizeram", e "Mudar de atitude evitando jogadas pessoais, o atropelo de camaradas que podem ter mesmos interesses que nós, transformando a inveja em relação aos mais bem sucedidos em orgulho pelo seu sucesso, tentando com persistência concretizar os nossos objectivos, mas sempre com ética e solidariedade".

São apenas dois exemplos do nível que a discussão atingiu num congresso em que procuraram disfarçar as suas fraquezas criticando e injuriando aqueles que ao longo dos anos tudo fizeram para colocar o distrito no índices mais elevados de qualidade de vida a nível nacional. Esses são o PCP e muitos outros que connosco têm trabalhado, nomeadamente socialistas.
Quando falamos de democracia interna, e participação dos militantes, ou de abertura à sociedade não estamos a falar na participação de alguns, mas do colectivo partidário, não estamos a falar da valorização do eu em detrimento do nós, não estamos a falar de falsas promessas e da instrumentalização das pessoas para ganhar votos. Estamos sim a falar dum espaço onde a valorização do indivíduo é estimulada e enriquecedora da opinião colectiva, onde a abertura à sociedade se faz na ligação permanente aos cidadãos, e às massas, procurando interpretar os seus anseios, estando com elas nas pequenas e grandes causas, nunca procurando a sua instrumentalização e muito menos prometendo aquilo que não podemos ou não queremos fazer, como via para chegar ao poder pelo poder.

O mínimo que se pode exigir a um partido que através do voto popular assumiu as responsabilidades de poder que o PS tem hoje no plano nacional e distrital, é que diga aos cidadãos que ali vivem ou trabalham quais as propostas que tem para o desenvolvimento daquela importante região, ou sobre o conjunto de problemas que afectam os trabalhadores, os jovens que não vêem motivações e saídas para a concretização das suas aspirações, as mulheres que continuam a ser penalizadas com o desemprego e os idosos que não vêm as suas pensões de reforma actualizadas para valores compatíveis com a dignidade que o Outono da vida merece.

Por exemplo seria interessante responderem a um conjunto de interrogações que passo a referir:

- que opinião têm sobre as consequências da escandalosa política de privatizações aprofundada por este governo do PS, no tecido económico e no plano de emprego, em que a taxa de desempregados se mantém no dobro da média nacional (+ de13%), mas também o que pensam sobre as propostas de alterações às leis laborais que o Governo do seu partido pretende fazer aprovar, as quais vão penalizar fortemente os trabalhadores?

- Que têm a dizer aos trabalhadores da Sodia (Ex-Renault) e da Torralta, que ou vão para o desemprego ou aceitam alternativas em piores condições salariais e outras regalias, que tinham conquistado durante anos de trabalho e luta, ou como no caso da Torralta os que conseguem manter-se na empresa ficaram com o corte significativo de direitos, tudo isto com o conhecimento do Governo?

- O que pensam, já que falaram muito em solidariedade, sobre a mais que provável privatização de importantes funções sociais do Estado na áreas da saúde e Segurança Social, mas também que iniciativas vão tomar junto do Ministério da Saúde para forçarem o governo à concretização duma grande aspiração das populações do Litoral Alentejano que é a inclusão da maternidade no Hospital de Santiago do Cacém?

- Que propostas têm para a área do ambiente, ou o que têm a dizer sobre o facto da ministra não dar respostas positivas a um conjunto significativo de propostas das autarquias do distrito relativamente ao tratamento de águas residuais, abastecimento de água à península, entre outros? Mas também e tendo em conta importantes responsabilidades autárquicas que têm no concelho de Setúbal, que dizem sobre a proposta do governo de autorizar a Secil em pleno Parque Natural da Arrábida e incinerar resíduos industriais peigosos? Será que não têm opinião ou estão a esconder que vêem nesta possibilidade uma forma de resolver problemas financeiros da Câmara?

- Que opinião têm sobre a forma como o governo tem vindo a tratar o Metro Sul do Tejo, comparativamente ao do Porto? Ou sobre a resposta que não chega para satisfação das reivindicações de milhares de utentes que fazem travessia do Tejo entre Barreiro e Lisboa para a instalação de barcos rápidos?

Sobre tudo isto e muito mais que tem a ver com o quotidiano dos cidadãos o congresso não disse nada. Não disse porque ou não tem opinião ou o comprometimento com as políticas do governo determina a postura do PS no distrito e impede-o de explicar porque razão o discurso e a prática não coincidem.
Estou de acordo com a afirmação feita no programa de candidatura o actual presidente da federação distrital do PS, "que só um partido motivado para a discussão dos temas que mobilizam as vontades dos cidadãos, poderá aspirar a assumir-se como líder num distrito ou numa região", só lhe faltou concluir que o seu PS não preenche estas condições.

O distrito de Setúbal é uma região de que o país não pode deixar de se orgulhar com justiça, dado os níveis de qualidade de vida e de satisfação de necessidades fundamentais das populações que se conseguiram relativamente à média nacional. É uma obra extraordinária que tem a marca do PCP, dos seus aliados e de milhares de homens e mulheres, sem filiação partidária, que connosco têm trabalhado nos órgãos autárquicos. Obra que não tem sido acompanhada ao mesmo nível nas áreas de intervenção e responsabilidades dos sucessivos governos.
Por tudo isto para o distrito e para as suas gentes a alternativa é o reforço do PCP, é a opção por uma verdadeira alternativa política que congregue todos aqueles que se têm situado numa posição crítica relativamente às orientações neo-liberais do governo do PS.


«Avante!» Nº 1281 - 18.Junho.98