A
Reabilitação Urbana
nos Bairros Históricos de Lisboa
Por António
Abreu
Membro do CC do
PCP, vereador da CM Lisboa
Muitas
cidades procuram fixar a população dos seus centros, mais ou
menos antigos, quando eles a começam a perder, perdendo com isso
identidades, vida própria e relações de vizinhança.
A reabilitação urbana nos bairros históricos de Lisboa
procura, com essa fixação, atenuar os movimentos pendulares
durante o dia, a periferização da cidade, a desertificação e
a insegurança, o desenraízamento, a perda de relações de
vizinhança e solidariedade entre a população, do património
urbano e arquitectónico, da identidade dos bairros e da
coexistência de diferentes funções urbanas, nomeadamente o
pequeno comércio, os serviços de proximidade, a vida
associativa e cultural.
Esta reabilitação
tem como elemento fundamental a melhoria das condições de
habitação e salubridade, mas não se resume a ela, procurando
intervir, de forma integrada, no restante espaço urbano e na
vida económica e cultural, estimulando a estima dos residentes
pelos bairros, as potencialidades turísticas e a segurança. As
potencialidades destas intervenções integradas, quando
aplicadas a um equipamento ou a um conjunto mais notável, são
as de atrair para elas novas fontes de financiamento (projectos
integrados).
A reabilitação urbana destes bairros, para cumprir estes
objectivos, exige uma forte intervenção do município e do
Estado, já que o baixo nível de rendimentos da população
e de alguns proprietários dos prédios, conduziria os processos
de reabilitação, apenas baseados no mercado, a alterações
significativas da população residente e a situações
contraditórias com os objectivos atrás enunciados.
Naturalmente que a preocupação em fixar a população não
impede a sua renovação e as actividades económicas e culturais
próprias, a criar, procuram integrar na modernidade a identidade
e permanência culturais.
Esta intervenção tem sido feita também em equipamentos
onde serão integradas diferentes funções e que exigem uma
gestão municipal participada pelas populações para poderem ser
factores de dinamização da vida local. Para a gestão destes
equipamentos foi mesmo constituída uma empresa municipal
a EBAHL, Equipamentos dos Bairros Históricos de Lisboa, EP.
Esta participação da população é aliás uma das
características da intervenção. De facto, os gabinetes locais
de reabilitação urbana, interdisciplinares, estão fortemente
implantados nos bairros, em articulação com as juntas de
freguesia, associações e outros actores locais, com quem vão
definindo as prioridades de intervenção.
Como em todos os processos em que o município intervém no
quotidiano das pessoas, por vezes com graves problemas e
angústias, a reabilitação urbana dos bairros históricos não
é um processo linear, é questionável, tem que ser avaliado e
questionado nos objectivos e modos de agir para os realizar, tem
que rejeitar decididamente concepções tecnocráticas e
pretensamente modernas que pretendem impor soluções,
construções assentes na destruição do que existe ou na
remissão do que existe para museus.
Os bairros onde decorre
Os bairros
históricos são os mais velhos bairros do centro da cidade e
estão assentes em colinas laterais aos principais eixos
viários. Têm como organização visível mais antiga do tecido
urbano a cidade árabe. Outros nasceram no século XIV.
A reconstrução posterior ao terramoto de 1755 manteve a
estrutura pré-existente nestes bairros, enquanto a zona da Baixa
se baseou num traçado iluminista e numa construção de grande
qualidade arquitectónica e estrutural. Enquanto esta zona se
transformou no centro de negócios e perdeu a sua população
residente, os bairros das colinas foram-se despovoando
parcialmente, perderam vitalidade económica, degradaram-se por
falta de conservação e modernização.
Algumas parcelas destes bairros foram desaparecendo quando
vigorava a tese de que a modernização e a salubridade exigiam a
construção de novo sem garantir a continuidade das
pré-existências. Porém, a consciência cívica de
reabilitação urbana nos últimos vinte e cinco anos formou-se
na perspectiva de valores e identidades que devem ser
salvaguardados e de que a durabilidade do edificado se assegura
melhor, transformando na continuidade e sem rupturas.
Origem e evolução
A reabilitação
urbana decorre da participação popular e das lutas
urbanas posteriores ao 25 de Abril de 1974, a que o município
respondeu com a instalação de gabinetes locais para intervir
num parque habitacional muito degradado, privado, na sua maioria
ocupado por residentes de fracos recursos em processo de
envelhecimento. Só a partir das mudanças políticas
operadas no município nos finais da década de 80, esta resposta
passou a ter a dignidade de eixo estratégico e inovador na
gestão urbana. A partir daí as zonas de intervenção foram
alargadas, abrangendo, desde então, um conjunto de 56 mil
habitantes de 26 mil fogos. Criou-se uma Direcção Municipal de
Reabilitação Urbana que coordena e apoia tecnicamente as
intervenções e integra competências que nos pontos da cidade
estão divididas por diferentes serviços, os recursos humanos
aumentaram cinco vezes e os financeiros oito vezes.
Foram ainda criados os instrumentos jurídicos e financeiros
de apoio a este processo. Criaram-se para estes bairros
instrumentos legislativos especiais. Estas zonas foram declaradas
"zonas críticas de reconversão e recuperação
urbana", o que equivale a declaração de utilidade
pública para efeitos de expropriação. O município pode
exercer o direito de preferência na venda de
propriedades. Os proprietários, inquilinos e o município têm
ao seu dispor o programa RECRIA que prevê um
financiamento a fundo perdido que pode atingir 85% nos bairros
históricos (65% nos outros bairros). O município pode
substituir-se aos proprietários nestas obras quando estes as
não realizarem. Um outro programa, suscitado pela Câmara
Municipal de Lisboa junto do Governo, o REHABITA, permite
ao município financiamentos, sendo 50% a fundo perdido e os
outros 50% a taxas bonificadas para os realojamentos definitivos
ou provisórios decorrentes das operações de reabilitação
urbana ou da compra ou construção desses fogos. Este último
programa só é aplicável nas "zonas críticas" que
disponham de planos de urbanização. Estes têm sido elaborados
pelos Gabinetes Locais, em estreita ligação com a população,
e beneficiando da sua própria experiência de gestão.
O que se faz,
como se faz
As intervenções
no edificado são reduzidas ao mínimo e procuram assegurar a
estabilidade e durabilidade das construções, garantindo
condições de habitabilidade e salubridade, respeitando a traça
original e eliminando elementos que a adulterem, e são
realizadas segundo as técnicas e os materiais originais.
Este tipo de reabilitação reduz o desperdício de materiais,
recupera tecnicas tradicionais de construção que recorrem a
materiais naturais e à conservação passiva de energia (calor e
frio), permitem uma mais forte incorporação de mão-de-obra
e recorrem a mais de mil postos de trabalho que reduzem o
desemprego local, procurando ir ao encontro de preocupações
ecológicas e sociais, de poupança de energia e de
sustentabilidade.
As associações locais são directamente apoiadas para as
suas próprias obras, a valorização do seu património e a
realização das festas populares.
Por outro lado, à parte dos planos de urbanização, definiu-se
uma série de acções com vista a elevar a qualidade
ambiental, como por exemplo acontecerá, a partir de 1 de
Julho, na Colina do Castelo, com o reforço da acessibilidade a
este monumento pelos transportes colectivos, com a redução do
tráfego automóvel e a pedonização de vias.
Como referimos atrás, depois de numa base inicial, dada a
gravidade da degradação da habitação, se ter intervido
pontualmente, de acordo com prioridades definidas, passou-se, há
quatro anos, a intervir de maneira a dinamizar as actividades
económicas, culturais e sociais e a melhorar as condições de
vida nestes bairros, até devido à necessidade de procurar novos
apoios à intervenção, decorrentes de reduções orçamentais
verificadas em 1994 e 1995. Os projectos integrados
tornaram-se, então, em importantes projectos-âncora de
desenvolvimento integrado, com a participação de diferentes
actores e parceiros. Arrancou-se, em cada um dos bairros, com um
destes projectos, alguns dos quais estão mais avançados:
Resultados atingidos
Até Maio de 1997
foram reabilitados cerca de 5 800 fogos 29% do total. O
custo por fogo é cerca de metade do que teria se fosse
construído um novo fogo social. Como os privados intervêm com
38%, os fundos públicos necessários correspondem à quarta
parte do custo do fogo social. Os investimentos até essa data
tinham totalizado 19,2 milhões de contos, sendo 41% do
município, 19% do Estado e 40% dos privados.
Antes da criação do REHABITA estimávamos, há 3 anos atrás,
que seriam ainda necessários 20 anos para reabilitar estes
bairros. Com este novo programa, pode admitir-se que o processo
demore metade desse tempo, pois tornou o anterior RECRIA mais
atractivo para o município e particulares, devido ao aumentos da
comparticipação do Estado. Isto é, depois de iniciado nos
finais dos anos 90, este processo de reabilitação urbana deve,
no essencial, estar concluído no final da próxima década.
O futuro do processo
de reabilitação urbana
Na próxima década importa prosseguir coerentemente este trabalho.
Acelarando e concluindo o trabalho de reabilitação urbana;
Melhorando a qualidade de vida e o ambiente urbano nos bairros históricos;
Concluindo os projectos integrados;
Valorizando as zonas históricas através da requalificação do espaço público e a reabilitação e valorização dos equipamentos existentes;
Aprofundando a participação da população;
Criando condições para serem declaradas novas áreas de intervenção;
Assegurando no município adequados níveis de investimento e de quadros do pessoal técnico e procurando a participação de outros parceiros e investimentos.