Em Inglaterra
Nova
imigração
velha exploração
Por Manoel de Lencastre
A emigração para Inglaterra, hoje, é diferente. Usa
uma mobilidade que os pioneiros não podiam sequer imaginar. É
menos estável no país de destino. Muito mais jovem. Não tem
projecto. Extremamente agitada e confiante vende a sua força de
trabalho, precariamente, e desaparece. Já não existem vínculos
entre as entidades patronais e estes modernos imigrantes
"journeymen" e "journeywomen" sem educação
de base e sem qualificações. Deixaram de estar submetidos a
controlos de fronteira e viajam, livremente, sem passaporte. O
velho "work permit" (licença de trabalho que era
emitida pelo Home Office) perdeu significado. Alguns, entre os
que emigraram há 20 ou 30 anos, guardam esse extraordinário
documento como peça digna de museu.
Nestas condições, quem são os modernos emigrantes
portugueses que partem para Inglaterra em busca de trabalho? Como
disse, são bastante jovens. Eliminadas, agora, as tenazes
barreiras que condicionavam a entrada na Grã-Bretanha, chegam a
este país quase alegremente. Já não existe o emigrante que
temia o fantasma de condições que não conhecia e recuava
perante o desconhecido do idioma inglês. Agora, quase todos
"arranham" a língua de Shakespeare e chegam a Londres
na certeza de que encontrarão trabalho imediatamente (precário)
mesmo a níveis de remuneração abismalmente baixos. Mas o jovem
trabalhador chama "liberdade" a estas condições e
avança. Dorme em qualquer sítio, agrupa-se, participa logo em
festas de carácter duvidoso, gasta "livremente" as
poucas libras conseguidas nesse próprio dia e prepara-se para
nova jornada de aventura na manhã seguinte. Mantém firme na sua
perspectiva a hipótese de sair de Inglaterra e tentar fazer o
mesmo estilo de vida noutro país até voltar a Portugal e
"fazer férias" em casa de familiares, com amigos,
deslocando-se, distanciando-se das realidades, tornando-se num
desconhecido. O tempo célebre dos "journeymen", que
ajudaram a fazer a Inglaterra, regressou e estabeleceu-se em
todos os países da liberdade e da democracia. Estamos a viver
tempo de trabalhos e actividades "macdonalizados". A
aceitar ou experimentar a exclusão e a fome.
Mantém-se, porém, a tradição de busca de trabalho na
indústria hoteleira, cafés e restaurantes. Trabalho precário,
como se disse, pagável à hora e sem garantias. Nos hospitais
londrinos, a presença de trabalhadores portugueses é ainda
bastante visível. Mas os hospitais diminuíram em número porque
a crise social britânica conduziu ao encerramento de muitos.
Surgiram, é certo, bastantes unidades hospitalares particulares
mas, essas, dispersaram-se por áreas distanciadas do centro e os
"novos" portugueses (e portuguesas) que buscam trabalho
em Inglaterra não querem afastar-se das zonas da Grã-Bretanha.
Conhecemos meia dúzia delas em Cardiff, em Bristol, Manchester
ou em Birmingham, um ou dois em Glasgow o resto não
conta.
Consulado
um ninho salazarista
No tumulto da
modernidade, as velhas estruturas cederam. Diz-se, agora, que a
imigração portuguesa já excede o número de 50 000 pessoas. O
Consulado, sempre tão cioso em manter os velhos processos do
salazarismo e onde a ossificada tendência para
"julgar" as pessoas antes de conceder-lhes um
passaporte se mantém viva, perdeu-lhes o controlo e o rasto. Já
se fala, talvez com exagero, em 100 000 portugueses. Alguns, mais
espertos, concluiram que isto da presença portuguesa em
Inglaterra é um mercado. E, sendo assim, logo pensaram em
explorar esse mercado e criar rendimentos e lucros procurando
oferecer resposta às necessidades e aos problemas dos
compatriotas. Os homens e as mulheres de iniciativa começaram a
surgir.
Coisa impensável e impossível, há 30 anos, as actividades
portuguesas na zona de Londres são já tão vastas que
permitiram (ou exigiram) a publicação de uma lista telefónica
própria. Distribuída gratuitamente, já vai na sua 3.ª
edição. Trata-se, sem dúvida, de uma preciosíssima
publicação que tira 30 000 exemplares e que os nossos
compatriotas João Ramalho e Paula Ramalho dirigem. Folhear a
lista telefónica portuguesa da área de Londres é conhecer a
nova Londres portuguesa, o novo mercado onde tudo se procura e
oferece, vende e compra. É conhecer uma nova era, diferente
daquela vivida por um nosso amigo que trabalhou há 30 anos na
Royal Shakespeare Company e conheceu Lénine.
A nova Londres portuguesa
Eis o portugal
londrino, ou algumas das suas actividades. Não faltam advogados.
Por exemplo: Figueiredo & Co., que trata de assuntos civis,
criminais e comerciais; D. Lourdes Prazeres, que trata de
bilhetes de identidade e registos criminais; Harris da Silva, com
escritório em plena City Road. As agências de emprego, tal como
as de viagens, devem ter negócio garantido são muitas.
Outros grandes e pequenos negócios do Portugal londrino:
automóveis de aluguer, com ou sem motorista;apartamentos para
férias no seu país natal; entre as companhias de aviação,
evidentemente, aparece a TAP, ainda a mãe de todos os meios de
transporte entre Portugal e a Inglaterra; no sector dos Bancos,
eles aí estão, todos em busca de recolhas das economias dos
imigrantes (em libras, que é o que pretende): o Totta &
Açores, cujo manual de exigências para que se abra uma conta
é, simplesmente, de antologia; o Espírito Santo, o Mello, o
Nacional Ultramarino, o Pinto & Sotto Mayor, todos com
escritórios próprios, e o Borges & Irmão, apenas com um
agente. De todos estes bancos, só o Totta & Açores possui
balcão os restantes funcionam como representações.
Aliás, os bancos portugueses, segundo as imposições do Banco
de Inglaterra, não podem transaccionar como "clearing"
e as suas operações de cobrança de cheques no mercado
britânico têm de ser efectuadas através de um dos bancos
ingleses. Quer dizer: o português deposita um cheque no BES, por
exemplo, e este tem, por sua vez, de depositá-lo num banco
inglês assim, muitos dos nossos compatriotas chegaram à
conclusão de que lhes é mais favorável fazer os seus
depósitos directamente nos bancos britânicos. Mas os nomes
portugueses continuam no imaginário dos imigrantes. Os referidos
Bancos nacionais conseguem chamar a si valores consideráveis.
O sector dos cafés e pastelarias é admirável. O "Café de
Portugal" oferece pastelaria, sandes, almoços; a
"Patisserie Estoril", a "Lisboa Patisserie"
dispõem de fabrico próprio. Muito activas, também, a
"Madeira Patisserie" a "Oporto Patisserie", e
a "Vila Franca Patisserie" que oferece serviço de
mercearias com bacalhau, chouriço, cervejas e azeitonas, tudo
recebido de Portugal; no "Café Algarve", no
"Café Cascais", no "Continental Snack-Bar",
no "Madeira Star", no "Mangualde", no
"Café do Orlando" em plena zona de Kings Cross,
no "Ponto de Encontro", no "Sintra",
servem-se petiscos nacionais e as inevitáveis "bicas"
de que os portugueses continuam inseparáveis.
A.P.I., ainda e sempre
Entre as
associações e os clubes de recreio e actividades culturais,
surge em primeiro lugar a gloriosa e sempre orgulhosa dos seus
princípios democráticos e antifascistas Associação dos
Portugueses na Inglaterra. Depois, notam-se a ressuscitada Liga
do Ensino e da Cultura, o também antigo Centro Desportivo e
Cultural, o Clube Lar Português, o Clube Portugues a Família, o
Clube Santacruzense, o Madeira Centro. Mas, significativamente,
dado o interesse que o futebol continua a despertar, também os
principais clubes portugueses estão representados em Londres: o
Sport Londres e Benfica cujas actividades em Botts Mews No.3 são
extensas, O Sporting Clube de Londres e o FC Porto of London.
Na construção civil, nas inúmeras tarefas de decoração,
pintura, serviços eléctricos, na contabilidade, nas escolas de
condução-automóvel, nas garagens, nas reparações de
viaturas, verificamos um extraordinário movimento que atinge as
necessidades dos portugueses e emprega, certamente, muita gente.
Por exemplo, a "Mendes Garage", oferece serviço de
pinturas e bate-chapas, banco de ensaio, tal como a "Auto
Lisboa" a "V.A. Autos". A rubrica Igrejas oferece
serviços variados Lady of Hal", "St. Mary of
the Angels", "Christ Church", "St. Thomas of
Canterbury". Mas a "Exótica", perto da
cosmopolita Gloucester Road, oferece "lingerie"
brasileira e José Fernandes anuncia um serviço completo de
massagens, terapia, acupunctura, controlo de dores.
Especialmente pobre achámos o sector das publicações em
língua portuguesa. Verificámos a existência de uma revista que
se propõe "ser a nossa voz, fazer reportagens da nossa vida
nova, pôr a nossa comunidade no mapa". Vimos logo que havia
religião no assunto. Eis a razão porque a revista "Vida
Nova" não consegue publicar-se senão quatro vezes por ano.
Mesmo assim, ambiciosamente, os seus editores declaram: "Os
nossos anunciantes nunca estão fora de época!"
Duvidamos
Restaurantes e fados
Deixámos para o fim do sector de
restaurantes. É negócio especial que, ao contrário de quase
todos os outros, também atrai o público inglês
principalmente os muitos milhares que visitam Portugal em férias
e ganharam experiência da revolucionária cozinha nacional. O
primeiro restaurante português que abriu em Londres foi o
"Fado", em Beauchamp Place (Knightsbridge) e revelou-se
um êxito desde o dia inicial. Mas, ao afirmar-se, elevou os
preços, diminuiu a qualidade do serviço e, como costuma
dizer-se, passou a viver dos louros recolhidos ao longo do tempo.
Agora, a concorrência é feroz. Mas temos algumas reservas
quanto ao profissionalismo e à autenticidade da oferta
este correspondente do "Avante!" nunca visita os
restaurantes portugueses e tem razões para isso.
Notemos, contudo, alguns dos estabelecimentos mais conhecidos
entre a clientela portuguesa e britânica: "Churrasco
Restaurante", em Harrow, "O Farol", na Brixton
Road, o "Cantinho de Portugal" em Stockwell, o
"Porto Bello" que se especializa em grelhados e é
dirigido pelo Victor e pela Paula no 67, Wornington Road, W10, o
"Carloss", em Aylesbury no Buckinghamshire, o
"Porto Novo" na zona londrina de Holloway conhecida por
profundas particularidades históricas, o "The
Gallery", que oferece churrascos, cataplanas e, aos
sábados, sessões de fado vadio, o "Alvaros", em
Westcliff-on-Sea, Essex, o "Alvorada", em Cornwall, o
"Vasco da Gama Pub", na Old South Lambeth Road, em
Stockwell. Finalmente, o "Caravela" que é dirigido
pelo casal Nóbrega, aparece em Preston, muito perto de
Blackburn, de Blackpool e da própria Manchester.
Para traduções, é a Eunice. Também a Gorete Figueiredo. Para
serviços de tipografia, a "Nicadian Press", de José
Semedo, e a "JR Print". Joaquim Reis, dedica-se a
transportes internacionais e é especializado no empacotamento e
na armazenagem de objectos de arte com transportes semanais para
Portugal. Tem concorrentes neste competitivo mercado: "Ada,
Transportes"; "Trans-Santar", de João Neves;
"Trans-Viriato" com recolha e entrega ao domicílio de
malas, caixas e recheios de casas. Também Luís Correia é um
dos mais activos transportadores de bagagem entre o Reino Unido e
a Península Ibérica.
Nos vinhos, a oferta é considerável. Mas as firmas
"D&F Wine Shippers, Ltd", a "Casa Douro"
e a "Portugália Wines" parece concentrarem na sua
órbita o quinhão mais importante do mercado. Este,
evidentemente, inclui a Inglaterra propriamente dita e não,
apenas, os círculos da vida portuguesa na pátria de Rose
Macaulay, a tal que escreveu a obra clássica "They went to
Portugal too" um trabalho que se ocupa dos ingleses
que também foram para o nosso país, e que ficou célebre.