O dono disto tudo


Dono do dinheiro, do êxito, do Público, da TVI, do poder, dos governos; dono do País e possuidor das qualidades requeridas para integrar o pelotão da frente dos donos do mundo, enfim dono disto tudo é, sem sombra de dúvida, o senhor Belmiro de Azevedo. Disse-o ele próprio, à sua maneira, na entrevista que fez o favor de conceder a Judite de Sousa, na RTP. Entrevista que diga-se desde já, foi a demonstração concreta, a exemplificação sem margem para dúvidas, a confirmação peremptória do domínio absoluto do poder económico sobre o poder político.
Já se sabia e Belmiro de Azevedo veio confirmar que o grande capital é, sempre e em todo o lado, arrogante, insolente, autoritário, insultuoso, antidemocrático, ou seja, é sempre e em todo o lado, o que Belmiro foi na referida entrevista.


Pobre Judite de Sousa! O que aquela senhora teria sofrido e viria a sofrer se tivesse tido a coragem de se afirmar como jornalista pondo o cavalheiro na ordem! E que triste papel aquele de ter que fazer do sorriso e do silêncio os seus principais atributos profissionais! Na verdade foi um espectáculo deprimente aquele: o, digamos assim, entrevistado comportando-se como dono de Portugal; e a, digamos assim, entrevistadora reconhecendo-o como tal.


Foi grande o impacto das declarações de Belmiro de Azevedo. Corrijo-me: foi grande o impacto das declarações respeitantes ao líder do PSD - que Belmiro, implacável e impiedoso, condenou à morte política, partidária, institucional (e não sei se só…). Porque, curiosamente, no que respeita às restantes sentenças de Belmiro não houve comentários. Ou porque ninguém ouviu mais nada do que ele disse ou sabe-se lá porquê. Por exemplo, Belmiro, que não ri em serviço, chamou reaccionários a todos os jornalistas, considerou mesmo a classe dos jornalistas como a mais reaccionária de Portugal - e nenhum jornalista, que eu saiba, o contestou. Judite, em directo, ouviu e sorriu o seu sorriso de serviço. José António Lima e Fernando Madrinha, que comentaram a entrevista no Expresso não deram sinais de ter ouvido dado que nenhum deles alude ao facto. Carlos Magno, esse parece ter ouvido bem tudo o que Belmiro disse e, em editorial do Diário de Notícias, não resistiu a urdir o panegirico do dono disto tudo: a destacar «a frontalidade do empresário», que «diz o que pensa» e «pensa no que diz»; a sublinhar como «é bom para a democracia que haja empresários assim»; a super valorizar este herói «cruel mas autêntico» representando «o seu próprio papel, matando quem lhe faz frente. No palco» - e por aí fora, num preito de admiração tal e numa tal ostentação de belmirismo integral que bem merece ser chamado a assumir alto cargo na TVI, integrando assim, de pleno direito a família empresarial de Belmiro e passando a ser mais um dos «homens da Sonae».


Sobre o significado do silêncio dos restantes jornalistas face à acusação de reaccionários que lhes é feita, o que se pode dizer é que eles aceitam a carapuça que Belmiro lhes enfiou, acham que ela lhes serve e têm prazer em usá-la. Mas esse é um problema deles e não do dono do Público e da TVI. — José Casanova


«Avante!» Nº 1281 - 18.Junho.98