Novos "eleitores"?



A
s declarações do padre João Seabra publicadas na última edição de O Independente ameaçando "passar a votar no PCP" se verificar que os partidos da direita não se empenharam na criação de "uma Alternativa Democrática de maioria sociológica a favor da vida" que dê a vitória ao "Não" no referendo sobre o aborto merecem nota pelo seu carácter insólito.
Compreenderá porém melhor o admitido sacrifício do prior da Paróquia de Santos-o-Velho quem ler o conjunto da entrevista, cujo fundamentalismo em relação à questão do aborto não fica atrás - ressalva feita ao estilo que é de um "doutor em teologia" -, das odientas palavras do bispo de Viseu. E quem se recordar do fanatismo anticomunista de que o padre João Seabra deu sobejas provas durante mais de duas décadas.


Dir-se-á que os tempos mudaram. Facto que o próprio padre Seabra suscita ao afirmar que "pela primeira vez desde 1917 há muitas razões para um católico votar no Partido Comunista", porque "apesar de tudo os comunistas são os únicos que falam da vida real". Claro que, admite, "falaram sempre", mas era para "arregimentar para um tipo de vida política que tinha por trás o universo da União Soviética". Agora, "aquilo que metia medo já não existe"...


Este misto de simpatia e de comiseração em relação aos comunistas, no seu apontado enfraquecimento, está pelos vistos a fazer escola. E traz evidentemente água (ideológica) no bico.
Repare-se num outro texto de um jornal do fim de semana em que um colunista sustenta a afirmação de que com a renovação o "PCP vai ser pior" e que o Partido " faz falta a Portugal se se mantiver como está". E para que não restem dúvidas sobre que papel destina aos comunistas lá adianta a ideia de que "mais do que qualquer PP deste mundo, o PCP é o grilo falante desta história - é a consciência que muitas vezes nos falta".
Não será que estão a precipitar-se a administrarem-nos a "extrema-unção"? — Edgar Correia


«Avante!» Nº 1281 - 18.Junho.98