MUNDO
em convulsão



Na Guiné-Bissau militares de ambos os lados da barricada enfrentam-se e o número de mortes vai aumentando. Pelo que é dado ler e ver o povo guineense parece não acreditar nem em Nino, nem em Ussumane Mané. Outrora, há um quarto de século, esteve disposto a quase tudo para apoiar Nino, Mané e o PAIGC, movimento de libertação que conquistou a simpatia dos povos de todo o mundo. O que se passa na Guiné é o que se está a passar em muitos países emergentes do Terceiro Mundo. Não basta tomar o poder. É preciso que o povo tenha possibilidades de o controlar, pois não o tendo, os governantes afastam-se dos princípios proclamados. Por isso na Guiné-Bissau os militares combatem entre si e o povo parece alheado daqueles combates. Além disso na nova ordem mundial para receber investimentos é necessário colocar o país dentro da camisa de forças do FMI e apertar o cinto. Num país paupérrimo a imposição dos planos de reestruturação da economia, com o cortejo de privatizações e entrega de importantes alavancas da economia aos estrangeiros e seus aliados internos, gera um enorme descontentamento social. A fome e a miséria desagregam a unidade nacional conseguida nos tempos áureos do PAIGC. Exacerbam os sentimentos étnicos e a desordem. O Senegal, país com ambições na África Ocidental, enviou tropas para Bissau para esmagar a rebelião . Há conflitos históricos sobre as fronteiras (petróleo) entre o Senegal e a Guiné-Bissau. No norte da Guiné-Bissau está Casamansa onde existe uma rebelião contra o governo de Dacar. O actual conflito tem como pretexto imediato o fornecimento de armas a Casamansa. O general Ussumane Mané começou a apelar à resistência contra as tropas senegalesas. Que estará por detrás deste apelo? A Guiné-Bissau atravessa momentos terríveis. Dentro das suas fronteiras estão tropas de países vizinhos, o que certamente agravará todos os problemas.

Em Jacarta o novo homem forte do regime deixou claro o seu programa político para Timor-Leste : manter a ocupação indonésia. Ao mesmo tempo ordenava a repressão e prisão de centenas de estudantes timorenses que se manifestaram em Jacarta e Dili. Porém esta brutalidade de Habibi não causou grande sobressalto no mundo. São mais umas centenas de prisões a somar ao cortejo de mais de duas centenas de milhares de mortos... O que conta para os senhores do mundo são os seus interesses e esses estão do lado de Jacarta...

Por isso a sua preocupação vai para a Jugoslávia, que não está dentro da sua órbita. A NATO ameaçou a Sérvia com manobras aéreas, numa zona já de si explosiva e cheia de intrincados e múltiplos problemas como são os que opõem albaneses a sérvios. O mais grave de tudo isto é que o conflito se passou totalmente fora do raio de acção da NATO e só pode ter uma solução política que tenha em conta todos os interesses em presença, seja de albaneses, seja de sérvios, seja da integridade territorial da Jugoslávia. As ameaças e pressões militares são condenadas pelo direito internacional. Naturalmente que qualquer intervenção é ainda uma violação muito mais grave do direito internacional. E tanto mais grave quanto o Secretário da Defesa dos EUA e o Ministro da Defesa da RFA afirmaram que a NATO não precisa de uma resolução da ONU para intervir na Jugoslávia... Portugal participou nas manobras alinhando na defesa das grandes potências e limitando o poder da diplomacia portuguesa.

Em Angola, a UNITA continua a desrespeitar todos os acordos assinados. Em última instância a UNITA parece estar disposta a demonstrar que UNITA e democracia são incompatíveis, o que pode fazer reatar as chamas do conflito. Os perigos da UNITA residem nos apoios que teve e tem no Ocidente. O Conselho de Segurança decidiu aplicar novas sanções à UNITA se esta continuar a impedir a extensão da administração do Estado a todo o território angolano particularmente ao Andulo, Bailundo, Mango e Nharea. A ver vamos se o Conselho de Segurança passa o tempo a ditar sanções à UNITA à custa de tanto ses. No caso de Angola, como no da Indonésia, como no caso da Palestina resoluções são letra morta. Na Jugoslávia nem as resoluções são precisas... — Domingos Lopes


«Avante!» Nº 1281 - 18.Junho.98