Carlos Carvalhas denuncia ofensiva contra direitos laborais
Geração sem direitos


O debate sobre o estado da nação encerrou, na terça-feira passada, a presente sessão na Assembleia da República. Na intervenção que aí proferiu (de que se transcrevem extractos), o Secretário-geral do PCP, Carlos Carvalhas, alertou para a ofensiva aos direitos dos trabalhadores que o Governo está a desencadear - «uma das mais graves» -, visando transformar as novas gerações de trabalhadores numa geração sem direitos.
«Os trabalhadores reclamam mais justiça social, mais segurança no emprego e a devida valorização dos seus direitos e dos seus salários»
, disse Carlos Carvalhas que apontou um conjunto de medidas para melhorar a qualidade de vida dos portugueses.

«(...) Chegamos ao fim desta sessão parlamentar. Estamos no último debate, o chamado debate sobre o "estado da Nação".
Pela voz do governo ficámos a saber que o País está bem e que se recomenda.
De facto ouvindo o senhor Primeiro-Ministro, ministros e secretários de Estado até parece que o Conselho de Ministros se deslocou de S. Bento para a EXPO para o Pavilhão da "Realidade Virtual" e cada vez mais virtual...
Aproveitando também uma conjuntura externa favorável ao País o governo faz seus, os louros de um crescimento económico que não se radica infelizmente, nem no fortalecimento do nosso aparelho produtivo, nem na balança comercial, nem na distribuição do Rendimento Nacional e na justiça social.
Em abono das suas teses enumera as festas, as celebrações, a política do betão, o ter ultrapassado o PSD nas privatizações, nos "tachos" para os seus boys, na concentração da riqueza, no favoritismo aos grupos económicos e como testemunho da sua elevadíssima sensibilidade social, diz que até tem estado inclusive a concretizar projectos sempre defendidos pelos comunistas, como seja o do Rendimento Mínimo Nacional e o Pré-escolar...
Na verdade estamos perante duas realidades de sentido oposto. Uma delas expressa-se no crescimento económico, aumento da produtividade e dos lucros.»


Meio milhão de desempregados

«Mas a outra, que atinge a maioria dos trabalhadores, não pode ser silenciada. Realidade que se expressa no número de desempregados que, de facto, continua a ultrapassar o meio milhão. Que se expressa no desmesurado crescimento da precarização onde os contratos a prazo, o trabalho à peça, à hora, à empreitada, o trabalho temporário e clandestino se transformam em rega geral.
Realidade que reflecte ainda os processos de despedimento, rescisão e pré-reformas forçadas sob a capa da reestruturação das empresas, é o aumento dos desequilíbrios da repartição do rendimento e as desigualdades sociais.
Neste quadro o que é que leva o governo a encetar uma das mais graves ofensivas aos direitos dos trabalhadores, visando desregulamentar e fragilizar ainda mais alguns dos pilares onde assenta o direito dos trabalhadores a nível do conceito do emprego, de retribuição, da profissão, das férias do trabalho nocturno?
Ao transformar as novas gerações de trabalhadores no alvo principal desta operação desregulamentadora o governo assume a grave responsabilidade de promover e tentar criar num futuro próximo uma geração de trabalhadores sem direitos!
E no entanto o que vemos e o que ouvimos nas empresas e nos locais de trabalho, designadamente na iniciativa que o PCP promoveu a nível nacional, contactando mais de 200 mil trabalhadores em 500 empresas e locais de trabalho, é que os trabalhadores reclamam mais justiça social, mais segurança no emprego e a devida valorização dos seus direitos e dos seus salários.
Em muitas lutas que hoje se travam em muitos sectores e empresas, por vezes para além de problemas reivindicativos, é já a luta pela dignidade que leva à participação massiva dos trabalhadores como aconteceu no sector dos Transportes, da Banca, da Administração Pública e nos Hotéis de Lisboa. O governo é o primeiro responsável pela crescente conflitualidade social que se tem verificado no país.»


PS deve reflectir

«Este final de sessão parlamentar, creio que deveria também merecer uma reflexão do Partido Socialista.
Não vou lembrar as peripécias da revisão constitucional e as convergências do PS com o PSD, não vou recordar o fundamentalismo das leis eleitorais, nem os aplausos à aprovação da lei sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez logo abafadas pela pirueta da aceitação do referendo, com a participação que se viu, não vou recordar aquilo que alguns deputados e autarcas do PS designam por «tiros nos pés», quanto à regionalização, nem as cedências ao PSD em todo o processo desta reforma «num faz que anda mas não anda», que foi dando substanciais trunfos aos anti-regionalistas, nem vou lembrar ainda os acordos com o PSD para a realização de um vergonhoso referendo sobre a Europa, que não serve para nada e ainda por cima no mesmo dia em que se realiza o da regionalização o que não permite qualquer esclarecimento sério e que procura fazer do Presidente da República um simples notário dos «arranjinhos» entre dois partidos, nem vou lembrar as promessas não cumpridas, nem comparar os irrisórios aumentos de salários com as taxas de lucro do capital bancário e financeiro, nem a política neoliberal no ensino e as famigeradas propinas que segundo o Secretário Geral do PS na oposição só deveriam ter lugar após a reforma fiscal. Deixo isto para a pausa que as férias parlamentares sempre proporcionam.(...)»


Seis medidas para melhorar a vida

«Assumindo estas aspirações e essa luta o Partido Comunista Português propõe e sugere ao governo no imediato um conjunto de seis medidas que se traduziriam em estabilidade social e política e numa melhoria do nível e qualidade de vida dos portugueses:

1- suspender as alterações à legislação laboral e consequentemente não lançar no período de férias a discussão dos respectivos diplomas;
2- prolongar o subsídio de desemprego para os desempregados nomeadamente, para os de longa duração com mais de 50 anos;
3- introduzir de imediato os medicamentos genéricos
o que permitiria ao Estado e aos utentes economizarem milhões de contos e dar resposta a muitos problemas da saúde, nomeadamente as filas de espera. Mas não venham com os falsos "genéricos de marca", porque isso não passa de um expediente para entregar o mercado dos genéricos nas mãos de meia dúzia de multinacionais;
4- criar um imposto de solidariedade sobre as grandes fortunas e avançar com a reforma fiscal;
5-Combater o tráfego e o branqueamento de capitais
aprovando legislação com eficácia que permita o congelamento, apreensão e confiscação de patrimónios criminosos e o torneamento do segredo bancário, dotando simultaneamente a Polícia Judiciária e as magistraturas dos meios necessários para a investigação e o combate à criminalidade;
6- ... e para concluir Sr. Primeiro-Ministro aqui fica uma última e creio que boa sugestão: aproveite as férias estivais e o descanso da Assembleia da República e ultrapasse as oposições e as suas diabólicas coligações negativas, mande às urtigas as pressões das seguradoras e do capital financeiro, não tenha receio do Sr. Kohl e ao seu pacto de estabilidade e aumente extraordinariamente os reformados! Estes agradeciam, o país beneficiava e o governo e o PS tomavam uma medida justa de verdadeira sensibilidade social e já não precisariam de gastar os neurónios a encenar mais uma crise virtual (em Outubro) na rentrée!»


«Avante!» Nº 1283 - 2.Julho.98