Europa e regionalização em referendos
A
caminho das confusão total
Na segunda-feira, menos de 24 horas depois do
referendo ao aborto e quando ainda não eram totalmente
conhecidas as razões que levaram a um tão elevado grau de
abstenção, a Assembleia da República iniciou um novo processo
referendário, aprovando dois projectos de resolução para a
realização de consultas populares sobre Regionalização e
Europa.
Os textos aprovados são da autoria do PS, tendo, no caso concreto da matéria europeia, resultado, uma vez mais, de negócio firmado à última hora entre o seu líder parlamentar e o dirigente da bancada laranja, Marques Mendes.
No que diz respeito ao referendo das Regiões Administrativas o projecto de resolução aprovado inclui duas perguntas a colocar aos portugueses. "Concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas?", lê-se, na primeira, dirigida a todos os cidadãos eleitores recenseados em território nacional. Dirigida aos cidadõos eleitores recenseados em cada uma das regiões criadas, a segunda pergunta tem a seguinte redacção: "concorda com a instituição em concreto da região administrativa da sua área de recenseamento eleitoral?".
A opção por este
referendo duplo - em detrimento do referendo regional em que a
palavra seria dada às populações ou do «referendo orgânico»
em que o processo através das assembleias municipais poderia
construir-se de baixo para cima - mereceu fortes críticas da
bancada comunista.
Luís Sá, que já se ocupara de demonstrar como as constantes
cedências do PS ao PSD abriram "caminho a que a democracia
directa entrasse em conflito com a democracia
representatativa", advertiu para os riscos de através da
modalidade escolhida (referendo duplo) o resultado de um
referendo nacional, ainda que tangencial, poder "esmagar
vontades regionais, mesmo que largamente maioritárias".
Mas não se ficaram
por aqui as críticas do Grupo comunista relativamente a um
processo político que considerou "lamentável". Indo
ao fundo da questão, Luís Sá admitiu mesmo que o instituto do
referendo está a ser desvirtuado pelo PS e PSD, não cumprindo o
exercício pleno de cidadania que lhe está associado, em
articulação com a democracia representativa e a democracia
participativa.
"Em vez de um meio de participação genuína, os referendos
começaram por servir como instrumentos para impedir a Assembleia
da República de aprovar reformas e abrir as vias para as
implementar", acusou Luís Sá.
Quanto ao referendo sobre questões europeias e à hipótese da sua realização em simultâneo com o referendo à regionalização, esse é, para Luís Sá, um cenário "intolerável" e "absurdo".
João Amaral foi
mesmo mais longe nas suas críticas invocando o que se passou no
referendo ao aborto do passado domingo para observar que se tal
objectivo de simultaneidade se concretizar é certo que haverá
"confusão total".
"Seriam dois referendos, com três perguntas - alertou -,
num país com altissímos índices de iliteracia, com um
eleitorado a quem não foi explicado devidamente o que é e como
funciona o referendo, sem nenhum experiência, e, ainda por cima,
numa altura em que com as férias são baixíssimas as
possibilidades de concretizar campanhas eficazes".
Mas se a junção dos referendos, no quadro do que classificou a
"política baixinha" celebrada entre o PS e PSD,
enferma de uma clara inconstitucionalidade - "viola o
princípio de unidade e homogeneidade das matérias sujeitas a
referendo, segundo João Amaral" - , o próprio referendo
proposto, pelo seu conteúdo, ainda em sua opinião, constitui
"uma monstruosidade política e jurídica".
Recorde-se que o projecto de resolução aprovado no Parlamento inclui apenas uma pergunta: "concorda com a continuação da participação de Portugal na construção da União Europeia no quadro do Tratado de Amesterdão?".
Acusando o PS e o PSD de fazerem uma "pergunta manipuladora, capciosa, indutora de uma questão que não está em debate", João Amaral não hesitou em afirmar que "isto não é sério", admitindo mesmo estar-se em presença não de um referendo, mas de um "referaude"...!