ACTUAL - III

ÁFRICA
Saudosismo e aventura


As declarações produzidas por Cavaco Silva no Bombarral no passado dia 26 de Junho, a propósito dos acontecimentos na Guiné-Bissau, são de tal reaccionarismo e de um tão indisfarçável pendor colonialista e intervencionista que não podem passar sem o mais veemente protesto e firme denúncia.

Cavaco Silva reclama um "papel mais activo" de Portugal em África e particularmente nos países africanos de expressão portuguesa, "para que outros não ocupem o lugar que a história apontou, e que de alguma forma pertence a Portugal", acrescentando mais adiante que "se trata de defender os bens e haveres que os portugueses construiram ao longo de muitos anos" (não sic). Ao falar como falou, o tal que nunca tem dúvidas e raramente se engana, teve o mérito de tornar mais claro o pensamento e os propósitos de fundo neocolonialista que animaram a "política africana" dos governos do PSD e que tiveram em Durão Barroso um obreiro destacado. Tais declarações arrumam Cavaco e o cavaquismo no rol dos saudosistas do passado colonial; dos paternalistas e "civilizadores" preconceituosos que descrêem e desprezam o homem africano; dos críticos da "descolonização"; dos revanchistas que vêem em cada crise num país africano de língua portuguesa a oportunidade para "o regresso a África".

Mas há que reconhecer a Cavaco Silva o mérito de ter dito em voz alta o que outros, que pensam de modo semelhante - incluindo nos Ministérios da Defesa e dos Negócios Estrangeiros - silenciam ou simplesmente murmuram. O paternalismo e o preconceito neocolonialista estão porventura mais generalizados do que poderia supôr-se no ideário do "bloco central" que tem (des)governado o país desde o período revolucionário. E com ele um pendor intervencionista inaceitável, nomeadamente no plano militar. Aliás cada vez mais explicitado e assumido. No quadro de uma NATO ou de uma UEO cujo reforço se defende e cuja área de intervenção se quer ver alargada, não já e "apenas" ao Mediterrâneo, Médio Oriente e Magreb, mas genèricamente à África. De acordo com doutrinas - que combatemos - tendentes a transformar umas Forças Armadas (portuguesas) cada vez mais profissionalizadas em simples apêndice da máquina militar de guerra do imperialismo.


Primeiro na Bósnia, depois nas manobras militares provocatórias na fronteira com a Jugoslávia, em seguida na África. Não falta quem pretenda arrastar-nos para aventuras que seriam desastrosas para Portugal, o seu prestígio internacional, o seu relacionamento amistoso com outros povos e países nomeadamente os PALOPs para quem temos aliás incontornáveis deveres de desinteressada solidariedade.
A roda da história tem realmente os seus caprichos. Por vezes detem-se e retrocede. Mas não gira para trás. Disso podem estar absolutamente certos aqueles que esquecem as suas lições. Sejam eles portugueses ou africanos. Trate-se de Cavaco Silva, Valentim Loureiro ou dos seus amigos na Guiné-Bissau. Desiludam-se os pequenos e grandes abutres que à babuja da desgraça e do sofrimento alheio sonham em restaurar privilégios perdidos ou instaurar novos impérios. Os valores e ideais pelos quais Amilcar Cabral e tantos dos seus companheiros do PAIGC deram a vida reencontrarão força e vigor e acabarão necessariamente por vingar. — Albano Nunes


«Avante!» Nº 1283 - 2.Julho.98