Um
Tribunal
à medida dos EUA
O Tribunal Penal Internacional (TPI), cuja criação se ultimou em Roma no passado sábado, parece estar desde já condenado a não passar de um mero instrumento ao serviço dos interesses imperiais dos Estados Unidos.
Esta a conclusão que se pode tirar das declarações do porta-voz do Departamento de Estado, James Rubin, segundo o qual os EUA se reservam «o direiro de se opor fortemente» ao TPI caso não se procedem às «correcções» tidas por necessárias por Washington para a sua assinatura.
Destinado a julgar genocídios, crimes contra a Humanidade, crimes de guerra e de agressão, o TPI contém cláusulas que os EUA contestam. Por exemplo, no respeitante à comparação política dos colonatos israelitas a crime de guerra, ou ainda a noção de agressão.
Não é difícil
perceber o que quer dizer James Rubin quando afirma que «devemos
convencer aqueles que conceberam (este estatuto) a fazer as
correcções necessárias para nos permitir fazer parte dele
(...) senão, reservamo-nos o direito de nos opor fortemente» a
esta competência.
Na óptica norte-americana, uma agressão só é uma agressão
quando feita fora da esfera de influência e/ou dos interesses da
Casa Branca. Por isso é que Israel, que tem cometido os mais
terríveis crimes contra os palestinianos, incluindo
roubando-lhes pela força das armas a terra em que implanta os
seus colonatos, desrespeitando e fazendo tábua rasa de todas as
resoluções da ONU sobre a questão, continua impunemente a
boicotar todas as iniciativas de paz no Médio Oriente.
Israel, naturalmente, votou contra o estatuto dado pelo TPI aos «seus» colonatos. Mais não seria necessário para Washington vir a público com a chantagem do costume: «É difícil imaginar que os Estados Unidos possam apoiar política e financeiramente este tribunal», declarou o porta-voz do Departamento de Estado.
Os EUA têm no
entanto outros motivos para se distanciarem deste novo tribunal.
«Será sobretudo o caso, segundo Rubin, se o tribunal ameaçar
os «interesses nacionais» dos Estados Unidos ao «interferir
com a sua capacidade» de conduzir operações militares no
estrangeiro, por exemplo, «julgando soldados norte-americanos
que participam em missões de manutenção de paz».
Ou seja, o Tribunal só terá alguma serventia para o «muito
democrático» regime norte-americano se servir para julgar quem
Washington determinar, tal como os crimes só serão crimes se o
'tio Sam' assim o entender. E claro, sem nunca, mas nunca, ir
contra «os interesses nacionais» dos EUA, que como se sabe não
têm fronteiras.
Rubin não se esqueceu de ir avisando que, privado do apoio dos Estados Unidos, o novo Tribunal «está enfraquecido». Dado o recado, resta ao TPI «corrigir-se» ou... o quê?
Projecto polémico
Criado no âmbito da ONU e fruto de debate em que participaram representantes de 160 países, o TPI tem desde logo a particularidade de não fazer qualquer referência a armas nucleares, o que não é estranho ao peso das potências nucleares.
Em termos gerais, o
projecto final de estatuto da TPI permanente, que terá a sua
sede em Haia e «será complementar das jurisdições penais
nacionais», tem por objectivo «levar à justiça as pessoas que
tenham cometido graves crimes de alcance internacional».
Os 160 países reunidos em Roma destacaram nomeadamente quatro
crimes: crime de genocídio; crimes contra a humanidade; crimes
de guerra; crimes de agressão.
De acordo com a Carta da ONU, competirá ao Conselho de
Segurança declarar o que é um crime de agressão.Um Estado que
adoptar o estatuto aceitará também a jurisdição do Tribunal
sobre estes quatro tipo de crimes.
O projecto de estatuto inclui igualmente, pela primeira vez, no
âmbito dos crimes de guerra, actos criminais cometidos durante
conflitos armados que não tenham um carácter internacional, de
que se exclui «problemas e tensões internas, tais como motins,
actos de violência isolados e esporádicos e a outros actos de
natureza simples».
Está previsto que
um Estado, signatário do estatuto do TPI, poderá, durante os
primeiros sete anos, «declarar que não aceita a jurisdição do
Tribunal» no respeitante aos «crimes de guerra».
O Tribunal actuará apenas se um Estado não quiser ou não puder
proceder com o julgamento, sendo os casos entregues ou propostos
ao Tribunal por Estados, o promotor público ou Conselho de
Segurança da ONU.
A pena máxima será pena de prisão perpétua.
O Tribunal terá 18
juízes, eleitos para um prazo de nove anos, sem nunca serem dois
juízes de um mesmo país, e contará com uma repartição de
promotor público, repartição de pré-julgamento judicial,
repartição de julgamento e repartição de recursos. Os idiomas
de trabalho do Tribunal serão o inglês e o francês.
O Tribunal terá direito de passar mandatos de captura e
convocatórias, mas não poderá julgar pessoas que tenham
comitido crimes antes de completarem 18 anos.