Comemorações das lutas de 1958-1962
No Couço
houve sempre um punho erguido


Promovidas pelas órgãos autárquicos do concelho de Coruche e da freguesia do Couço, tiveram o seu epílogo, no domingo, dia 19, as comemorações das lutas travadas pelo povo do Couço no período compreendido entre 1958 e 1962. Durante exactamente um mês, assumindo expressões várias, estas comemorações trouxeram para primeiro plano o que foi a gesta de um povo que soube, com heroismo, fazer frente à feroz repressão da ditadura.


São páginas de resistência e coragem, de gente que sofreu a prisão e a tortura, de homens, mulheres e jovens que mantiveram uma inabalável firmeza na condução de lutas pelo pão, por melhores salários, por condições de vida dignas.
Agregando na primeira linha o proletariado rural, mas também outras forças e camadas sociais, com relevo para os comerciantes, estas foram, simultaneamente, lutas de forte cariz político, de apego aos ideais de liberdade e justiça social, contra o sufoco, a manipulação e as fraudes de um regime opressor.

Lutas onde sobreleva, ainda, de modo notável, um nível ímpar de consciência política e de classe, cujo grau de maturidade foi crescendo, em todos e cada um, com o próprio curso dos acontecimentos.

Não faltam, igualmente, no historial destas lutas, testemunhos múltiplos de gestos solidários e fraternos. Como não falta, em todos os momentos, a presença dos comunistas e do seu Partido. Na génese de todas as acções e movimentações, lá esteve, de modo decisivo, a organização do PCP.

Estas são, afinal, as "lutas heróicas de um povo heróico", sendo que, como frisou José Casanova, no lançamento da primeira pedra do monumento de homenagem ao povo do Couço, no caso vertente, a "palavra heróico é inteiramente aplicada com rigor e justeza".

Sem dúvida oportuna foi, pois, esta iniciativa de assinalar as comemorações destas lutas na passagem do seu 40º aniversário. Estruturantes da própria identidade do seu povo, estas memórias permanecem vivas. Como evidenciam os relatos que atravessaram o tempo e que ficam, perenes, para as gerações vindouras.

O "Avante!" conversou com três camaradas que foram protagonistas directos desses acontecimentos. São eles Maria Galveias, João Camilo e Diamantino Ramalho, actualmente presidente da Junta de Freguesia do Couço. Connosco esteve também Ortelinda Gil Nunes, presidente da Assembleia da Freguesia.


Anos de fome

Compreender a dimensão e alcance da "Grande Greve" - assim a classificou na altura o "Avante!" - de 1958, exige, entretanto, que recuemos alguns anos atrás, mais precisamente ao ano de 1940, data em que se inicia a organização do PCP e surgem na freguesia do Couço os primeiros "Avantes!".

Foram "anos de fome, sobretudo no Alentejo", diz-nos João Camilo, lembrando como nesse período "Salazar mandava para o estrangeiro os géneros alimentícios" de que o País carecia, bem como calçado e até matérias-primas destinada à produção de armas.

Foi neste quadro que, já em 1943, com a organização do Partido ainda praticamente inexistente, um grupo de jovens resolve organizar uma "marcha da fome". Respondendo à palavra de ordem lançada pelo "Avante!" - "há que ir buscar comer onde ele existe" -, algumas dezenas de jovens encaminham-se então para os celeiros dos latifundiários, exigindo a sua abertura e distribuição de comida à população. O movimento ganha amplitude e depressa atinge as duas mil pessoas, assinala João Camilo, que recorda bem a manifestação pelas ruas do Couço contra o envio de géneros alimentícios para os fascistas espanhóis, enquanto o povo passava fome.


Processo dos 108

Neste mesmo ano, perto do seu final, acrescenta, opera-se, entretanto, o "verdadeiro arranque da organização do PCP, tendo sido criado não apenas o Comité Local, como também os Comités Subregional e Regional".

Sucedem-se as lutas reivindicativas, sobretudo para obter melhores salários e melhores condições de trabalho. "Já em 1944 obtém-se duas outras vitórias, sublinha, conseguindo-se, por um lado, alargar a todos os trabalhadores o direito à pausa de dez minutos que era conferida apenas aos que fumavam, e, por outro lado, melhores salários nas ceifas do trigo e nas mondas de arroz".

Este é ainda um período em que os trabalhadores do Couço participam intensamente, em conjunto com os operários agrícolas do Alentejo, em outras importantes lutas. Ocorre então, em 1947, motivada pela "inexperiência" e pela "transgressão de alguns cuidados conspirativos", uma vaga de prisões que representou uma "machadada forte no Partido" e que o desorganiza nos dois anos seguintes. Vários membros do Comité Local do PCP, incluindo João Camilo, são presos e constituem-se como réus no célebre "processo dos 108".

Tudo volta, porém, a recompor-se em 1949, data em que o Partido volta a reorganizar-se, mantendo a sua completa estabilidade até 1957.

"As pessoas tinham um grande respeito pelos comunistas que já tinham sido presos", salienta Maria Galveias, referindo-se ao ambiente da época. Não faltavam, assegura, os gestos de solidariedade para com as famílias dos presos, "havendo sempre um forte sentido de entre-ajuda e de fraternidade". Papel de relevo tiveram, neste capítulo, a quase totalidades dos comerciantes, sempre prontos a prestar uma ajuda amiga aos presos políticos e suas famílias. Foi também, recorda ainda Maria Galveia, um tempo em que "havia uma grande mobilização das pessoas".


A Grande Greve

Constituindo muito provavelmente a mais importante luta travada no mundo rural durante o fascismo, em 1958, dá-se então a "Grande Greve". Tratou-se de uma greve que, sendo também por melhores salários e por trabalho, foi essencialmente uma greve com motivações políticas. Em causa estava a fraude acabada de cometer nas «eleições» presidenciais, mascarada à boa maneira fascista que suscitou um onda de repúdio sem precedentes.

Como recorda Diamantino Ramalho, o povo participou na preparação e na campanha para as eleições presidenciais de Humberto Delgado, tendo o Couço sido a única aldeia onde a oposição organizou um comício com oradores vindos de Lisboa.

"A população impõs a fiscalização do acto eleitoral", lembra ainda, e Humberto Delgado obteve no dia 8 de Junho de 1958 mais de 80 por cento dos votos.

A fraude estava no entanto montada por todo o País e, na sequência das «eleições», o PCP lança a palavra de ordem de greves contra a fraude eleitoral. A resposta, no Couço, assume uma expressão ímpar e, no dia 23 de Junho, os trabalhadores aderem em massa à greve, bem como a esmagadora maioria da população, incluíndo a quase totalidade dos comerciantes. "Foi um dia memorável que jamais esqueceremos", diz-nos Diamantino Ramalho, na altura com 21 anos, que traz à memória um outro episódio revelador da determinação revolucionária que animava o povo do Couço.

João Camilo lembra-se bem dele. Viveu-o intensamente. Por dento. "No primeiro dia da greve - conta - , foram efectuadas três prisões. O povo cerca então o posto da GNR. Apavorados, guardas e pides tentam pedir reforços para Coruche, Santarém e Évora. Em vão. As comunicações telefónicas haviam sido cortadas pela população e a GNR vê-se obrigada a libertar os presos."


Violência policial

Toda a população, durante vários dias, participa de múltiplas formas em manifestações de unidade. Os protestos sobem de tom. No dia 24, o movimento chega à barragem de Montangil, que paralisa. A Montemor chega também o sopro da luta. A GNR e a pide cercam tudo, tudo perseguem. A repressão intensifica-se. O Couço é ocupado por cerca de 300 gnrs. Multiplicam-se as perseguições e os espancamentos. 113 trabalhadores são presos.

Nos dois anos seguintes, não obstante a violência policial, prosseguem as lutas por melhores salários e por trabalho. 1959 e 1960 são anos onde ganha igualmente expressão a campanha pela demissão de Salazar. Luta-se nas praças de Jorna, onde, quase invariavelmente, quando surge a GNR, há carga sobre os trabalhadores. O 1º de Maio é comemorado por centenas de trabalhadores, como festejado é o 5 de Outubro. Determinante, em todas as acções, continua a ser intervenção organizada e a força mobilizadora do Comité Local do PCP.


Luta pelas 8 horas

É esta decisiva intervenção que, dois anos depois - estamos em 1962 - , volta a erguer um poderoso movimento de acção antifascista. A conquista das oito horas de trabalho, acabando com o regime de sol-a-sol, inscreve-se agora nas reivindicações do proletariado rural.

A luta, dirigida e dinamizada pelo PCP, mobiliza mais de 200 mil trabalhadores rurais.

Sublinhada pelos nossos interlocutores é, uma vez mais, a brutalidade da repressão. Apercebendo-se da organização da luta, a PIDE, em finais de Abril, invade o Couço, arromba casas, prende dezenas de cidadãos, entre os quais várias mulheres.

Tal não impediu, no entanto, que o 1º de Maio de 1962 fosse comemorado por centenas de trabalhadores que se concentram na Ponte Caleira. A confraternização é aproveitada para discutir as formas de luta a adoptar pela conquista das oito horas. De nada vale o cerco da GNR e da PIDE ao local. A jornada salda-se por um enorme êxito. Mais: alguns dias depois, na sequência de uma greve por esse objectivo, os trabalhadores do Couço alcançam, finalmente, a jornada de oito horas de trabalho diário.

E concretizaram-na, como assinalou José Casanova, da forma mais «simples»: "num determinado dia, os trabalhadores e as trabalhadoras rurais, após terem trabalhado oito horas, deixaram o trabalho e regressaram às suas casas. E assim passaram a fazer todos os dias daí em diante".


Homenagem justa

Foi, por conseguinte, todo este percurso heróico de luta e resistência, este valioso património colectivo, que as comemorações vieram recordar. Como salientou Ortelinda Gil Nunes, embora com atraso, tratou-se de um acto de elementar justiça para com todo um povo que, com abnegação e sacríficio, lutou pela liberdade e pela justiça, pela dignificação da condição humana, contribuindo, também nessa medida, para o Portugal melhor conquistado com a Revolução do 25 de Abril.

"É um passado de luta e coragem. Tive a felicidade de não ter de passar por tudo aquilo por que passaram estes homens e mulheres. Cabe-nos o papel de seguir em frente, sabendo honrar esse património", realça Ortelinda Gil Nunes, para quem o trabalho autárquico é agora a via para enfrentar novas lutas e desafios.

"Hoje enfrentamos problemas diferentes mas que também são igualmente graves. O Couço debate-se com o problema da interioridade, temos uma população envelhecida, os nossos jovens têm de sair para procurar emprego", exemplifica, antes de elencar aquelas que, do seu ponto de vista, são necessidades da freguesia que urge satisfazer: um novo centro de saúde; uma escola básica integrada; a criação de uma zona industrial; um pavilhão gimnodesportivo; e um centro de dia.

"A tarefa não é fácil", reconhece Ortelinda Nunes, que, no entanto, deixa expressa uma certeza: "tudo faremos para estar à altura deste passado de coragem e de luta".

 

"Não conseguiram fazer-me despir o casaco"

Duzentas prisões. Penas que ultrapassaram, no total, mais de 200 anos. Cerca de trezentos dias de tortura de sono. Na frieza dos números, retratada, está uma das faces da violenta repressão que se abateu sobre o povo do Couço, entre o ano de 1933 e a alvorada libertadora de Abril. Comportam, em si, histórias de sofrimento e dor. Mas também de coragem. Coragem sem limites, de entrega, firmeza e lealdade. As motivações para tamanha dedicação e heroísmo são conhecidas. Só uma grande causa, como a da luta por uma sociedade sem exploradores nem explorados, tem esse poder mobilizador. Foram esses ideais de liberdade e justiça social, sempre presentes, que marcaram o tempo e o ritmo das lutas. Como presente esteve também, em todos os momentos, dinamizando-as e dirigindo-as, o Partido Comunista Português.

Afirmando a sua dignidade, na primeira linha de todas as acções de luta, lá estiveram, onde era necessário, as mulheres. Mulheres que foram um exemplo da resistência. Também elas foram torturadas. E sabiam, sobretudo, como dizia um dos painéis presentes na exposição, que estas eram também lutas pela sua emancipação.

"As mulheres do Couço - recordou Maria Rosa Viseu, ela própria também presa e torturada, na intervenção que proferiu no acto de lançamento da primeira pedra ao monumento de homenagem ao povo de Couço - nunca pouparam esforços. Tiveram sempre ao lado dos homens na luta; deram o seu contributo pela conquista de direitos; lutaram nas praças de jorna, nas lutas das oito horas, nas lutas para a formação de um sindicato que nos defendesse, nas lutas contra as burlas eleitorais, nas lutas das malditas prisões, e, nas horas amargas da tortura, estiveram sempre, sempre ao lado dos homens, seus companheiros".

O camarada João Camilo, que conheceu as masmorras fascistas por nove vezes, num total de 14 anos de prisão, deu-nos um testemunho sobre o comportamento dos comunistas na prisão. Fala por si: estava-se em 1958, na sequência da vaga de prisões que atirou para as cadeias mais de uma centena de homens do Couço e cerca de meia centena de Montemor-o-Novo. Depois de barbaramente torturado, Farrica - assim se chamava o militante comunista que protagonizou esta história -, volta à cela, com o corpo amassado, todo ensanguentado. Pede para falar com João Camilo, a quem quer transmitir uma mensagem. "Se continuarem a bater-me assim - afirmou - eu morro. Mas informa o Partido que nem sequer conseguiram fazer-me despir o casaco!".

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Apego aos ideais de liberdade e justiça social

Durante um mês esteve patente ao público, na Casa do Povo, uma exposição alusiva às comemorações das lutas de 1958 a 1962. Através de pequenos textos e fotografias (algumas delas inéditas), ao longo da sua dezena e meia de painéis, esta mostra conduz-nos ao centro dos acontecimentos da época. Aquilo que de essencial marcou esse curso da História e o rumo dos homens lá está, retratado, de forma rigorosa e objectiva.
São imagens, tocantes, que nos falam da realidade do latifúndio e dos homens e mulheres cuja única riqueza é a sua força de trabalho. Que nos lembram as lutas de um povo que se ergueu contra o fascismo. Em protesto contra a fraude «eleitoral». Pela demissão de Salazar. Por pão, trabalho e melhores salários. Pela jornada de trabalho de oito horas.
Mas que nos fala também das lutas que se seguiram. De outras lutas, do mesmo povo. Lutas, antes e depois do 25 de Abril, que voltaram a evidenciar, sempre, o seu apego aos ideais da liberdade e da justiça social. Como a luta pela Reforma Agrária.
Como se podia ler no painel que encerrava a exposição: "A luta continua, firmes e unidos, pelo futuro!".

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... e 40 anos depois, a festa
Forte participação popular

É domingo, 19 de Julho. Escassos minutos nos separam das 22 horas. A noite, agradável, apresenta-se convidativa para uma estada ao ar livre. Estamos na Praça 25 de Abril, bem no centro do Couço. Em frente do palanque, situado num dos extremos do vasto espaço, uma numerosa plateia aguarda pelo início do comício. Cumpre-se a última iniciativa de um diversificado programa que, durante um mês, assinalou as comemorações das lutas protagonizadas pelo povo do Couço entre 1958 e 1962. Carlos Carvalhas, Secretário-Geral do PCP, é o convidado de honra e único orador . Depois da sua intervenção, abaixo transcrita, tempo ainda para um momento musical. À emoção trazida pelo evocar da gesta heróica juntaram-se as guitarras, a sensibilidade poética e a voz de Carlos do Carmo.

Chamados ao palco, no decorrer do comício, foram também dois homens e duas mulheres que simbolizam bem o heroismo de quem viveu intensamente aquele período. Recebidos sob fortes aplausos, para eles, a homenagem sentida dos presentes. Os seus nomes: Custódia Dias, Maria Rosa Viseu, João Camilo, Arménio Marques Gil. À tribuna subiram também Manuel Brandão, presidente da Câmara de Coruche, José Casanova, presidente da Assembleia Municipal, Otelinda Nunes e Diamantino Ramalho, respectivamente, presidentes da assembleia da freguesia e da junta de freguesia do Couço.
Concluído estava assim o dia que marcou o encerramento das comemorações. Um dia fortemente preenchido, iniciado, pela manhã, com um acto singelo que marcou o arranque do monumento de homenagem ao povo do Couço.

Intervindo na ocasião, José Casanova sublinhou que as comemorações das lutas entre 1958 e 1962 não tiveram qualquer sentido saudosista. Pelo contrário, enfatizou, o povo do Couço continuou a lutar com a mesma coragem e determinação, a mesma que o levou a construir a Reforma Agrária (entretanto liquidada pela política de direita) e a participar activamente em todas as lutas por uma sociedade mais justa e fraterna.
Por si manifestada foi ainda a convicção de que o povo do Couço continuará no futuro a manter-se fiel aos ideais da liberdade e da solidariedade. As razões explicou-as ainda Casanova: "Este povo foi assim, é assim e será assim. Basta que cada geração saiba transmitir à geração que se lhe segue este seu «segredo»: a dignidade vale mais do que tudo na vida - e um povo que sabe e assume isso vence sempre".

Nota de realce neste dia que marcou o encerramento das comemorações merece ainda o mega almoço, aberto a toda a população, que reuniu no Largo da Junta de Freguesia, numa animada jornada de confraternização e convívio, muitas centenas de pessoas.

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Celebrar o passado
a pensar no futuro

- excertos da intervenção de Carlos Carvalhas no Couço

(...) São comemorações de grande significado e que precisamente porque não têm uma visão passadista estão voltadas para o presente e para o futuro. Para a luta que continua. Para as novas gerações que em condições e circunstancias bem diferentes prosseguem a luta pelo emprego, por melhores salários, por mais justiça, por mais democracia.

Creio que ao comemorarmos estas duas grandes datas da história do Couço e da luta e da resistência antifascista portuguesa, podemos também aqui afirmar que estas mostram e confirmam que quando se luta nem sempre se ganha, mas quando se não luta, quando se desiste perde-se sempre. Que por vezes não se vê de imediato a mudança. Mas a experiência também mostra que quando se luta por causas justas as sementes lançadas não desaparecem e, mais à frente quando as condições são mais propícias elas germinam aparecendo então os frutos de um trabalho empenhado e persistente.

As lutas que hoje comemoramos mostram também a coragem e a determinação das mulheres e das mulheres trabalhadoras. Combate que prossegue hoje por melhores condições de vida, pelo emprego, pela participação em igualdade. E que continuará em todos os domínios da vida e, nomeadamente, na luta pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez, porque o PCP que esteve na base da organização e concretização das lutas de 58 e 62 aqui no Couço, continuará honrando o seu património de luta e a levantar a bandeira dos direitos da mulher, a bandeira das causas justas e generosas.


Lutas de ontem
e de hoje

Assim foi ontem quando o Couço desencadeou a "grande greve", como sublinha o "Avante!" da época, com uma indiscutível dimensão política, pois não foi só uma greve por melhores salários, foi também uma greve de protesto contra a fraude eleitoral no País, das eleições presidenciais fascistas em que aqui a população exigiu e impôs a fiscalização e a contagem de votos onde Humberto Delgado obteve mais de 80%.
Assim foi também ontem nas lutas de 62 tendo como objectivo a conquista das 8 horas de trabalho, acabando com o regime de Sol a Sol, uma luta promovida e dirigida pelo PCP e que envolveu no Sul do País dezenas de milhares de trabalhadores rurais.
E é assim hoje na luta pela redução do horário de trabalho que é também um combate pelo emprego e por avanços de civilização. O desenvolvimento das forças produtivas e as conquistas da ciência e da técnica, permitem hoje alargar consideravelmente os tempos livres, que o mesmo é dizer mais espaço para a produção e fruição cultural, para a formação profissional, para o convívio e o lazer, para o turismo, para a criação de novos empregos.
Luta pela redução do horário de trabalho sem perda de direitos nem de salário que ao longo de muitos meses foi travada pelos trabalhadores e pelas trabalhadoras da têxtil, do vestuário e do calçado e que foi coroada de êxito. Luta pela redução do horário de trabalho que prossegue na União Europeia e que é protagonizada pelos comunistas e pelas principais forças progressistas.

E permitam-me que aqui faça um parêntesis para lembrar que muitas das conquistas que hoje temos e que são quase tão naturais como o ar que se respira, como sejam as 8 horas diárias, o direito a férias e às férias pagas, o direito à segurança social, ou por exemplo, o direito das mulheres a eleger e a serem eleitas não foram dádivas das classes dominantes. Foram direitos conquistados pela luta e em todas elas encontramos o empenhamento, a intervenção, o esforço e até o sangue dos comunistas e também dos comunistas portugueses.

E se também no passado as lutas da classe operária e do proletariado rural foram acompanhadas pela luta e pela intervenção dos artistas e da intelectualidade progressista, também agora tivemos esse testemunho por parte daqueles que sempre estiveram com o povo e estão presentes nestas comemorações, de que saliento entre outros, o Manuel Freire, o Carlos Alberto Moniz e hoje o nosso amigo Carlos do Carmo. Quiseram trazer-nos a sua arte, a sua generosidade, o seu afecto, o seu calor humano.
E levarão também consigo, o afecto, o reconhecimento e o calor humano dos trabalhadores e do povo do Couço que também não os esquece.

Permitam-me ainda que sublinhe que as lutas que hoje comemoramos são também um exemplo da importância, da largueza da unidade, em contraste com as concepções que se traduzem em estreitamento sectário. Na verdade quando o PCP lançou a palavra de ordem de greves contra a fraude eleitoral, a "grande greve", iniciada 15 dias depois das eleições teve a adesão dos trabalhadores e das diversas camadas da população, incluindo a quase totalidade dos comerciantes que não só participaram directamente nestas, como apoiaram os presos políticos e as suas famílias.

O povo do Couço comemora com justo orgulho estas duas grandes datas que mais tarde tiveram a sua continuação com a mesma coragem e consciência política, determinação e criatividade, quer na fundação e consolidação do regime democrático, quer na construção da Reforma Agrária, quer nas lutas de hoje pela transformação social, pelo aprofundamento da democracia, por uma sociedade mais justa e mais fraterna em que o homem não seja o lobo do próprio homem.


Um património
de dignidade

Estas são datas que são também pertença do grande património histórico do PCP, do património histórico da luta do povo português. Quarenta anos depois aqui estamos confiantes e empenhados na construção de um futuro melhor, na luta por novos direitos e por um grande projecto renovado que tem por horizonte o socialismo.

E no ano em que passaram 150 anos sobre a publicação do Manifesto do Partido Comunista, a obra inesquecível de Marx e Engels, que deu um impulso decisivo para o grande movimento de ideias, de combates e de lutas, orientadas pela perspectiva inovadora e revolucionária da superação do capitalismo, e também no ano em que o PCP celebrou com legítimo orgulho os 77 anos de vida e de luta, aqui estamos hoje no Couço para prosseguir, com novas energias e combatividade renovada um grande património de experiência, de generosidade e de combate pela liberdade, justiça social e a democracia, que marca a incomparável presença do PCP na sociedade portuguesa ao longo deste século.

O povo do Couço comemorou com justo orgulho duas datas maiores com os olhos postos no futuro expressando o seu apego aos ideais humanistas, aos ideais da liberdade, da solidariedade, da justiça e da fraternidade. O povo do Couço foi assim ontem, é assim hoje e será assim no futuro. (...)
Basta, como já aqui foi dito, que cada geração saiba transmitir à geração seguinte este seu "segredo": a dignidade vale mais do que tudo na vida e um povo que sabe e assume isso, vence sempre
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«Avante!» Nº 1286 - 23.Julho.1998