Privatizações, sector público e alternativa

Por Francisco Lopes
Membro da Comissão Política


O Governo PS, prosseguindo a política de direita, aprofunda o processo de destruição do sector público.
É um processo que corresponde a uma linha estratégica do governo de António Guterres, e que mais do que cedência e claudicação perante os grupos económicos e financeiros, significa uma efectiva convergência e fusão com os seus interesses.

Após toda a retórica e ilusão de mudança que andou a vender aos portugueses, o PS não só continuou a política de privatizações do PSD, como a levou mais longe.
O governo PS privatizou, empresas como a Portugal Telecom, a EDP, a Cimpor, a Brisa, a Portucel, a Tabaqueira, a Setenave, a Quimigal e o BFE, num processo que teve como últimos exemplos, os serviços de notariado, a linha de caminho de ferro Fogueteiro/Ponte 25 de Abril/Lisboa e a 2ª e 3ª fase da privatização da EDP.
Tem na calha entre outras empresas ou sectores, a privatização dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, da TAP, dos Aeroportos, dos Portos, dos Caminhos de Ferro, da Brisa, da Portucel, de empresas do sector agrícola e pecuário e de áreas do abastecimento de água e saneamento.

Ao mesmo tempo que está a levar ao limite a privatização de empresas e serviços públicos, o governo desenvolve a linha privatizadora da Administração Pública, sobre a qual o Secretário de Estado da Administração Pública veio teorizar, com declarações recentes, em que limita o papel do Estado á mera função de coordenação e aponta para a privatização de tudo o resto.

Este processo vem de longe, é um dos maiores escândalos das ultimas décadas e tem graves consequências para o país, numa dimensão que está longe de ser avaliada, nos seus efeitos presentes e implicações futuras.
O país perde centenas de milhões de contos de lucros, das empresas total ou parcialmente privatizadas, que o encaixe imediato resultantes das privatizações está longe de compensar a prazo.
A política do governo nesta matéria, corresponde a uma opção estratégica, mas não deixa também de ser influenciada pelo objectivo de cumprimento dos critérios de Maastritch e do pacto de estabilidade.

A utilização de dinheiro das privatizações no Orçamento de Estado, divulgada há poucos dias e as preocupações sérias colocadas por responsáveis da Administração Fiscal quanto ao pagamento de impostos, que as empresas privatizadas tendem a deixar de fazer, mostram quanto se está a hipotecar o futuro, vendendo o património.

Neste processo o favorecimento dos grupos e as negociatas que comprometem o interesse público são uma característica da responsabilidade, tanto do PSD como do PS, que a única coisa que podem seriamente discutir entre si, neste tipo de práticas, é quem ocupa o primeiro lugar.
Vendas directas, sub-avaliação, entrega ao desbarato, concessões atribuídas por valores ruinosos para o Estado, que em alguns casos ainda tem de pagar verbas elevadíssimas, imenso dinheiro gasto em propaganda, há de tudo um pouco, ao longo destes anos.

Um dia, independentemente dos resultados a que seja possível chegar nos inquéritos em curso na Assembleia da República, este processo será esclarecido. Mas, o que é conhecido permite dizer que a reconstrução do poder dos grandes grupos capitalistas no nosso país, nesta fase da vida nacional, é um processo assente nos favorecimentos, nas negociatas, no compadrio e no tráfico de influências de que o país e o povo português, estão a ser as grandes vítimas.

Alguns destes processos de favorecimento foram justificados com o pretexto da necessidade de criar núcleos duros de accionistas ditos nacionais, quando, o processo de privatizações tem significado a penetração do capital estrangeiro, com controlo e domínio de actividades, a quem os grupos "nacionais" estão associados e de quem em vários casos não passam de "testas de ferro", comprovando a conhecida verdade que o capital não tem pátria.
Após a entrega do controlo total de empresas e sectores, em particular da área financeira, hoje algumas das mais importantes empresas de serviços públicos têm já além de estrangeiros, administradores de um núcleo central de grupos económicos: Espírito Santo; BCP; Mello; Champalimaud; BPI; Belmiro de Azevedo e Amorim, permitindo-lhes, com baixas percentagens do capital, influenciar decisivamente a gestão.

A redução dos postos de trabalho, a desregulamentação e o ataque aos direitos dos trabalhadores, o agravamento da exploração têm estado sempre associados ao processo privatizador, aspectos que as concentrações, fusões e restruturações em curso na banca e em outros sectores estão a intensificar.
O desinvestimento nos serviços públicos e o seu encarecimento ou manutenção a preços injustificadamente altos, com a sua sujeição ao exclusivo critério do lucro é outra das consequências que é assumida com orientações explícitas em algumas empresas. Invocando as pressões dos accionistas para aumentarem os seus lucros, são definidas orientações no sentido da redução de investimentos, da subordinação da qualidade dos serviços ao conceito de custo/benefício, da definição da qualidade do serviço não como um fim em si próprio mas como um meio para o negócio.

Verifica-se também uma crescente fusão de interesses políticos e pessoais entre elementos dos núcleos dirigentes do PS, PSD e CDS/PP e os grupos económicos e financeiros, com a dança dos responsáveis, hoje como membros do governo, deputados, dirigentes partidários, amanhã como administradores ou consultores desses grupos e em outros casos associando em simultâneo á sua condição de deputados e dirigentes partidários altas responsabilidades nos referidos grupos.

Em todo este processo é cada vez mais saliente o rápido reforço dos grupos económicos e financeiros, que adquiriram um enorme poder económico, mas também um crescente controlo sobre a vida nacional, sobre a comunicação social e sobre o poder político, que é ilustrado pela arrogância com que falam.

A cimeira de Bicesse, que em 17 de Maio juntou o Primeiro-Ministro e uma grande parte do Governo com os principais elementos dos grupos económicos e financeiros, constitui um elemento esclarecedor, sobre o poder desses grupos e a posição do PS.
Ali estiveram reunidos os interesses que comandam o governo do país e se evidenciou que os portugueses votam, mas que, pela mão do PS, são os grupos económicos que mandam.

Usando uma expressão adaptada com propriedade para a actual realidade portuguesa, na opinião do PS, "o que é bom para os grupos económicos é bom para Portugal".

Estamos perante uma situação com aspectos novos. O Sector Público está consideravelmente reduzido e continua a ser golpeado pela acção do Governo PS que descobre todos os dias novas áreas a privatizar.
Face à ofensiva em curso pode colocar-se a questão de saber se ainda existe um Sector Público, qual o sentido da luta em torno deste, que Sector Público se exige para a concretização de uma alternativa, de uma política de esquerda.

Na situação actual e considerando o Sector Público, como as empresas, áreas e serviços de propriedade pública, o conjunto das participações do Estado ou de entidades por si controladas, (em que se inserem participações majoritárias e participações minoritárias com direitos especiais de intervenção), podemos dizer que apesar dos golpes sofridos, há ainda um sector público com uma dimensão e um papel importantes.
Importantes, mas, face ao poder do grande capital, insuficientes para sustentar um projecto próprio de desenvolvimento do país ao serviço do povo português, particularmente no quadro actual de tendência para internacionalização da economia.

Dada a importância do Sector Público ainda existente e a ofensiva de que é alvo, o prosseguimento e intensificação da luta em sua defesa e contra as privatizações constitui uma tarefa de grande actualidade e sentido de futuro, a travar simultaneamente com a exigência da adopção de orientações e objectivos de gestão alternativos aos actuais e em ligação com a resposta aos problemas e aspirações dos trabalhadores e das populações.

Coloca-se entretanto a necessidade de um sector público forte que, no quadro de uma nova política, do uso dos instrumentos e posições que o Estado detém, possa garantir a aplicação das grandes linhas e a concretização das orientações, capazes de assegurar o desenvolvimento de Portugal.

A Constituição foi sucessivamente alterada, no sentido de facilitar a recuperação do grande capital, mas mantém-se a obrigação da subordinação do poder económico ao poder político e da coexistência, do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção.
No entanto, de pouco serve um conceito geral de subordinação do poder económico ao poder político, que não tenha qualquer expressão prática, e não a terá com o nível que atingiu o poder e o controlo do grande capital sobre a economia e consequentemente sobre a vida nacional.
A luta em defesa do Sector Público e dos serviços públicos, contra as privatizações, está e estará, assim, cada vez mais ligada à necessidade do reforço do papel do Estado, do Sector Público, da propriedade social, nos sectores básicos e estratégicos, definidos numa perspectiva actual e de futuro, com novas exigências de eficácia de gestão e participação, no quadro de uma economia mista, em que o sector privado com empresas de diferentes dimensões tem, tal como o sector cooperativo, um papel importante a desempenhar.

Esta é uma questão essencial para a definição e concretização de uma alternativa de esquerda, que para o ser de facto, não pode significar a conivência com o enorme e acrescido poder económico e político do grande capital, nem representar assumidamente ou na prática a gestão política dos seus interesses.

Uma alternativa que o Partido Comunista Português insere, na luta por uma democracia avançada — política, económica, social e cultural —, na afirmação do seu projecto e ideais.


«Avante!» Nº 1286 - 23.Julho.1998