Açores - 9 de Julho
de 1998
Uma
data que não será esquecida
Por José Decq Mota
A data de 9
de Julho de 1998 vai ficar na memória e na história como sendo
um momento em que, no século XX, fez um dos mais violentos
terramotos que atingiram ilhas dos Açores.
Comparável pela sua intensidade a vários outros sismos de
grande magnitude que semearam noutros anos, morte e destruição,
o sismo de 9 de Julho causou 8 mortos no Faial tendo destruído
várias freguesias desta ilha, bem como algumas localidades do
Pico e algumas habitações em São Jorge.
Quem sentiu este
sismo não mais poderá esquecer a violência e persistência do
abalo e fica apto a perceber as gravíssimas e inevitáveis
consequências destrutivas verificadas nas zonas mais próximas
do epicentro e nas habitações que não são anti-sísmicas.
Chegar, como cheguei, à Ribeirinha, aos Espalhafatos ou ao
Salão, pouco tempo depois do sismo e ver o mar de destruição
que lá está, a desolação que marca os rostos, a dor estampada
na expressão de novos e velhos, faz criar uma determinação
muito grande em contribuir para que tudo seja reconstruído
depressa, mas bem.
A catástrofe que vivemos nestas ilhas centrais veio mostrar a
debilidade do nosso parque habitacional, a inconsistência de
certas orientações e a necessidade, muito urgente, de ser
prosseguida uma verdadeira política de reabilitação
anti-sísmica dos edifícios existentes.
Temos que ter também a consciência rigorosa de que este sismo
não mexeu apenas com os edifícios, mas afectou principalmente
as pessoas e as suas vidas.
Os longos vinte segundos do abalo destruíram vidas, haveres e
sonhos. Reconstruir, neste contexto, não é apenas uma tarefa de
construção civil. Reconstruir terá que ser, principalmente,
abrir caminhos novos para uma população que tem que viver e
produzir com maior comodidade e segurança.
Protecção Civil e solidariedade
Sou testemunha dos
acontecimentos de 9 de Julho e dias subsequentes e gostaria de
registar algumas situações que observei.
A Comissão Local da Protecção Civil esteve à altura da
dimensão da catástrofe. As acções por ela desenvolvidas foram
crescendo permanente e prontamente por resultado directo da
informação objectiva que ia chegando.
O Hospital da Horta mostrou um elevado grau de prontidão e as
equipas conjuntas do Hospital e do Centro de Saúde depressa
estavam no terreno.
A Comissão Regional de Protecção Civil chegou rapidamente ao
Faial e entrosou-se muito bem com os trabalhos que já decorriam.
Os reforços da Protecção Civil Nacional foram oportunos e
vieram com rapidez.
A nível dos socorros imediatos tudo funcionou bem, porque
funcionou com um claro sentido de solidariedade.
Gostaria, no entanto, de deixar algumas referências
especiais.
A primeira delas vai para a Associação Faialense de Bombeiros
Voluntários, pela sua imediata mobilização e pela sua
prolongada e permanente acção.
Não nos podemos esquecer que muitos dos bombeiros do Faial
tiveram também problemas nas suas moradias e têm, como todos
nós, as suas famílias.
Não obstante isso permeneceram no terreno salvando,
desobstruindo, garantindo o abastecimento de água, organizando
campos de desalojados, etc.
Uma palavra também é devida aos destacamentos de bombeiros do
Pico, São Jorge, Terceira e outras ilhas que estiveram no Faial,
bem como aos destacamentos e meios militares que compareceram. Os
radioamadores destas ilhas deram um inestimável contributo na
eficiência das comunicações.
As empresas de construção civil disponibilizaram máquinas e
trabalhadores e só assim foi possível repor as ligações
rodoviárias e criar segurança demolindo escombros perigosos.
A EDA e os seus trabalhadores conseguiram o «milagre» de
restabelecer a energia eléctrica em todas as freguesias no
próprio dia 9.
Os trabalhadores dos Municípios, das Obras Públicas, dos
Serviços Florestais, dos Serviços Agrícolas, do Instituto de
Acção Social e de outros serviços deram enormes exemplos de
esforço, dedicação e sentido de solidariedade.
As IPSS souberam, também, dar resposta imediata, especialmente
no que respeita à alimentação dos desalojados e o voluntariado
funcionou bem no que toca ao Banco Alimentar, Cáritas e outros
organismos.
O Serviço Regional de Protecção Civil e o SIVISA (vigilância
sismológica) mantiveram e mantêm ainda hoje a população
informada sobre a evolução da crise, adoptando uma postura
muito louvável de prevenção, alerta e verdade.
A vida dos cidadãos desorganizou-se de modo súbito, mas, no
geral, a sociedade, as instituições, as pessoas individualmente
consideradas souberam ser solidárias e encontrar as respostas de
emergência que eram necessárias.
Da destruição à reconstrução
A dimensão da
destruição é muito grande na ilha do Faial e, embora de menor
volume, é muito significativa nalgumas localidades do Pico.
As medidas a tomar no plano legislativo, administrativo e
organizativo, tendo em vista a reconstrução terão que ser
medidas compatíveis com a magnitude do problema.
Os meios financeiros, técnicos e humanos que são
indispensáveis serão inevitavelmente vultuosos e com um elevado
grau de exigência.
As decisões dos órgãos políticos e o acompanhamento da
respectiva execução exigem simultaneamente rapidez, eficiência
e profundidade.
Partindo do momento actual há uma primeira prioridade a cumprir
que é a de passar os desalojados das tendas e polivalentes para
módulos prefabricados, antes que o Inverno chegue.
A definição do quadro legislativo que vai enquadrar a
reconstrução e as ajudas aos sinistrados é outra prioridade a
desenvolver com urgência.
Seria um erro pensar que o órgão de coordenação a criar se
deve substituir aos Municípios das zonas afectadas, ou que não
tem que ter um enquadramento político e técnico substancial e
experiente.
É necessário mobilizar todos os meios técnicos locais, é
necessário estabelecer diálogo com as populações e é
indispensável deitar mão a experiências anteriores, como é o
caso da reconstrução da Terceira.
Reconstruir terá que ser também melhorar a qualidade
construtiva, melhorar a vivência colectiva e melhorar a
qualidade de vida das populações.
A reconstrução das zonas rurais têm que ter em conta a
importância e o peso vital que a agro-pecuária tem nesta
economia.
É esquecida por muitos a luta titânica que os lavradores das
zonas atingidas têm desenvolvido desde o dia 9/7, para manter as
suas manadas e fornecer, especialmente, água ao gado.
Essa luta que mostra uma profunda determinação em evitar perdas
nos meios de subsistência, evidência também que é necessária
uma verdadeira intervenção a nível do abastecimento de água
às explorações e a nível da reabilitação da rede viária
vicinal.
Há que testar o Plano Director Municipal do Faial (em fase de
conclusão) face à situação criada com o sismo; há que pensar
em planos de pormenor das zonas atingidas; há que reconstruir,
modernizando mas mantendo, no grau possível, algumas
características importantes e fundamentais.
As ajudas a estabelecer têm que ser canalizadas para os
sinistrados, evitando-se todos os tipos de oportunismos e
aproveitamentos que tendem a surgir nestas situações.
Há, acima de tudo, que haver sentido de diálogo com as
populações, envolvimento dos meios humanos locais e regionais e
o bom senso bastante para não se consentir em raciocínios e
cedências que prejudicariam os sinistrados e comprometeriam a
qualidade da reconstrução.