Ficção
científica
O "aviso por causa da ciência" que sob a forma de artigo de opinião o ministro Mariano Gago subscreveu no Público da semana passada (15/7) e que reproduz praticamente na íntegra a intervenção que no dia 8 de Maio havia proferido durante uma deslocação oficial ao Porto justifica algumas observações.
Pondo de parte o tom épico escolhido pelo
professor Mariano Gago - do género: "saberemos honrar a
história desses que nos precederam, cumprindo o desígnio de
vencer finalmente o atraso científico, de romper definitivamente
o isolamento social da ciência e de tornar a cultura científica
e tecnológica, viva e actuante, uma prioridade nacional" -
o que convoca mais vivamente a atenção dos leitores é a
avaliação cor de rosa que o ministro faz da situação na área
da C&T nacional. E o prognóstico verdadeiramente eufórico
que projecta para o futuro próximo, quando afirma que o
"atraso científico português pode finalmente ser vencido
num prazo compatível com a duração de um programa realista,
ambicioso e profundamente integrado na vida social, económica e
cultural do país e no contexto do desenvolvimento científico e
tecnológico internacional".
Programa esse cuja elaboração está ainda dependente da
obtenção, entre Maio e Novembro do presente ano, de
"contributos para o levantamento das necessidades e
oportunidades do desenvolvimento científico e tecnológico
português"... E cuja operacionalização está prevista,
para o final do mandato legislativo do Ministério, que é
também a altura da realização das próximas eleições para a
AR (Outono de 1999)...
Para quem conhece os progressos do sistema científico e tecnológico nacional registados desde o 25 de Abril; mas que não ignora igualmente o carácter limitado e insuficiente desses progressos e a imensa distância, quantitativa e qualitativa, que continua a separar Portugal dos "níveis médios do desenvolvimento científico da Europa Comunitária"; - a análise cor de rosa e o prognóstico eufórico que o professor Mariano Gago subscreve, não podem deixar de suscitar perplexidade. E os números sobre patentes em 1997, divulgados há poucos dias, segundo os quais em 99.800 pedidos de registo junto do Gabinete Europeu de Patentes, apenas 21 tinham sido apresentados por Portugal; e segundo os quais em 39.646 patentes atribuídas apenas 5 tinham sido atribuídas a Portugal; - apenas servem para acrescentar um importante indicador a essa perplexidade.
Resta então a necessidade de tentar explicar o entusiasmo estival do professor: terá o seu documento o sentido de um testamento político? ou não passará, afinal, de um exercício de ficção científica? Edgar Correia