Má-fé
e/ou ignorância
Os adversários da regionalização
evidenciam um crescente nervosismo. Apesar do PS lhes ter feito
todas as vontades e lhes ter concedido todas as vantagens
os adiamentos sucessivos, o referendo à partida
inconstitucional, as perguntas incongruentes temem
manifestamente a consulta popular.
Tinham apostado no referendo como pura manobra obstrucionista.
Depois convenceram-se, em face das sondagens, que a sua
realização daria uma folgada vitória ao não. Agora já
perceberam que não é bem assim e que os resultados das
sondagens, mais do que produto da sua acção mistificadora, são
consequência das posições equívocas que o PS tem assumido e,
em geral, das omissões e da timidez no domínio do
esclarecimento por parte de todos os defensores da
regionalização.
O que melhor traduz este nervosismo dos adversários da reforma
descentralizadora é a ridícula diabolização com que a
apresentam e, salvo raras excepções, a incapacidade de trazerem
ao debate argumentos sérios, pertinentes, que tenham a ver com o
que está em causa.
O que eles dizem das Regiões Administrativas é tão estranho ao
que estabelece o texto constitucional e às soluções
encontradas na legislação aprovada pela Assembleia da
República que se torna apropriado perguntar se trata de má-fé
ou de ignorância.
É claro que Proença de Carvalho, chefe «Portugal Único»,
sabe muito bem que está a mentir quando aponta como alvo do seu
movimento o «projecto de retalhar o país em regiões
político-administrativas», como disse numa entrevista ao
«Expresso», ou quando agita o perigo do «fraccionamento do
Estado com oito governos regionais em concorrência com o Governo
central», como disse em declarações à SIC.
É evidente também que o ex-furioso regionalista do PSD,
António Capucho, sabe perfeitamente que está a querer enganar
quem o ouve quando usa a expressão «esquartejar» para se
referir à delimitação das Regiões Administrativas aprovada
pelo PCP e o PS na Assembleia da República.
São também essencialmente marcados pela má-fé os argumentos
usados por Cavaco Silva, Mário Soares, Marcelo Rebelo de Sousa e
vários outros que pintam a regionalização como uma ameaça à
coesão nacional.
É curioso registar como um ex-adversário da regionalização,
agora adepto dela, Almeida Santos, respondeu a estes argumentos
explicando, numa recente entrevista ao «DN»: «quem gosta dos
municípios não pode deixar de gostar também das regiões que
são uma espécie de autarquia de espaço superior».
Os textos da Constituição e das leis aprovadas na Assembleia
são aliás inequívocos na definição da região administrativa
como a autarquia que falta, não deixando dúvidas que os seus
órgãos não têm competências políticas, mas tão-só
administrativas e de coordenação.
A par da má-fé que enxameia a argumentação dos adversários
da regionalização, eles revelam também, apesar da prosápia,
muita ignorância do país real, seja a província profunda e
periférica, sejam as próprias freguesias da capital, como
assinalava há dias o camarada Andrés, na conferência de
imprensa do PCP. Quem atenta seriamente nos problemas do país
todos os dias descobre situações que poderiam ser resolvidas
com muito maior rapidez e eficácia se as regiões
administrativas já existissem.
Refiro um exemplo concreto, entre numerosos que se podem citar,
relativo às grandes cheias de Novembro do ano passado. No baixo
Guadiana todos os cais destinados a embarcações de recreio
foram arrastados pela corrente súbita e impetuosa. Estes cais
constituem um elemento essencial para o turismo na região, por
isso o Governo, o governador civil, todas as autoridades
garantiram que seriam rapidamente reconstituídos e até
ampliados e melhorados. Houve concursos, relatórios, pareceres
dos ministérios implicados. A matéria subiu a Lisboa, baixou à
periferia, voltou a subir a Lisboa, e com todas estas andanças o
Verão vai a meio e sobre os cais as notícias mais esperançosas
são as que talvez lá para Setembro comecem as obras. Mesmo que
tal aconteça é um ano perdido. É assim que se perdem tantas
oportunidades no país. No caso, trata-se de matéria onde há
concorrência geral, não é um investimento assustador, com toda
a vantagem podia ser resolvido na região. Como este tantos
outros.
A regionalização é, também, a reforma da administração com
duas componentes essenciais: a descentralização e a
democratização.
A primeira, implica transferir para as regiões decisões e
procedimentos administrativos que nada justifica que continuem
centralizados em Lisboa.
A segunda, implica que estas competências sejam conferidas a
órgãos resultantes do sufrágio das populações e por estas
democraticamente fiscalizados.
É isto que mete medo aos centralistas. Temem sobretudo que, por
esta via, qualquer parcela de poder escape à lógica do bloco
central. Carlos Brito