CGTP condena «fúria legislativa» do Governo
«Inaceitável cedência
ao patronato»



E entrevista ao «Avante!», José Ernesto Cartaxo, da Comissão Executiva da CGTP-IN, comenta a actual situação social e laboral, com destaque para as alterações legislativas que o Governo pretende efectuar. São analisadas as greves dos motoristas e dos pilotos de barra e a reestruturação sindical e são reveladas as grandes linhas da agenda sindical já definida para a «rentrée».

— Está em marcha a alteração de muitos aspectos da legislação laboral, num sentido desfavorável aos trabalhadores. O facto de estarmos num período que, em muitas empresas, é até de encerramento para férias significa que o Governo alcançou os objectivos que pretendia quando definiu este calendário e que os seus projectos vão mesmo ser aprovados?

— De facto, não se entende, e muito menos é aceitável, que a produção legislativa em curso recaia em pleno período de férias, o que objectivamente inviabiliza o cabal exercício do direito de participação dos trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho.
Encontram-se, de momento, em processo de produção legislativa nada menos do que 34 projectos com incidência laboral, entre os que estão em discussão pública e os que estão em apreciação em sede de Concertação Social.
À falta de argumento credível, o Governo tem vindo a evocar a necessidade de cumprir o desacreditado Acordo Estratégico, para lançar uma despropositada e grave ofensiva legislativa contra os direitos dos trabalhadores, quando o que está em causa é uma inaceitável cedência às exigências e ameaças do patronato.
A fúria legislativa que se apossou do Governo até fez esquecer as regras legislativas processuais, levando-o a querer usurpar competências que são pertença da Assembleia da República. Tal precipitação obrigou já o Governo a arrepiar caminho, de tal forma que 3 dos projectos legislativos que se encontram, neste momento, sujeitos à discussão pública vão ser remetidos à AR e, em nosso entender os restantes devem seguir o mesmo caminho.
Este procedimento vem confirmar a justeza das reclamações expressas pela CGTP-IN e é também resultado da determinação manifestada pela estrutura sindical e pelos trabalhadores, bem patente nas acções desenvolvidas no mês de Maio e Junho e, em particular, no Plenário Nacional de Activistas no passado dia 22 de Julho, no qual participaram 2 mil quadros, o que já obrigou o Governo a um primeiro recuo. Mas os perigos reais não estão ainda afastados.


— Qual é o perigo real desta «fúria legislativa»?

— A essência do actual processo legislativo é a desregulamentação do trabalho e o reforço dos poderes patronais, isto é, a generalidade dos projectos legislativos contém matérias que lesariam gravemente importantes direitos dos trabalhadores - como é o caso da escandalosa tentativa de alteração do conceito de retribuição, que conduziria à redução real de algumas prestações salariais.
Mas também outros diplomas contêm disposições inaceitáveis. É o que se passa, nomeadamente, com o tempo parcial, «lay-off», regime das férias, contratos a prazo, trabalho nocturno e, pasme-se, dar ao patronato o direito de participação na elaboração da legislação do trabalho.
O processo legislativo em curso comprova que o Governo persiste na prática de produzir legislação avulsa, em doses sucessivas, deixando para trás a sistematização técnica do quadro geral da legislação do Trabalho que, se feita com rigor e objectividade, irá desmistificar a tese da rigidez da leis do trabalho como factor impeditivo da competitividade das empresas e comprovar que os trabalhadores portugueses têm, na prática, um nível de protecção laboral e social muito inferior ao da generalidade dos outros trabalhadores europeus.


— Quem será mais atingido se as alterações se concretizarem?

— Os trabalhadores em geral e os jovens em particular, na medida em que iriam encontrar um quadro legislativo com maior desprotecção, desregulamentação e precarização do trabalho.
Sabendo-se dos problemas existentes a nível do emprego, nomeadamente em relação aos jovens, e do desemprego de longa duração; da crescente precarização do trabalho; das ameaças de despedimentos em muitas e importantes empresas; das pesadas cargas dos horários de trabalho; do baixo nível salarial (Portugal está na cauda dos salários europeus); da crescente desigualdade na distribuição do rendimento e do baixo nível de consumo das famílias trabalhadoras; das ameaças que pesam cada vez mais sobre a Segurança Social e o sistema de reformas; do precário sistema de Saúde - sabendo-se tudo isto e tendo presente que se atravessa um período de crescimento económico sustentado, segundo diz o Governo, então será legítimo interrogar: em nome de que interesses nacionais se pretende agravar ainda mais a situação dos trabalhadores portugueses por via da actual ofensiva legislativa?
O que os trabalhadores exigem, o que o País precisa, não é desta legislação, mas outra, de sinal contrário, que qualifique o trabalhador e valorize o trabalho.

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Os resultados da luta
são estímulo para continuar


— No plenário da CGTP-IN, dia 22, usou da palavra um dirigente do Sindicato dos Capitães, Oficiais Pilotos, Comissários e Radiotécnicos da Marinha Mercante, representativos dos pilotos de barra, que não é filiado na central. Por que motivos apoia a CGTP-IN a greve dos pilotos e como vê a posição do Governo neste caso?

— A participação de sindicatos não filiados nos plenários e outras iniciativas da CGTP é uma prática corrente, à luz dos princípios da unidade e democracia sindical que orientam a nossa confederação.
Quanto ao conflito, ele resulta da forma como o Governo se propõe «reestruturar» o sector marítimo-portuário, cedendo às pressões de interesses particulares de natureza económica, pretendendo impor unilateralmente um modelo dogmático, sem abertura ao diálogo com as organizações representativas dos pilotos.
As medidas anunciadas pelo Governo não só não resolvem o conflito, como foram precipitadas, porque não foram antes esgotadas as possibilidades de diálogo e porque correspondem a uma incorrecta avaliação do papel do serviço público de pilotagem que pode acarretar consequências económicas, ambientais e sociais desastrosas.

O que levou os dirigentes da Festru/CGTP-IN a defenderem a suspensão da greve dos motoristas de mercadorias perigosas?

— Ter obtido, da parte do Governo, a garantia de alterar o actual sistema de revalidação do certificado de formação exigível para o transporte de mercadorias perigosas, de forma a que nenhum motorista corra o risco de desemprego em resultado da acção de formação de reciclagem destinada a reforçar as competências profissionais.
Para já, ficou assegurado, entre outras condições, que os actuais certificados permanecem válidos até Fevereiro de 1999. Acabou também o actual sistema de avaliação, baseado em exames ou testes escritos. Garantiu-se a obrigatoriedade da formação adequada às necessidades dos trabalhadores, responsabilizando, por isso, a entidade formadora. Os custos com a formação e renovação do certificado passam a ser da responsabilidade dos empregadores e/ou do Estado, e não dos trabalhadores como acontecia até agora. Caso se verifique insuficiência de conhecimentos por parte de algum motorista na acção de formação, esta terá de ser repetida e, mantendo essa situação, competirá a um júri tripartido, no qual a federação está representada, proceder à avaliação cujo resultado só é válido desde que haja necessidade.
E, ainda, ter obtido, da parte da associação patronal, a atribuição de um subsídio de risco, cujo valor está a ser discutido, com base na reivindicação sindical que é de 40 contos.
Estes foram os resultados, obtidos de imediato, que levaram a Festru a propor a suspensão da greve. A decisão tomada democraticamente pelos plenários de motoristas confirmou a oportunidade e justeza dessa proposta.


— As movimentações laborais que se verificaram desde há alguns meses têm reflexos na organização sindical dos motoristas?

— De uma forma geral, as lutas reivindicativas têm tido reflexos positivos na organização sindical, e esta não foge, decerto, à regra.
O crescendo das lutas verificadas no primeiro semestre do ano, os factores novos que trouxe à luta sindical e, sobretudo, os resultados alcançados, são um elemento importante que não deixará de estar presente em toda a nossa acção e, estamos certos, constituirá um estímulo ao prosseguimento e intensificação da luta, com confiança e determinação, na defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores, criando também condições para a necessária mudança de rumo das políticas económicas e sociais no nosso País.


— Como está a decorrer o processo de reestruturação no movimento sindical unitário?

— O processo de reestruturação sindical é um processo contínuo e demorado, de adequação da organização sindical às alterações no aparelho produtivo, na organização das empresas, na estrutura do emprego, na evolução das profissões e na definição de melhores formas de intervenção sindical no quadro económico, social, político e ideológico em que esta se desenvolve.
A reestruturação sindical em curso implica ainda o reforço da organização sindical de base, com mais sindicalização e mais participação dos trabalhadores, a eleição de mais delegados sindicais, a sua formação e acompanhamento.
A reestruturação sindical implica também um processo de concentração de sindicatos e federações, que resultará em organizações mais fortes, com maior concentração e mais descentralização da acção e dos meios humanos e materiais, para os locais de trabalho e as regiões.
Este processo de reestruturação tem uma componente defensiva e de resistência, de salvaguarda da base e dos direitos essenciais existentes, e outra componente de ressurgimento e crescimento da sindicalização e da acção em diversos sectores, e de implantação em novos sectores emergentes.


— A CGTP-IN já marcou a agenda para a «rentrée»?

— Sim, nos órgãos da nossa central e numa recente reunião de federações e uniões sobre acção reivindicativa, já se fez um primeiro balanço da luta desenvolvida nestes primeiros 7 meses do ano e perspectivou-se a sua continuação para o segundo semestre.
Neste sentido, estão marcadas reuniões da Comissão Executiva e do Conselho Nacional para os dias 31 de Agosto e 2 de Setembro, respectivamente, de federações e uniões para o dia 11 de Setembro, e as restantes estruturas estão a programar, para a primeira quinzena de Setembro, reuniões dos órgãos e plenários de activistas, para que, a partir da segunda quinzena de Setembro, também de forma programada, todo o nosso trabalho seja virado para o contacto, o esclarecimento e a mobilização dos trabalhadores nos locais de trabalho.
Os objectivos de luta que irão estar no centro de todo este trabalho têm a ver com a luta contra a revisão da legislação laboral, a defesa e melhoria da Segurança Social e o desenvolvimento da luta reivindicativa nas empresas, em articulação com a contratação colectiva, em torno dos salários, da redução dos horários de trabalho (nomeadamente visando o grande objectivo das 35 horas), da defesa do emprego com qualidade, da inclusão dos prémios nos salários-base, da higiene e segurança, da formação contínua e da defesa dos direitos, tendo presente as reivindicações específicas de cada sector e empresa.
Neste calendário para a «rentrée» não podemos deixar de dar muita atenção à campanha de fundos para a sede da CGTP-IN e à sindicalização, às comemorações do 28º Aniversário da CGTP-IN, à preparação e realização da 3ª Conferência de Organização (dias 27 e 28 de Novembro no Porto) e, ainda, a participação na campanha do referendo pela regionalização...

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Crescimento para o capital

— Foram divulgadas na semana passada estatísticas oficiais do Banco de Portugal que confirmam estar-se a viver um período de crescimento económico no País. Concluída nesta altura boa parte dos processos de revisão da contratação colectiva, a CGTP-IN tem dados que permitam avaliar em que medida esse crescimento se reflectiu nos salários e nas condições de vida dos trabalhadores?


Na verdade, todos os dados disponíveis apontam para o crescimento económico, mas, em simultâneo, são conhecidos outros dados que confirmam aquilo que temos vindo a denunciar e combater, ou seja, que este crescimento não se tem vindo a reflectir numa melhor distribuição do rendimento nacional a favor do trabalho.
Basta atentar que, só entre 1992 e 1996, os salários perderam vários pontos face aos lucros e a rendimentos de propriedade e de capital (em 1992 a parte dos salários era de 45,1% e em 1996 era de 40,7%).
A própria Comissão Europeia reconhece que a parte da massa salarial no Produto Interno Bruto tem vindo a cair e que os custos salariais por unidade produzida estão num nível inferior aos de 1970. E até um estudo recente da UNICE (confederação patronal europeia) conclui que, em Portugal, os custos directos e indirectos com a mão-de-obra são os mais baixos da Europa, mesmo atrás da Grécia.
Estamos, portanto, perante uma redistribuição profunda do rendimento a favor do capital e em detrimento da força do trabalho.
Pese embora a intensa luta reivindicativa realizada este ano, em torno dos salários, e que levou à conquista de aumentos médios superiores ao tecto psicológico que o Governo tentou impor, através da Função Pública, a verdade é que, mesmo assim, ficamos ainda muito aquém, senão mais longe, da aproximação dos salários médios europeus.
É neste quadro que a luta por melhores salários continua na ordem do dia, tanto mais que, com a entrada em vigor do euro, os diferentes níveis de preços e salários praticados em cada um dos países da UE vão ficar mais evidentes, o que vem dar mais argumentos à justeza da luta pela melhoria do poder de compra dos salários.


«Avante!» Nº 1287 - 30.Julho.1998