Angola
Massacre na Lunda
é prenúncio de guerra


A situação em Angola tem vindo a degradar-se nos últimos meses, com forças da Unita a retomarem pelas armas o controlo de diversas localidades do país, e agravou-se ainda mais com o massacre da semana passada, em Mussuku, na Lunda Norte, em que perderam a vida mais de 200 pessoas.

O governo angolano acusa a Unita de ter paralisado o processo de paz, saído do acordo assinado em Novembro de 1994 em Lusaca, ao lançar uma ofensiva no passado mês de Março. Para Luanda, o ataque a Mussuku inscreve-se nesta ofensiva.
Na segunda-feira, as autoridades de Luanda decretaram um dia de luto nacional em memória das vítimas do massacre. Segundo o primeiro-ministro, Fernando França Van-Dunem, a medida visa expressar «a mais viva repulsa pelo assassinato cruel de mais de duas centenas de cidadãos indefesos».
De acordo com os números oficiais, o massacre - que segundo o governo e o testemunho de sobreviventes foi perpetrado «pelas forças ilegais da Unita» - causou 215 mortos e 90 feridos.
Uma delegação de 'capacetes azuis' foi encarregada de efectuar um inquérito aos acontencimentos na Lunda Norte, de que a Unita rejeita qualquer responsabilidade.
A Comissão Conjunta agendou entretanto para hoje uma sessão plenária, com a participação de delegações do governo e da Unita.

As dúvidas quanto ao sucesso destas iniciativas são muitas. Segundo o ministro da Defesa de Angola, general Pedro Sebastião, a situação militar do país «é preocupante», e as forças armadas «estão prontas para a defesa da pátria».
«Tão depressa o governo entenda que pela via do diálogo não é possível resolver o conflito, naturalmente que tomará as disposições necessárias para que as FAA possam cumprir com o seu papel», adiantou.

O secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, decidiu por seu lado enviar a Angola o diplomata argelino Ibrahim Brahimi, que será portador de uma mensagem ao governo e aos ex-rebeldes da Unita, em mais uma tentativa para tentar salvar o processo de paz.
Entretanto, o porta-voz das Nações Unidas, Fred Eckhard, declarou que Kofi Annan prevê nomear «até ao fim da semana» um substituto permanente de Alioune Blondine Beye, o antigo enviado especial do secretário-geral para Angola que morreu a 26 de Junho num acidente aéreo na Costa do Marfim, em condições ainda não esclarecidas.


Unita acusa

A Unita acusa, por seu turno, as autoridades de Luanda de terem transformado a extensão da administração do Estado a todo o território angolano num «ajuste de contas, devido à excessiva carga partidária dos administradores municipais e comunais».
Segundo declarações recentes do secretário-geral da Unita, general Paulo Lukamba «Gato», o facto de os responsáveis administrativos governamentais serem simultaneamente responsáveis partidários acabou por complicar um processo que «teria sido a expressão mais concreta da Reconciliação Nacional».
A direcção da UNITA considera «existir um programa do governo visando destrui-la», pelo que afirma que o Andulo, Bailundo, Mungo e Nharea só «serão entregues à autoridade do Estado desde que sejam dadas garantias concretas de que o que se pretende não é a extinção da UNITA como partido político, mas sim a normalização da Administração do Estado».
Paulo Lukamba «Gato» garante que aqueles são os únicos locais onde a «Unita ainda existe com as suas estruturas». Uma afirmação que os últimos acontecimentos parecem desmentir.
Vale a pena referir, a propósito, as considerações de Paulo Lukamba «Gato» sobre a paz: «A paz não é só a ausência da guerra. É um estado de espírito, é um comportamento em que a reconciliação nacional, o reconhecimento recíproco, a tolerância, a cultura da democracia, são os pilares» afirmou, sublinhando depois que «ela é um bem supremo que precisa de ser preservado por todos e a todo o custo».
O massacre da semana passada, que vitimou trabalhadores e respectivas famílias, incluindo inúmeras crianças, é bem revelador do «estado de espírito» que reina em Angola.


«Avante!» Nº 1287 - 30.Julho.1998