As ideias dos comunistas

Por Edgar Correia
Membro da Comissão Política


Pouco mais de cinco meses decorreram depois do apelo que o Comité Central dirigiu a todos os militantes e organizações do Partido no sentido do "desenvolvimento de um vasto movimento de reflexão, debate, tomada de decisões e adopção de medidas" visando a "dinamização, renovação e maior eficácia política da organização e intervenção do PCP, e para a ampliação da sua influência na classe operária e nos trabalhadores".

A complexidade e a exigência das dificuldades a que o "novo impulso" foi chamado a dar resposta, a que acresce um calendário político particularmente preenchido até ao final do próximo ano, confirmou um quadro de concretização das orientações definidas que não é fácil. A que se têm também somado, em alguns casos, diferenças de sensibilidade em relação à análise dos problemas da sociedade e do Partido e às prioridades e medidas a adoptar.
Sustenta-se por isso aqui a afirmação de que não há alternativa ao "novo impulso" que o Comité Central propôs a todo o Partido. De que se torna indispensável uma grande tensão e unidade de esforços para levar por diante, simultaneamente, cada uma e integradamente as três grandes linhas de trabalho apontadas: a perspectiva mobilizadora e combativa da afirmação, crescimento e dinamismo do Partido; a afirmação estratégica de um projecto de esquerda e de poder para um novo rumo democrático; e a confiante intervenção política e de massas junto dos trabalhadores e das populações. E de que qualquer visão imobilista ou qualquer prática redutora destes objectivos, só acrescentaria mais dificuldades às dificuldades já existentes e que estamos a procurar ultrapassar com base nas orientações adoptadas colectivamente.
Enfrentando por isso problemas e atrasos há muito reconhecidos e a que os resultados das autárquicas vieram apenas, e mais uma vez, dar visibilidade; actuando nas condições de um calendário muito absorvente, mas tentando também tirar partido do período de intensificação da luta social e política em que o país entrou; compreendendo, com rigorosa lucidez, que os resultados das próximas legislativas vão ser particularmente importantes para o futuro da influência do Partido na sociedade portuguesa - os comunistas estão confrontados com pressionantes desafios.
Desafios que põem à prova a sua capacidade de discernimento do que é essencial, na presente fase da vida partidária. Unidade baseada nos princípios e, ao mesmo tempo, coragem para contrariar, onde se manifestem, expressões de imobilismo político e ideológico, de formalismo e de rotina, e que são enfraquecedoras do Partido. Esforço de envolvimento dinâmico e responsabilizante de todas as forças e reservas da inteligência e da acção partidárias. Mais profunda abertura, em todo o país, à classe operária e a todos os trabalhadores, à juventude, à sociedade, e intervenção activa nas suas causas concretas e lutas sociais e políticas.


Desmontar mistificações

As tentativas, de que alguma comunicação social tem sido portadora, para promover elementos de intriga e de mistificação que prejudiquem o "novo impulso na organização, intervenção e afirmação política" decidido pelo Comité Central, não apresentam nada de surpreendente. E confirmam mesmo, se bem ajuizarmos, a preocupação de adversários políticos com a possibilidade dos comunistas conseguirem estancar a sua perda de influência política e social e retomarem um processo de crescimento.
Não é aliás difícil de prever, à medida que se aproximarem as próximas eleições legislativas e que se acentuarem as pressões hegemónicas por parte do governo do PS para atingir a maioria absoluta, que o PCP irá ser sujeito a acrescidas pressões ideológicas externas.
Bom será que todos os membros do Partido o compreendem. E que dêem o seu contributo, com frieza de cabeça e clareza de ideias, para desmontar e rechaçar insinuações e afirmações de sentido divisionista e confusionista.
É o caso, por exemplo, da falsa contraposição entre a afirmação comunista e a política de alianças, sociais e políticas, de carácter mais permanente ou conjuntural, que o Partido promove e concretiza na sua actividade quotidiana.


Afirmação comunista

O Partido Comunista Português possui uma natureza e identidade bem definidas e objectivos programáticos claros cuja aceitação é aliás condição básica para que se seja seu membro. Tem também regras e momentos próprios para o colectivo avaliar e aperfeiçoar conceitos, concepções e modos de funcionamento fundamentais por si adoptados.
A afirmação comunista, do ideal revolucionário e do Programa do Partido, são naturalmente exigentes de um constante trabalho político e ideológico. Esta afirmação tem aliás tanto mais razão de ser quanto o fracasso da construção do socialismo na URSS e nos países do leste da Europa, do "modelo" de sociedade e do partido que aí vigorou durante décadas, representou a queda de referências que foram essenciais para os comunistas de todo o mundo, incluindo os comunistas portugueses apesar das circunstâncias muito particulares da sua história e da sua luta.
É por isso que a afirmação comunista, hoje, é inseparável da compreensão crítica do que o socialismo não é e dos caminhos que não levaram - está agora claro que não podiam levar - a que a sua construção fosse bem sucedida, apesar do abnegado empenho e do sacrifício de gerações de trabalhadores e de muitos comunistas, generosos e íntegros. E é também inseparável da crítica ao dogmatismo (mesmo quando este se apresenta a si próprio como antidogmático) e à instrumentalização teóricas, que bloqueiam a capacidade dos comunistas, na esteira de Marx, aprofundarem o conhecimento da sociedade e do mundo actuais, em toda a sua dinâmica e complexidade contraditória, e prosseguirem com eficácia a luta pelo seu programa de transformação emancipadora da sociedade.


Um projecto de esquerda

No quadro partidário nacional e ao longo de muitos anos não se encontra qualquer outra força que, como o PCP, tenha afirmado com tanto rigor e verdade os seus objectivos políticos e sociais e apresentado com tanta clareza a sua política de alianças, de carácter permanente ou conjuntural, para a sua concretização.
Não auguramos pois grande sucesso aos nossos detractores quando procuram contrapor, na actividade do Partido, a afirmação comunista à defesa de tal ou tal objectivo concreto ou à concretização de uma política unitária de esquerda.
Quando o plano e o projecto de alguns era a subalternização do PCP e a planetarização das diversas organizações e sensibilidades de esquerda em torno de um grande sol hegemónico - o governo do PS, com o prosseguimento da sua actual política -, é motivo inspirador de confiança no futuro o progresso da ideia avançada pelos comunistas, de um genuíno processo de diálogo e de debate à esquerda, respeitador da pluralidade das expressões e das diferenças. E que é movido pelo propósito de afirmação de um projecto de esquerda e de poder, susceptível de viabilizar no futuro uma alternativa democrática a um rotativismo centrado no PSD ou no PS que, com diferenças de estilo e de algumas orientações específicas, na realidade se tem identificado na continuidade da inspiração neo-liberal das suas políticas fundamentais.


«Avante!» Nº 1287 - 30.Julho.1998