A direita também encalha


A viagem para a direita não tem sido um alegre passeio, nem a recuperação capitalista uma espécie de blitzkrieg. A cada passo, por mais derrubante ou menos audacioso, tem vindo sempre a encontrar, ao correr destes mais de vinte longos anos, um campo de escolhos e barreiras, onde a política de direita tropeça e, por vezes, encalha. Barreiras erguidas pelos trabalhadores e pelos homens e mulheres de esquerda, à custa de muitos sacrifícios. Se tal não fosse, há muito que a direita poderia vangloriar-se de ter recuperado para os antigos donos e para novos patrões o essencial do que haviam perdido no 25 de Abril - o poder do dinheiro sobre a política, a liberdade e a vida dos cidadãos.

Esta viagem difícil - uma viva luta de classes que se vem travando entre os recuperadores de privilégios e os defensores dos direitos, entre a direita e a esquerda, entre os capitalistas e os trabalhadores - está, infelizmente, a ser concluída nesta fase. A direita vem ganhando. Sem razão que lhe assista, apoiada na mentira e na força, em amizades espúrias e alianças vis. No vasto campo de batalha, ficaram pelo caminho empresas destruídas, terra abandonada, centenas de milhares de desempregados, jovens sem futuro à vista, direitos estropiados. Mais razões para que, à esquerda, se levantem mais numerosas e fortes barricadas. E se ergam bandeiras - não de sonho utópico, como aquelas que costumam atribuir-nos, mas de projecto consistente e transformador.

A viagem da direita, com vela enfunada ou à remadela escrava, tem um estilo e várias vozes. As vozes sempre com a devida ressonância estrangeira. Pelam-se os caudilhos pela palavra alienígena. Mário Soares encantava o provincianismo lusitano com o seu francês macarrónico e o seu ami Mitterrand. Cavaco Silva com o seu belfo inglês e a sua amiga Tatcher. Guterres vai mais longe e mais baixo e, em Portugal, fala castelhano com su amigo Aznar, um delfim do franquismo com quem costuma passar umas feriazinhas balneares.
Enquanto isso, os ministros vão interpretando o pensamento, as vontades e as vozes dos chefes. Com a arrogância que fala todas as línguas. Ameaçando, por exemplo, os pilotos da barra e pondo em perigo a navegação. É que a direita, às vezes, encalha. — Leandro Martins


«Avante!» Nº 1287 - 30.Julho.1998