EDITORIAL

Um partido incómodo


Em entrevista concedida ao Expresso, Ferreira do Amaral aborda, a dada altura, a questão do papel e da prática da comunicação social pública e privada. Sobre a primeira considera que ela está "instrumentalizada" e é "claramente favorável ao Executivo"; sobre a comunicação social em geral acha que ela reflecte exclusivamente o "ponto de vista do partido do Governo". E dá um exemplo: "Hoje a visão que o PC tem da sociedade não aparece em nenhuma parte da comunicação social".
Independentemente das razões que levaram Ferreira do Amaral a expressar esta opinião, há que reconhecer que ela contempla parte da verdade sobre a matéria em questão. Isto é: o que Ferreira do Amaral diz é verdade mas a verdade é muito mais do que aquilo que ele diz. Em primeiro lugar, a preocupação obsessiva de silenciar as opiniões e a actividade do PCP não é, infelizmente, exclusiva dos governos do PS: igual prática tiveram sempre quer os governos do PSD quer os de Bloco Central. Em segundo lugar, é necessário dizer que tão ou mais grave do que silenciar as opiniões do PCP é, como com frequência acontece, deturpá-las com premeditada e intencional má fé, ou seja, deturpá-las para logo a seguir proceder à crítica demolidora do objecto deturpado. Em terceiro lugar, é indispensável sublinhar que nenhum outro partido - por mais prejudicado que seja pelo que está no Poder - foi ou é descriminado e marginalizado como é o PCP.
É claro que há razões muitas para que as coisas sejam assim e não doutra maneira - razões que têm a ver com as concepções e práticas políticas dominantes, por um lado, e com a postura singular do PCP, por outro.

O facto de o PCP ser um partido revolucionário, logo diferente de todos os outros, torna-o alvo preferencial de seja quem for que estiver no Poder. Tanto mais que, como a realidade mostra todos os dias, os outros são todos praticamente iguais, nada - ou quase nada- os distinguindo quer no que toca a objectivos e projecto quer na prática política. Incomoda-os, assim, a existência de um partido que com a sua coerência assumida os obriga a exibir uma incoerência que preferiam esconder; que com a sua firmeza de princípios os obriga a destapar a total ausência dos mesmos em que se movem; que com o seu discurso sério, de verdade e de classe os obriga a mostrar a demagogia de que se alimentam e os interesses de classe que defendem; que persistindo na luta por uma sociedade justa, fraterna, solidária, sem exploradores nem explorados os obriga a desvendar a sua função de agentes activos na defesa de uma sociedade situada nos antípodas daquela.

Silenciar, desvalorizar, deturpar o projecto, as propostas, a actividade e o funcionamento do PCP constituem, assim, preocupação constante do ou dos partidos que têm estado no Poder. Sòzinhos ou aliados no governo, o PS e o PSD (sempre com um apêndice comum aos dois chamado PP) pedem meças no que respeita à manipulação da informação, à sua partidarização e instrumentalizaçaõ e à difusão de uma falsificada imagem do PCP. E sempre na base de sólidos "critérios", de poderosas "lógicas".

Se se repete exaustivamente e se difunde aos quatro ventos a "vocação totalitária do PCP", o seu "desprezo pelas liberdades", o seu "dogmatismo", a sua "teimosia em continuar preso a ideais ultrapassados", a sua "recusa em aceitar a modernidade", a sua "incapacidade de perceber e aceitar as novas realidades" ... - é óbvio que a "lógica" se opõe à difusão do verdadeiro projecto dos comunistas - um projecto de liberdade e de justiça social, humanista e humanizado, assente nos mais dignos e nobres ideais e valores humanos, tendo no horizonte a perspectiva, plena de modernidade, de construção de uma sociedade nova.

Se se propalam mil e uma atoardas sobre o "inelutavel e irreversivel declínio do PCP", sobre a sua "morte iminente ou de facto", sobre a sua "inactividade" ... é óbvio que a "lógica" se opõe imperativamente à divulgação da intensa actividade do PCP - que é mais do que a actividade somada de todos os outros partidos nacionais ; e é igualmente óbvio que a "lógica" não permite que se difunda o papel dos comunistas na luta pela defesa dos intertesses dos trabalhadores e das populações, a sua capacidade e disponibilidade para estarem, sempre, no lugar que lhes compete: ao lado dos explorados, dos excluídos, dos oprimidos e contra os exploradores e os opressores.

Se se espalha a imagem de um PCP "fechado", "ortodoxo", "sectário", onde os militantes existem para "cumprir fielmente ordens idas de cima" e "o direito à crítica é recusado", onde "a liberdade de expressão de opinião é letra morta", onde "a diferença de opiniões não é tolerável nem tolerada" e onde "o debate democrático não existe" ... é óbvio que a "lógica" não tolera que se aluda ao funcionamento profundamente democrático do PCP, ao permanente debate aberto, frontal e fraterno travado no colectivo partidário, à participação, de facto, da generalidade dos militantes, na definição das orientações políticas do Partido, a um conceito e prática de funcionamento democrático único na quadro partidário nacional.

E por aí fora...
De qualquer forma, é justo sublinhar o facto de Ferreira do Amaral ter tornado pública uma parte da verdade. Mesmo sabendo-se que neste tempo de mentira à solta qualquer bocadinho de verdade faz figura.


«Avante!» Nº 1290 - 20.Agosto.1998