Afeganistão
O perfume do petróleo
num campo de papoilas


O avanço das forças taliban («estudantes da religião») no Norte do Afeganistão, nos últimos dias, está a suscitar uma crescente preocupação no Irão, devido ao clima de instabilidade e insegurança gerado pelos confrontos na fronteira entre os dois países. Uma questão que não preocupa minimamente as potências internacionais e em particular os EUA - noutros casos tão zelosos dos direitos humanos e das práticas democráticas -, já que a extensão do domínio taliban a todo o território afegão serve os interesses norte-americanos de exploração das riquezas da Ásia Central.

O regime dos taliban, instalado em Kabul desde Setembro de 1996 e apenas reconhecido oficialmente pelo Paquistão - e oficiosamente pelos Estados Unidos -, é um produto da política paquistanesa, cujos sonhos hegemónicos passam pelo controlo do Afeganistão e pela liquidação da influência iraniana na região. Para atingir os seus objectivos, o Paquistão serviu-se da etnia pachtoune, maioritária no Sul do Afeganistão e no Norte do Paquistão, e contou com o apoio financeiro da Arábia Saudita e dos EUA. Para Washington tratava-se não só de estender a sua zona de influência, enfraquecendo o Irão e a Rússia, mas sobretudo de lançar mão ao petróleo e ao gaz natural da Ásia Central. Em causa está a construção de um gazeoduto e de um oleoduto, cujo projecto orça os cinco mil milhões de dólares, a cargo da companhia norte-americana Unocal, através de uma rota «segura». O projecto visa ligar o Turkmanistão aos portos paquistaneses, atravessando o Afeganistão de Norte a Sul, deixando de fora tanto a Rússia como o Irão.

Formados no Paquistão, os ditos «estudantes da religião» afegãos aprenderam bem duas coisas: o fanatismo religiosos e o manuseamento das armas.

Com o primeiro, mergulharam o país no mais profundo obscurantismo e riscaram do mapa nacional tudo o que de perto ou de longe se pudesse confundir com o respeito pelos direitos humanos. As mulheres, em particular, foram despojadas de qualquer direito, reduzidas a uma existência sub-humana: não podem estudar, nem trabalhar, e muito menos ter vontade própria. São encaradas como um subproduto, destinadas a servir os homens e à reprodução, de acordo com as regras impostas por uma hierarquia totalmente masculina. Tão-pouco as crianças merecem mais respeito: segundo dados das organizações humanitárias, mais de 20 por cento das crianças afegãs morrem antes de atingirem os cinco anos de idade.

Estes aspectos não incomodam os «campeões da democracia» instalados em Washington. Tal como não o incomodam, neste caso concreto, o florescente negócio de ópio que alimenta os arsenais dos taliban.

Antes dos «estudantes da religião» chegarem ao poder, o Afeganistão era o segundo produtor mundial de papoilas, a planta de que se produz o ópio. A partir de 1996, o país tornou-se no primeiro exportador mundial daquela planta, com mais de 3.000 toneladas exportadas em 1997, o que representa um crescimento de 20 por cento. Segundo os dados disponíveis, 95 por cento da produção é exportada, sendo a Europa o principal mercado (80 por cento), indo o remanescente (15 por cento) para os Estados Unidos. O tal país que se apresenta como o incansável combatente do tráfico de drogas.

Com o negócio, os taliban arrecadam qualquer coisa como 55 milhões de dólares. O bastante para comprar armas e homens para uma guerra que nada tem de santa.

Inebriados pelo perfume do petróleo e do gaz natural, os amigos americanos fazem de conta que as papoilas são de papel. Quanto à situação das mulheres afegãs e dos direitos humanos, enfim, questões internas...


«Avante!» Nº 1290 - 20.Agosto.1998