Tortura da Rússia,
dança dos capitais piratas,
mais concentração nas grandes indústrias
Verão
quente para o capitalismo
Por Manoel de Lencastre
0 que nos
preencheu a semana, intensamente, já que as férias algarvias
nos deixam desapontados, uma vez mais, perante a enorme
confusão, o quase tumulto que reina em todos os lugares que o
turismo demanda, foi a desintegração do sistema financeiro da
«nova» Rússia. Trata-se, evidentemente, de uma desintegração
entre muitas. Com as taxas de juro a 210% (a 13/8), o país de
leltsin ficou a conhecer uma longa estrada sem fim já por muitos
percorrida - desvalorizar? Não desvalorizar?
Mas, se o problema fosse apenas esse...
Os grandes meios que definem a estratégia do capitalismo decidiram, há muito, que a Rússia deve continuar a ser torturada. Assim, em plena crise das finanças do Estado e perante o descalabro dos mercados, tinha sido decidido em Junho passado aprovar um empréstimo de 22,6 milhões de dólares que, segundo aqueles meios, estabilizaria a situação. Mas o FM1, que organizou o referido empréstimo, colocou condições quase impossíveis de cumprir, no imediato. Temem, como se compreende, que o dinheiro, à medida que vá chegando, logo desapareça. Por outro lado, a Duma foi de férias. 0 objectivo, afinal, era meramente psicológico e é por isso que o primeiro-ministro, Kirienko, diz, agora, não perceber o que se passa com o sistema económico-financeiro do país. E atribui a factores psicológicos o desfazer do sistema a que leltsin e ele próprio, com a ajuda de Chubais, presidem.
Estragar.. estragar
tudo
No momento em que escrevemos, não se vê como será possível arrancar mais dinheiro ao FMI que, aliás, não o possui, ou aos ministros das Finanças do chamado Grupo «G7». Mas os gerentes do capitalismo internacional conhecem muito bem o valor de uma promessa feita no momento exacto. Mandam Bill Clinton convocar uma conferência de imprensa e anunciar que vai ser preparado um novo empréstimo. Então, a desenfreada especulação atenua os seus ímpetos e a Russas acredita, uma vez mais, nas belas palavras dos seus salvadores ocidentais. E Gorbatchev, como é evidente, recebe ordens para calar a boca e não fazer comentários que possam estragar tudo. Aliás, o capitalismo sabe, perfeitamente, que a principal característica daquele que foi o último dirigente soviético é essa, precisamente: estragar tudo.
A realidade, porém, não é fácil de esconder. Grupos de bandidos, no controlo claro e absoluto dos circuitos por onde o capital passa, transferem para contas particulares no estrangeiro tanto os dinheiros nacionais como os dos empréstimos; o país tombou na mais profunda miséria, os mineiros e outros sectores da classe trabalhadora não são pagos há meses, às forças armadas fomece-se alimentação própria para animais e a expectativa de vida para um russo normal é, agora, de 59 anos, apenas. Foi nesta conjuntura que surgiu o catastrófico anúncio feito pelo príncipe de todos os especuladores, George Soros, sugerindo que a desvalorização do rublo em 25 % é coisa que já pertence ao campo das inevitabilidades. Os mercados financeiros internacionais acusaram, imediatamente, as consequências da declaração efectuada pelo homem que passa por ser o 27º mais rico da América e cujos rendimentos se estimam em 700 contos por minuto. Começou a queda dos valores cotados em quase todos os casinos mundiais e, monotonamente, assinalou-se que todas as importantes baixas provocadas pela quinta feira negra de Moscovo não deveriam, passar, afinal, de simples correcções. Finalmente, a desvalorização confirmou-se há três dias. Os especuladores ficaram com a porta aberta para beberem mais o sangue da Rússia escrava
Esta inspirada justificação, a das correcções originadas pelo próprio mercado e pelas misteriosas forças que o regulam (?), levaram-nos a consultar estatísticas produzidas pelos banqueiros de investimentos Morgan Stanley Capital International que, naturalmente, não brincam em serviço, publicadas pelo Wall Street Journal (16/8/1998). De acordo com essas estatísticas, os mercados financeiros em crise e de onde se espera a falência e não meras correcções são os seguintes: Brasil, Chile, Colômbia, Grécia, Hong Kong, Índia, Indonésia, Coreia do Sul, Malásia, México, Peru, Filipinas, Polónia, Rússia, Singapura, África do Sul, Taiwan, Tailândia e Turquia.
0 sistema de especulação global, portanto, começou a preparar-se para as consequências do temporal que se avizinha. E, não dando ouvidos aos avisos do Bank for International Settlements (Banco de Regularizações Internacionais), que faz o papel de Banco Central de todos os Bancos Centrais, fez as suas contas e começou unia espectacular retirada estratégica. Ao levantar dos mercados asiáticos em 1997 e 1998 nada menos de 500 000 milhões de dólares mostrou o mais olímpico desdém pelas críticas do mencionado Banco e remeteu-se ao interior das suas ocidentais fortalezas. Naturalmente, isto não é capitalismo clássico. É banditismo internacional. Mas a diferença entre uma coisa e a outra é, quanto a nós, muitíssimo ténue.
A febre amarela das
fusões
0 capitalismo real, de cara menos suja, opera a outros níveis. Procura reforçar as suas bases, une-se, consolida-se. Continuam em aceleração à vista as fusões entre os maiores impérios. Nos últimos meses, assistimos à junção da Daimler-Benz com a Chrysler dando lugar à criação de um novo dinossauro industrial com o capital de 92.000 milhões de dólares. Passará a chamar-se Daimler-Chrysler Aktiengesellecheft onde a maioria de votos na respectiva Assembleia-Geral pertencerá aos antigos accionistas da firma alemã - 57%. 0 número de operários e empregados da nova empresa gigante é de 421.000. Cada um dos grupos agora associados administrará as respectivas fábricas, tal como já existem, mas as operações de compras serão imediatamente amalgamadas, na mira da realização de massivas economias.
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Principais fabricantes de veículos automóveis, segundo números respeitantes ao ano de 1997 |
Muitos dos grandes e históricos nomes da indústria automóvel, que todos conhecemos mas não fazem parte desta lista, são os que a luta pela concretização da produção e pelos mercados já deixou pelo caminho.
Também os bancos
americanos continuam a procurar diminuir os respectivos custos de
operações. A grande resposta, portanto, é a amalgamação - um
velho remédio para a doença de sempre. Verificámos, já
durante o Verão corrente, a do Wells Fargo, de S. Francisco, com
o Norwest, de Mineapolis. 0 novo banco resultante desta fusão,
chamar-se-á Wells Fargo & Company e passará a ser o
7º grupo bancário americano em termos de valores activos e o
4º na lista dos de maior capitalização de mercado. A febre das
fusões na banca americana intensificou-se desde Abril. Assim,
juntaram-se o Citiporp com o Travellers Group (capital:
70 000 milhões de dólares), o BankAmerica com o Nations
Bank (capital: 60 000 milhões de dólares), o BancOne com
o First Chicago NBD (capital: 30 mil milhões). Só a
tentativa de absorção do Mellon Bank pelo Bank of New York não
foi bem. sucedida. Mas sê-lo-á, um dia...
Na liga «Premier»
A maior de todas as amalgamações, porém, acaba de verificar-se no sector dos petróleos. Com efeito, a BI? (British Petroleum) ao chamar ao seu império a AMACO (americana), deu lugar à criação da segunda maior companhia de produção de petróleo em todo o mundo (capital: 110 mil milhões de dólares). Como é dos livros, enunciaram-se já despedimentos que atingirão 6000 trabalhadores do conjunto cujo efectivo é de 100 000. Mas esperam-se muitos mais. A queda dos preços do petróleo estrangula a Rússia, mas fez crescer a BP.
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Principais produtores de petróleo e gás (em termos de barris diários) |
A BP resultou da velha e histórica Anglo-Persian Oil Company. Quando Winston Churchil era o Primeiro Lord do Almirantado, durante a 1ª Guerra Mundial, tomou a decisão de adquirir 40% daquela companhia, em nome do governo britânico, pelo preço de 4 milhões de libras. As esquadras navais britânicas, nesse tempo, consumiam quantidades monumentais de gasolina e, daí, a decisão tomada. Mas a luta pelo desenvolvimento e pela aquisição de sempre mais importantes fatias da produção e do mercado não cessa. A BP, portanto, lançou-se no continente americano tomando consideráveis posições na respectiva indústria petrolífera.
Nestes termos, voltou-se para o antigo império do célebre John D. Rockefeller. Já comprara a Standard Oil Company of Ohio e esta AMACO, agora absorvida, não era outra se não a antiga Standard Oil Company of Indiana. Ficamos à espera, assim, do assalto final ao último dos redutos dos Rockefeller, a célebre Standard Oil of New Jersey, que passou a ser a Esso e se chama, agora, Exxon, a maior companhia americana do sector.