O Euro e o fosso


Um estudo sobre «O impacto do Euro na Economia Portuguesa e as implicações sociais», realizado pelos insuspeitos António Barreto e Pinto Barbosa, deixou evidente o que evidente é: o fosso entre ricos e pobres é cada vez maior, as desigualdades estão a agravar-se.
A forma como a notícia foi divulgada e por alguns comentada dá ar de quem tenha ficado surpreendido. O que surpreende é o ar de surpresa de alguns.
Depois das doses maciças de conversa sobre o pelotão da frente, o oásis e a teoria do sucesso, a coesão e solidareidade social não deixa de ser curioso ver constatado muito daquilo que repetidamente temos vindo a alertar. Que muitos dos indicadores económicos favoráveis que o Governo vem endeusando resultam de factores conjunturais, que o crescimento económico assenta quase exclusivamente no volume de algumas grandes obras públicas hoje em fase de fim de linha, que as avultadas verbas arrecadadas com o leilão de recursos nacionais que as privatizações tem constituído estão a acabar. Ou seja, o pior pode estar para vir.

Pena é que o estudo não tenha posto em evidência a outra realidade. O aumento do fosso e das desigualdades entre ricos e pobres não se reduz à relação entre portugueses, tem também expressão na relação de Portugal com os países mais ricos da Europa.
A aproximação entre economias reais, rendimentos de trabalho, poder de compra é cada vez mais uma miragem.
O défice da nossa balança comercial agrava-se, o peso do comércio com a União Europeia, no que respeita às exportações, não pára de descer. Portugal detém os mais baixos salários, o salário mínimo nacional mais baixo, as mais baixas reformas.

Onde o estudo não chega é à razão das causas. O aumento de desigualdades não é fatalidade nem obra do acaso. Tem origem e alimenta-se na política conduzida pelo Governo, no favorecimento descarado aos grandes grupos económicos, no favorecimento do capital parasitário, na promoção da especulação, na opção clara pelos interesses do capital, na cobertura dada à exploração, na desvalorização do trabalho e dos trabalhadores. Em resumo, numa política de classe ao serviço de uma classe cujos resultados e consequências nenhuma caricatura de preocupações solidárias e caritativas consegue iludir ou resolver.

O que surpreende verdadeiramente é a conclusão que entretanto os autores retiram: a de que vai demorar 30 anos a aproximar ricos e pobres. Em regra, uma boa dose de optimismo e alguma utopia não fica mal a ninguém. Desde que não em excesso.
É que não se consegue perceber – olhando à natureza e conteúdo do processo de integração europeia e à lógica dominante das relações económicas em favor dos interesses transnacionais e do capital financeiro de que o Euro é um serventuário – o que é que autoriza os autores a fundamentar tão promissora conclusão. Só se for para, quando lá chegados, em fim de vida, se sentirem com a consciência um pouco mais aliviada.— Jorge Cordeiro


«Avante!» Nº 1290 - 20.Agosto.1998